Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.º
59.582/10
Inquérito
Policial n.º 1.055/06 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Araçatuba
Suscitante:
Promotoria de Justiça Criminal de Araçatuba
Suscitada: 3.ª
Promotoria de Justiça Criminal da Capital
Assunto: foro competente para apuração de crime
de receptação (CP, art. 180)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DE RECEPTAÇÃO
(CP, ART. 180, CAPUT), USO DE
DOCUMENTO FALSO (CP, ART.
1.
Na hipótese vertente, o indiciado foi
surpreendido por policiais militares, em Araçatuba, ao volante de automóvel
produto de roubo na Capital. Ao ser ouvido, afirmou que adquirira o bem
2.
Há, na espécie, crime de receptação na
modalidade típica “conduzir”, fato consumado
3.
No que pertine ao uso de documento falso, seu summatum opus operou-se igualmente em
Araçatuba, quando se exibiu a cédula de identidade espúria aos policiais. Mesmo
que se pudesse atribuir ao sujeito colaboração na falsificação do documento,
subsistiria tão somente o usum, em
face do princípio da consunção (nesse sentido: TJSP, RT 800/599; TJSP, Apel. Crim. n. 849.769.3,
julgada em
Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitante.
Cuida-se o presente feito de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça em exercício nas Comarcas de Araçatuba e da Capital, que divergem acerca do foro competente para apuração de crime patrimonial.
É o relatório.
O inquérito policial foi instaurado por ocasião da prisão, em flagrante delito, de (...), quando, em Araçatuba, foi surpreendido na condução de veículo automotor produto de roubo, dois meses antes, nesta Capital.
O agente se encontrava, ademais, com documento de identidade falsificado, verificando-se, outrossim, que o chassi do automóvel encontrava-se adulterado.
O indiciado, ao ser auscultado, declarou que adquirira a res
Pois bem. Os elementos de prova acima sintetizados indicam a ocorrência, pelo menos, do crime de receptação dolosa (CP, art. 180), adulteração de sinal identificador de veículo automotor (CP, art. 311) e uso de documento falso (CP, art. 180).
No que toca ao delito contra o patrimônio, infração cuja consumação se protrai no tempo, de aplicar-se à espécie, o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.
De acordo com o dispositivo legal indicado, em casos como o presente, cuja consumação supostamente atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.
In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, aquele em que atua o Douto Suscitante, ou seja, Araçatuba. Nesse sentido:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO,
NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA.
CRIMES PERMANENTES COMETIDOS
1. Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de
conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um
caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica)
ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados
de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou
pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.
2. Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.
(STJ, CC 88617, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de
De ver, ainda, o seguinte julgado, sufragando a
mesma tese:
“CONFLITO
NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de carga - Crimes ocorridos
(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE
JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. Maria Olivia
Alves, j. em
No que toca à infração contra a fé pública relativa ao documento de identificação, o fato deve se subsumir, segundo nos parece, ao delito tipificado no art. 304 do CP, consumado igualmente no foro em que atua o Douto Suscitante (Araçatuba).
Ainda que se possa eventualmente atribuir ao increpado participação na falsificação anterior (o que se cogita apenas ad argumentandum), esta constitui antefactum impunível, por força do princípio da consunção ou absorção.
Como se sabe, referido princípio tem como escopo afastar conflito aparente de normas, evitando a plúrima incriminação de comportamento produtor de lesão única ao bem jurídico (ne bis in idem). Por meio dele, quando uma infração é perpetrada como meio necessário, fase normal de preparação ou de execução de outra, fica por esta absorvida. Na hipótese vertente, dá-se a consunção do falso pelo usum, até porque neste exaure sua potencialidade lesiva.
O
Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu nesse sentido:
“FALSIDADE DOCUMENTAL – Falsificação
de documento público e uso de documento falso – Condenação do agente pelas duas
infrações – Inadmissibilidade – Falsificação que foi utilizada como crime-meio
para atingir o desiderato do réu, qual seja, a utilização da contrafação –
Aplicação do princípio da consunção (TJSP) – RT 800/599” (vide, ainda, TJSP, Apelação
Criminal n. 849.769.3, julgada em
O delito de adulteração de sinal identificador de veículo
automotor, por fim, tem seu locus incerto.
Poder-se-ia supor, como cogitou o competente Suscitado, ter sido a atitude
praticada
Mostra-se de todo conveniente, portanto, que o feito permaneça sob os cuidados da Promotoria de Justiça de Araçatuba, até para não se comprometer a colheita da prova e, via de consequência, a busca da verdade real.
Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça Suscitante.
A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.
Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN,
examinando conflitos de atribuição: “a
exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em
caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de
ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É
evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não
ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que
porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser
eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo.
(...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e,
portanto, inconveniência para a sociedade –
se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de
arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável”
(REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO
PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155); parêntese
nosso.
Publique-se a ementa. Cumpra-se.
São
Paulo,
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal