Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 50.223/14

Autos n.º 314/14 - MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Campinas

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Campinas

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Sumaré

Assunto: divergência quanto ao local de consumação do delito, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO FORO COMPETENTE PARA APURAÇÃO DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES, EMPREGO DE ARMA E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DO SUJEITO PASSIVO (CP, ART. 157, §2.º, I, II E V). CONSUMAÇÃO PERPASSADA COM A OBTENÇÃO DA POSSE DA RES FURTIVAE. VÍTIMA ABORDADA NA COMARCA DE CAMPINAS, MESMO LOCAL EM QUE SE VIU COMPLETAMENTE DESPOJADA DOS BENS SUBTRAÍDOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 70, CAPUT, DO CPP. DELITO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (CP, ART. 288). CONEXÃO. VIS ATTRACTIVA FIRMADA COM BASE NO ART. 78, INC. II, LETRA “A”, DO CPP. ATRIBUIÇÃO DO REPRESENTANTE MINISTERIAL INICIALMENTE OFICIANTE NA CAUSA.

1.      Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática do delito de roubo agravado pelo concurso de agentes, emprego de arma e privação de liberdade do sujeito passivo (CP, art. 157, §2º, incisos I, II e V). Cogitou-se, ainda, de possível associação criminosa (CP, art. 288) por parte dos suspeitos.

2.      O Código de Processo Penal, como é cediço, adotou como critério determinante da competência territorial o do lugar em que se produziu o resultado, conforme preconiza seu art. 70, caput. O foro adequado ao processo e julgamento da ação penal, portanto, é aquele em que se operou a consumação do crime. A fixação desta diretriz tem como escopo permitir que a infração seja apurada no local em que gerou seus efeitos. Acolheu-se, desta feita, a teoria do resultado. Deve-se determinar, por conseguinte, o exato instante em que o delito atingiu sua realização integral para, em seguida, apurar o locus commissi delicti.

3.      A hipótese concreta versa sobre roubo agravado. Referida infração atinge seu summatum opus, segundo entendimento consolidado, quando o sujeito se apodera da res furtivae, invertendo a posse, despojando, com isso, o ofendido de seu patrimônio. Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp n. 1.346.113/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe de 30/04/2014;  HC n. 91.007/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, julgado em 28/08/2008, DJe de 13/10/2008; RHC 18.141/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6.ª TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ de 06/03/2006, p. 443).

4.      Cogitou-se, por fim, do cometimento, por parte dos indiciados, do crime de associação criminosa (CP, art. 288), denominado, ao tempo dos fatos, quadrilha ou bando. Esse delito, dada sua conexão, deve ser apurado no foro competente para o roubo, o qual exerce vis attractiva nos termos do art. 78, inc. II, letra “a”, do CPP.

Solução: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça de Campinas.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do crime de roubo circunstanciado (CP, art. 157, §2.º, I, II e V) cometido, em tese, por (...) e (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, a Douta Promotora de Justiça de Campinas declinou de sua atribuição, asseverando ter o delito se consumado na Comarca de Sumaré, local em que o ofendido foi abordado e despojado de seus bens, realizando-se integralmente a infração.

Requereu, destarte, o envio do expediente ao foro mencionado, deixando de se manifestar acerca da decretação da prisão preventiva dos indiciados, mencionada em representação elaborada pela d. autoridade policial (fls. 59/60).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, porém, discordou de sua antecessora, pontuando ter a abordagem e a consumação do crime ocorrido, ambas, em Campinas. Em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 101/102).

O MM. Juiz, porém, houve por bem devolver os autos à origem, onde se efetivou a remessa do caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça para análise do citado incidente (fls. 108/109).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da causa a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Promotor de Justiça de Sumaré, com a máxima vênia da Ilustre Representante Ministerial oficiante em Campinas; senão, vejamos.

 

Dos fatos

Consta do feito que, no dia 10 de fevereiro de 2010, (...) conduzia caminhão pertencente à pessoa jurídica denominada “TNT MERCÚRIO”, sediada na Comarca de Sumaré, com diversas mercadorias que seriam entregues a distintos compradores.

Quando trafegava pela Rua Joaquim Galasi Zumbol, bairro Parque Santa Bárbara, em Campinas, reduziu a marcha do veículo em função de um obstáculo, momento em que foi abordado por três indivíduos, um deles armado.

Um dos agentes ingressou no caminhão, ordenando-lhe que seguisse à frente; chegando ao Município de Hortolândia, foi transferido para um automóvel “Voyage”.

O ofendido permaneceu no carro durante cerca de quarenta minutos com a cabeça abaixada, até ser deixado no Jardim São Pedro de Viracopos, quando solicitou auxílio via “190”.

Ao prestar declarações na Delegacia de Polícia, (...) reconheceu (...) e (...) como dois dos roubadores (fls. 05 e 07).

Os investigadores de polícia, posteriormente, apresentaram relatório, noticiando que, objetivando desarticular uma quadrilha que se especializou em crimes de subtração de carga na região do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, pleitearam a interceptação de várias linhas telefônicas, identificando os sujeitos como participantes do grupo voltado à mencionada prática delituosa (fls. 25/29).

 

Do foro competente

O Código de Processo Penal, como é cediço, adotou como critério determinante da competência territorial o do lugar em que se produziu o resultado, conforme preconiza seu art. 70, caput.

O foro adequado ao processo e julgamento da ação penal, portanto, é aquele em que se operou a consumação do delito.

A fixação desta diretriz tem como escopo permitir que a infração seja apurada no local em que gerou seus efeitos.

Acolheu-se, desta feita, a teoria do resultado.

Deve-se determinar, por conseguinte, o exato instante em que o crime atingiu sua realização integral para, em seguida, apurar o locus commissi delicti.

A hipótese concreta versa sobre roubo agravado.

Referida infração atinge seu summatum opus, segundo entendimento consolidado, quando o sujeito se apodera da res furtivae, invertendo a posse, despojando, com isso, o ofendido de seu patrimônio (hipótese verificada em Campinas).

Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO. CONSUMAÇÃO DO CRIME DE FURTO. POSSE TRANQUILA DA RES. DESNECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O entendimento pacificado nesta Corte, que considera consumado o crime de roubo, bem como o de furto, no momento em que o agente se torna possuidor da res furtiva, ainda que haja perseguição policial e não obtenha a posse tranquila do bem, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima.

2. Agravo regimental desprovido”.

(STJ, AgRg no REsp n. 1.346.113/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe de 30/04/2014; grifo nosso)

HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE AGRAVADO. COMPETÊNCIA. LOCAL DA CONSUMAÇÃO. TEORIA DO RESULTADO. MOMENTO CONSUMATIVO. POSSE. VIOLÊNCIA. CESSAÇÃO. REGRAS DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA ESTADUAL. JUÍZO CRIMINAL DO LOCAL DA CONSUMAÇÃO EXTINTO. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA.

1. O Código Processual Penal adotou a teoria do resultado, ao dispor, em seu art. 70, que será competente para processar e julgar a infração o foro do lugar em que ocorreu a consumação do delito.

2. O delito de roubo se consuma no momento em que o agente obtém a posse da coisa subtraída, ainda que temporariamente, desde que cessada a violência.

3. Inocorre constrangimento ilegal quando se mostra inviável, por regras de organização judiciária estadual, reconhecer a competência do Juízo do local da consumação.

(...)”

(STJ, HC n. 91.007/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, julgado em 28/08/2008, DJe de 13/10/2008; grifo nosso)

 

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO. CONSUMAÇÃO. LOCAL CERTO. JURISDIÇÃO DEFINIDA. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LOCAL. RECURSO PROVIDO.

1. A lei adjetiva penal adotou a teoria do resultado, aduzindo como competente para a apuração da infração penal o foro onde ocorreu a consumação do delito; in casu, o Distrito Federal.

2. Recurso provido para determinar a nulidade de todos os atos decisórios praticados pelo juízo de direito da terceira vara criminal de Betim/MG, encaminhando os autos à autoridade policial de Brasília/DF.

(STJ, RHC 18.141/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6.ª TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ de 06/03/2006, p. 443; grifo nosso)

 

Cogitou-se, por fim, do cometimento, por parte dos indiciados, do crime de associação criminosa (CP, art. 288), denominado, ao tempo dos fatos, quadrilha ou bando.

Esse delito, dada sua conexão, deve ser apurado no foro competente para o roubo, o qual exerce vis attractiva nos termos do art. 78, inc. II, letra “a”, do CPP.

Cumpre à Ilustre Promotora de Justiça de Campinas, desta feita, a análise conjunta das infrações retro mencionadas.

 

Conclusão

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe à Douta Suscitante.

A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, por não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.

Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, examinando conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça: a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (Regime Jurídico do Ministério Público no Processo Penal, São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155; parêntese nosso).

Publique-se a ementa.

                              

São Paulo, 05 de maio de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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