Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.º
52.538/11
Inquérito
Policial n.º 902/10 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Guarujá
Suscitante:
Promotoria de Justiça Criminal de Guarujá
Suscitada: 6.ª
Promotoria de Justiça Criminal da Capital
Assunto: foro competente para apuração de crime
de receptação (CP, art. 180)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE
ATRIBUIÇÃO. CRIME DE RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180, CAPUT). DIVERGÊNCIA ENTRE PROMOTORES DE JUSTIÇA ACERCA DA
COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. AGENTE QUE SUPOSTAMENTE
RECEBEU O VEÍCULO
1. Na hipótese vertente, o indiciado foi surpreendido por policiais militares na Capital, ao volante de automóvel produto de furto no Guarujá. Ao ser ouvido, afirmou que recebera o bem nesta cidade para transportá-lo para São Paulo.
2. Os elementos de prova indicam a
ocorrência de receptação dolosa simples (CP, art. 180, caput), infração cuja consumação se protrai no tempo, devendo
aplicar-se à espécie o disposto no art. 71 do CPP. De acordo com este dispositivo
legal, em casos como o presente, cuja consumação supostamente atingiu mais de
um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção. In casu, o juízo prevento, nos termos do
art. 83 do CPP, é, sem dúvida, aquele em que atua o Douto Suscitado, ou seja,
São Paulo. Nesse sentido: STJ, CC 88617, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, DJU de
Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitado.
Cuida-se o presente feito de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça em exercício nas Comarcas de Guarujá e da Capital, que divergem acerca do foro competente para apuração de crime patrimonial.
É o relatório.
Deve-se destacar, preliminarmente, que se encontra configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público. 6.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007. pág. 487).
Há que se considerar, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.
Pois bem.
O presente inquérito policial foi instaurado por ocasião da prisão, em flagrante delito, de (...), quando, na Capital, foi surpreendido na condução de veículo automotor produto de furto, ocorrido dez dias antes, no Guarujá.
O indiciado, ao ser auscultado, declarou que um indivíduo, o qual conhecera no bairro onde reside, solicitou que transportasse o automóvel até São Paulo, oferecendo-lhe R$ 400,00 (quatrocentos reais) para o serviço (fls. 08/09).
Foram colhidos os depoimentos dos policiais militares responsáveis pela ocorrência e de uma testemunha (fls. 04, 06/07).
Os elementos de prova acima sintetizados indicam a ocorrência, pelo menos, do crime de receptação dolosa (CP, art. 180), infração cuja consumação se protrai no tempo, devendo aplicar-se à espécie o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.
De acordo com o dispositivo legal indicado, em casos como o presente, cuja consumação supostamente atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.
In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, aquele em que atua o Douto Suscitado, ou seja, São Paulo. Nesse sentido:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO,
NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA.
CRIMES PERMANENTES COMETIDOS
1.
Na hipótese, o crime de receptação,
praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu
proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já
detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses
casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher
pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser
fixada pela prevenção.
Precedentes do STJ.
2. Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.
(STJ, CC 88617, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de
De ver, ainda, o seguinte julgado, sufragando a
mesma tese:
“CONFLITO
NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de carga - Crimes ocorridos
(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. Maria Olivia Alves, j. em 29/10/2007; grifo nosso).
Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça oficiante junto à Justiça Criminal da Capital.
A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.
Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN,
examinando conflitos de atribuição: “a exclusão de ambos (os Promotores
de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa
modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma
das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do
promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso
em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é
irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação
unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há
incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o
pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento
ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (Regime Jurídico do Ministério Público no Processo
Penal. São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155); parêntese nosso.
Publique-se a ementa. Cumpra-se.
São Paulo, 27 de abril de 2011.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal