Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 58.574/14

Autos n.° 2.071/13 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Campinas

Suscitante: 28.º Promotor de Justiça de Campinas

Suscitado: 32.º Promotor de Justiça de Campinas

Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL. ESTELIONATO (CP, ART. 171, CAPUT) OU JOGO DE AZAR (LCP, ART. 50). AGENTES QUE REALIZAVAM, EM VIA PÚBLICA, A CHAMADA “CHAPINHA” OU “TAMPINHA”, NA QUAL O APOSTADOR DEVE ACERTAR O RECIPIENTE ONDE SE ENCONTRA OCULTA A ESFERA. FATOR SORTE AUSENTE, POIS O SUJEITO ATIVO MANIPULARIA O RESULTADO, FRAUDULENTAMENTE, IMPEDINDO O GANHO POR PARTE DO JOGADOR. DELITO CONTRA O PATRIMONIO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO PROMOTOR DE JUSTIÇA ATUANTE PERANTE O JUÍZO COMUM.

1.     Muito embora tenham os autores sido surpreendidos realizando o jogo conhecido como “chapinha” ou “tampinha”, aparentemente baseado na sorte do apostador, verificou-se que, pela habilidade dos agentes, são eles capazes de alterar o resultado e, desta forma, impedir o ganho por parte daquele.

2.     Note-se que o laudo pericial corroborou com a tese acima exposta, demonstrando que não se cuida de mero jogo de azar, no qual o apostador efetivamente possui alguma chance de auferir o prêmio acordado, mas de estelionato, em que o responsável pelo controle da esfera e das chapas manipula o resultado, impedindo que o transeunte vença.

3.     Essa distinção é o ponto fulcral que separa a mera contravenção do crime tipificado no art. 171 do CP.

4.     Somando-se ao exame técnico de fls. 23/26, que apresentou indícios de adulteração dos resultados, o relato do ofendido, pode-se supor que não se tratava de jogo de azar, mas do emprego de fraude visando obter vantagem ilícita em prejuízo alheio.

5.     Não se pode olvidar, ainda, que nesta fase da persecução penal, quando existentes dúvidas acerca da capitulação jurídica do fato, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade.

6.     Nada impede que, uma vez ajuizada a denúncia perante o Juízo Comum, ocorra a desclassificação para a contravenção penal excogitada, acaso não se confirme, sob o crivo do contraditório, a utilização do citado artifício.

Solução: conhece-se do presente conflito, dirimindo-o, a fim de declarar que a atribuição de oficiar no feito incumbe à Douta Suscitante.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada para apurar a conduta de (...) e (...), os quais realizavam, em via pública, a prática conhecida como jogo da “tampinha” ou “chapinha”, consistente em apostar com transeuntes o local em que ocultaram uma pequena esfera macia, omitida debaixo de uma dentre três peças metálicas.

Concluídas as providências de polícia judiciária, a Douta Promotora de Justiça oficiante entendeu configurada a contravenção penal capitulada no art. 50 da LCP, requerendo o envio de folhas de antecedentes e respectivas certidões para avaliar o cabimento de transação penal (fls. 27).

Com as informações, postulou a designação de audiência preliminar e nova certidão em relação a um dos agentes (fls. 54).

Antes de efetivada a solenidade, a Ilustre Representante Ministerial que passou a conduzir o feito elaborou nova definição jurídica ao fato, considerando ter havido estelionato e não mera contravenção, requerendo, em face disto, o envio do caso ao Juízo Comum (fls. 64/65).

Efetuada a remessa, a Nobre Representante do Parquet destinatária discordou de sua antecessora, vislumbrando perpetrado unicamente o crime anão excogitado em sede policial; em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 72/75).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Douta Suscitada, com a máxima vênia da Ilustre Suscitante.

Muito embora tenham os autores sido surpreendidos realizando o jogo conhecido como “chapinha” ou “tampinha”, aparentemente baseado na sorte do apostador, verificou-se que, pela habilidade dos agentes, seriam capazes de alterar o resultado e, desta forma, impedir o ganho por parte daquele.

Note-se que o laudo pericial corroborou com a tese acima exposta, demonstrando não se cuidar de mero jogo de azar, no qual o apostador efetivamente possui alguma chance de auferir o prêmio acordado, mas de estelionato, em que o responsável pelo controle da esfera e das chapas manipula o resultado, impedindo que o transeunte vença.

Essa distinção é o ponto fulcral que separa a mera contravenção do crime tipificado no art. 171 do CP.

Somando-se ao exame técnico de fls. 23/26, o qual apresentou indícios de adulteração dos resultados, o relato do ofendido, pode-se supor que não se tratava de jogo de azar, mas do emprego de fraude visando obter vantagem indevida em prejuízo alheio.

Não se pode olvidar, ainda, que nesta fase da persecução penal, quando existentes dúvidas acerca da capitulação jurídica do fato, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade.

Nada impede que, uma vez ajuizada a denúncia perante o Juízo Comum, ocorra a desclassificação para a contravenção penal excogitada, acaso não se confirme, sob o crivo do contraditório, a utilização do citado artifício.

Em face disto, conhece-se do presente conflito, a fim de dirimi-lo e declarar que a atribuição para atuar nos autos incumbe à Douta Suscitante.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que esta decisão colide com sua opinio delicti, designa-se outro representante ministerial para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 24 de fevereiro de 2014.

 

                                      

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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