Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.º
63.018/15
Autos n.º 0044824-13.2011.8.26.0405 - MM.
Juízo da 4.ª Vara Criminal da Comarca de Osasco
Suscitante: 19.º Promotor de Justiça de
Osasco
Suscitada: 18.º Promotor de Justiça de
Osasco
Assunto: divergência quanto ao enquadramento
dos fatos com reflexo na atribuição funcional
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. LESÕES CORPORAIS CULPOSAS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR AGRAVADAS (EM CONCURSO FORMAL). PENA MÁXIMA QUE SUPERA O LIMITE DE COMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. EVENTUAL CABIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL. IRRELEVÂNCIA QUANTO À DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA E, REFLEXAMENTE, DA ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL. ATRIBUIÇÃO DA DOUTA PROMOTORA DE JUSTIÇA CRIMINAL.
1.
Segundo se apurou, o investigado conduzia veículo
automotor e, por imprudência, colidiu com motocicleta na qual havia duas
pessoas, tendo ambas sofrido lesão corporal.
2. O autor, ainda, deixou de prestar socorro aos ofendidos, sendo-lhe possível fazê-lo sem risco pessoal. A conduta se amolda, portanto, ao tipo previsto no art. 303, parágrafo único, c.c. 302, §1.º, III, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, praticado por duas vezes, em concurso formal (CP, art. 70, caput, 1.ª parte), sendo, por isso, de competência do Juízo Criminal.
3. Destaque-se que doutrina e jurisprudência firmaram entendimento no sentido de que as causas de aumento de pena devem ser consideradas em conjunto com a sanção prevista em abstrato para se verificar a possibilidade de aplicação dos institutos da Lei n.º 9.099/95.
4. Bem por isso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça aprovaram súmulas vedando a suspensão condicional do processo em casos de concurso de crimes em que a pena mínima, em abstrato, exceda um ano (súmulas n.º 723 do STF e 243 do STJ). O mesmo raciocínio deve ser adotado em relação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, já decidiu esta Procuradoria-Geral de Justiça, conforme se nota, entre outros, no Protocolado n.º 20.546/10- PGJ/SP, cuja ementa se transcreve: “EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CTB, ART. 303). INFRAÇÃO PENAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO, SALVO QUANDO PRESENTE ALGUMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS DE AUMENTO DE PENA, FUNDADAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DA DISPOSIÇÃO. VÍTIMA COLHIDA QUANDO ATRAVESSAVA A FAIXA DE PEDESTRES. EXASPERANTE CONFIGURADA. INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO SUSCITADO”.
5.
Obtempere-se, ainda, que a possibilidade de outorga
de transação penal, lastreada no art. 291, §1.º, do CTB, não importa, de per si, na competência do Juizado
Especial Criminal, que observa o critério cogente descrito no art. 61 da Lei
n.º 9.099/95.
6.
De ver que há outros casos de possibilidade de
formulação de proposta da mencionada medida despenalizadora fora do Juizado
Especial, como, por exemplo, na hipótese de conexão com infração de competência
do Juízo Comum ou Júri, nos termos do que preceitua o art. 60, parágrafo único,
da Lei n.º 9.099/95.
Solução: conhece-se do conflito para
declarar que a atribuição incumbe à Douta Suscitada.
Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor seguida de omissão de socorro, por duas vezes – em concurso formal (art. 303, parágrafo único, c.c. art. 302, §1.º, III, ambos da Lei n.º 9.503/97, na forma do art. 70, caput, 1.ª parte, do CP) cometidos, em tese, por SILVIO JUSTINIANO DE ALMEIDA em face de ALEX RODRIGUES LEÃO e FRANCISCO FRANCIVALDO ARAÚJO DOS SANTOS.
Concluídas as providências de polícia judiciária, a Douta Promotora de Justiça Criminal, pautando-se no art. 291, §1.º, do Código de Trânsito Brasileiro, pugnou pelo envio do expediente ao Juizado Especial (fl. 112).
O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu concordou com o enquadramento legal dos fatos, discordando, porém, da competência do JCERIM para o processamento do feito, visto que as penas dos crimes cometidos em concurso formal ultrapassam o limite previsto no art. 61 da Lei n.º 9.099/95; em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 119/121).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da causa a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.
Pois bem.
A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a
devida vênia da Ilustre Suscitada; senão, vejamos.
Em breve resumo, consta do feito que, no dia 09 de
agosto de 2011, por volta das 13 horas e 30 minutos, na Avenida Presidente
Kennedy, no bairro Jardim Pochdalle, na Comarca de Osasco, SILVIO, conduzindo
caminhão do tipo betoneira, atingiu a moto de ALEX, na qual estava FRANCISCO,
na posição de garupa, provocando a queda e lesões corporais nas vítimas, tendo,
em seguida, deixado de prestar socorro aos ofendidos, sendo-lhe possível
fazê-lo sem risco pessoal.
Trata-se, portanto, de conduta que se amolda ao tipo previsto no art. 303, parágrafo único, c.c. 302, §1.º, III, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, praticado por duas vezes, em concurso formal, sendo, por isso, de competência do Juízo Criminal.
Destaque-se que doutrina e jurisprudência firmaram entendimento no sentido de que as causas de aumento de pena devem ser consideradas em conjunto com a sanção prevista em abstrato para se verificar a possibilidade de aplicação dos institutos da Lei n.º 9.099/95.
Bem por isso, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça aprovaram súmulas vedando a suspensão condicional do processo em casos de concurso de crimes em que a pena mínima, em abstrato, exceda um ano (súmulas n.º 723 do STF e 243 do STJ). O mesmo raciocínio deve ser adotado em relação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo.
Nesse sentido, já decidiu esta Procuradoria-Geral de Justiça, conforme se nota, entre outros, no Protocolado n.º 20.546/10- PGJ/SP, cuja ementa se transcreve:
“EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CTB, ART. 303). INFRAÇÃO PENAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO, SALVO QUANDO PRESENTE ALGUMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS DE AUMENTO DE PENA, FUNDADAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DA DISPOSIÇÃO. VÍTIMA COLHIDA QUANDO ATRAVESSAVA A FAIXA DE PEDESTRES. EXASPERANTE CONFIGURADA. INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO SUSCITADO.
1. O crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, tipificado no art. 303 do CTB, constitui infração de pequeno potencial ofensivo (CF, art. 98, I e Lei n. 9.099/95, art. 61), já que sua pena máxima é de dois anos de detenção.
2. Na hipótese de se verificarem quaisquer das circunstâncias previstas no parágrafo único da disposição legal, que remete às causas de aumento de pena do homicídio culposo de trânsito (CTB, art. 302, par. ún.), o teto punitivo extravasa o patamar previsto na Lei dos Juizados Especiais, tornando este órgão materialmente incompetente. No caso concreto, a ofendida atravessava a via pública na faixa de pedestres. Por esse motivo, o dever funcional de examinar a causa incumbe ao Douto Suscitado.
Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição para oficiar no procedimento cumpre à 2.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital”.
Obtempere-se, ainda, que a
possibilidade de outorga de transação penal, lastreada no art. 291, §1.º, do
CTB, não importa, de per si, na competência do Juizado Especial Criminal, que
observa o critério cogente descrito no art. 61 da Lei n.º 9.099/95.
De ver que há outros casos
de possibilidade de formulação de proposta da mencionada medida despenalizadora
fora do Juizado Especial, como, por exemplo, na hipótese de conexão com
infração de competência do Juízo Comum ou Júri, nos termos do que preceitua o
art. 60, parágrafo único, da Lei n.º 9.099/95.
Diante do exposto, conhece-se deste incidente para
dirimi-lo, a fim de atribuir o dever de oficiar nos autos a Ilustre Suscitada.
Tendo em conta que a
presente decisão não colide com sua independência funcional, dada a
concordância quanto ao enquadramento legal da conduta, deixa-se de designar
outro membro para oficiar no expediente.
Não se pode olvidar, como ensina
PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, que, em conflitos de atribuição
decididos pelo Procurador-Geral de Justiça:
“a exclusão de ambos (os Promotores
de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa
modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma
das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do
promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso
em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é
irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação
unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há
incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para
a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma
promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é
inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo:
Editora Verbatim, 2009. pág. 155; parêntese nosso).
São Paulo, 13 de
maio de 2015.
Publique-se a ementa.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal