Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 61.880/10

Autos n.º 050.10.032132-1 – MM. Juízo do I Tribunal do Júri da Comarca da Capital

Suscitante: Promotoria de Justiça do I Tribunal do Júri da Capital

Suscitada: 6.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Assunto: enquadramento legal dos fatos

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. ATOS EXECUTÓRIOS PRATICADOS. VÍTIMA SEQUESTRADA E TORTURADA. AGENTES QUE INFORMARAM, DESDE O INÍCIO, O INTUITO DE CEIFAR A VIDA DO OFENDIDO, MAS AGUARDAVAM ORDEM PARA EFETUAR O GOLPE FATAL. POLÍCIA QUE FRUSTRA O COMETIMENTO DO HOMICÍDIO. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

1.     O ofendido foi abordado pelos indiciados, subjugado e conduzido a uma favela, em que outras doze pessoas o aguardavam. No trajeto, informaram que lhe tirariam a vida. No local, depois de amordaçado e amarrado, sofreu inúmeras agressões com socos e pauladas. Os algozes, a todo o tempo, declaravam que o matariam de maneira brutal, seguindo-se, desta forma, ignóbil tortura física e psíquica.

2.     O opróbrio motivador da conduta foi o não-pagamento de dívida oriunda da venda de substâncias entorpecentes, aliada ao fato de que a vítima recusara-se a persistir prestando serviços aos traficantes.

3.     O sujeito permaneceu em poder dos agressores por mais de quatro horas, mas acabou sendo liberado, pois um dos criminosos notou a aproximação de uma viatura policial (acionada por meio de ligação anônima), tendo a maioria deles se evadido do local, exceção aos que foram presos e ao adolescente apreendido.

4.     Os autores, com efeito, mantiveram o ofendido em seu poder por tempo assaz dilatado, o seviciaram de maneira bárbara, e apenas aguardavam uma simples ordem para dar o coup de grâce. Inexiste dúvida, desta feita, que deram início à execução de um homicídio, somente não consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente. É preciso enfatizar que o propósito de matar já estava presente, consoante sobejamente demonstrado, desde os primeiros atos (ou seja, desde o momento em que houve o sequestro). Todas as ações foram, desde então, dirigidas à supressão da vida. O aviso verbal atuava, portanto, somente como marco final ou termo a quo da existência do sujeito passivo. Não se ignora, é bem verdade, que poderia se emitir contraordem; acaso tal se verificasse, seria aplicável o disposto no art. 15 do CP, imputando-se aos indiciados somente os delitos cogitados pela competente Promotora do Júri.

5.     No caso sub examen, todavia, somente não se suprimiu o bem maior do ofendido por conta da intervenção da Polícia, frustrando o intento final dos increpados. Dessa forma, em que pesem as judiciosas ponderações da Douta Suscitante, parece-nos que não cabe falar, na hipótese vertente, em conatus remotus, mas verdadeiro conatus proximus.

Solução: diante do exposto, dirime-se o conflito para declarar que a atribuição compete à Douta Suscitante.

 

Cuida-se de conflito negativo de atribuição, em que os Doutos Promotores de Justiça em exercício na Comarca de Capital divergem acerca da responsabilidade de atuar no inquérito policial, instaurado visando à apuração da conduta de (...) e (...), os quais, juntamente com um adolescente e outros indivíduos não identificados, sequestraram, agrediram severamente e torturaram (...).

É o relatório.

A questão fundamental reside em saber se é possível imputar aos agentes crime doloso contra a vida.

Para a mui competente Suscitante, muito embora tenham os investigados declarado o propósito de ceifar a vida do sujeito passivo, não deram início à execução de um homicídio, devendo responder somente pelos graves atos praticados anteriormente (fls. 89/96).

Na ótica do diligente Suscitado, trata-se de tentativa de homicídio, razão pela qual pugnara pelo envio do procedimento à Vara do Júri (fls. 83/84).

Colocada a controvérsia, passa-se à análise das provas.

De acordo com o ofendido, fora ele abordado por três pessoas, dentre as quais os indiciados, que o subjugaram e o conduziram a uma favela, em que outras doze pessoas o aguardavam. No trajeto, revelaram que tirariam sua vida.

No local, foi amordaçado, amarrado e, nessa condição, imensamente agredido com socos e pauladas. Seus algozes, a todo o tempo, informavam que o matariam de maneira brutal, seguindo-se, desta forma, ignóbil tortura física e psíquica.

O sujeito permaneceu em poder dos agressores por mais de quatro horas, mas acabou sendo liberado, pois um dos criminosos notou a aproximação de uma viatura policial (acionada por meio de ligação anônima), tendo a maioria deles se evadido do local, exceção aos que foram presos e ao adolescente apreendido.

O opróbrio motivador da conduta foi o não-pagamento de dívida oriunda da venda de substância entorpecentes, aliada ao fato de que a vítima recusara-se a persistir prestando serviços aos traficantes.

Ficou demonstrado, ainda, por meio dos depoimentos dos policiais responsáveis pelas diligências, que os autores aguardavam uma ordem final para matar (...).

Esses, em breve síntese, os fatos sob apreciação.

Em nosso sentir, com a devida vênia da Douta Suscitante, não há como afastar-se a ocorrência de crime doloso contra a vida, na forma tentada.

Os autores, com efeito, mantiveram o ofendido em seu poder por tempo assaz dilatado, o seviciaram de maneira bárbara, e apenas aguardavam uma simples ordem para dar o coup de grâce.

Inexiste dúvida, desta feita, que deram início à execução de um homicídio, somente não consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente.

É preciso enfatizar que o propósito de matar já estava presente, consoante sobejamente demonstrado, desde os primeiros atos (ou seja, desde o momento em que houve o sequestro). Todas as ações foram, desde então, dirigidas à supressão da vida. O aviso verbal atuava, portanto, somente como marco final ou termo a quo da existência do sujeito passivo. Não se ignora, é bem verdade, que poderia se emitir contraordem; acaso tal se verificasse, seria aplicável o disposto no art. 15 do CP, imputando-se aos indiciados somente os delitos cogitados pela competente Promotora do Júri.

No caso sub examen, todavia, somente não se suprimiu o bem maior de (...) em razão da intervenção da Polícia, frustrando o intento final dos increpados.

Dessa forma, em que pesem as judiciosas ponderações da Douta Suscitante, parece-nos que não cabe falar, na hipótese vertente, em conatus remotus, mas verdadeiro conatus proximus.

Repise-se, ainda, não existir dúvidas quanto ao animus necandi. Nada impede, por óbvio, que durante o sumário da culpa a prova indique outro caminho, situação em que poderá se operar a desclassificação a que alude o art. 419 do CPP. Nesta etapa, todavia, em que impera o princípio in dubio pro societate, outra não pode ser a solução senão atribuir aos agentes o delito doloso contra a vida acima indicado (sem prejuízo de outros cometidos conexivamente).

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para oficiar nos autos compete à mui diligente Suscitante. Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, tendo em vista a opinio delicti exarada, designo outro Representante Ministerial para atuar na causa, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

                                                     

      São Paulo, 19 de maio de 2010.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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