Representação visando Conflito Negativo de Atribuições perante o Supremo Tribunal Federal

Protocolado n.º 63.471/15

Autos n.º 1.34.008.000522/104-10 – Ministério Público Federal

Suscitante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Suscitado: Ministério Público Federal

Assunto: conflito de atribuição conhecido como representação para suscitar o incidente perante o Supremo Tribunal Federal

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. REPRESENTAÇÃO FORMULADA PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA DE PIRACICABA A FIM DE SUSCITAR O INCIDENTE EM FACE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, O QUAL DECLINOU DE SEU DEVER DE OFICIAR NO PROCEDIMENTO. SUPOSTA OFENSA PRATICADA EM SÍTIO DE RELACIONAMENTO (“FACEBOOK”) DIRIGIDA A PESSOAS PROCEDENTES DAS REGIÕES NORTE E NORDESTE DO PAÍS. AUSÊNCIA DE REFLEXOS PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS NACIONAIS. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO INDEFERIDA.

1.     No caso em tela, a controvérsia envolvendo membros do Parquet de diferentes unidades federativas. Em tal cenário, compete ao Colendo Supremo Tribunal Federal dirimir eventual conflito de atribuição, nos termos do atual entendimento sufragado pela citada Excelsa Corte: “EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO. PRECEDENTES. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. APURAÇÃO DE SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ORIUNDOS DO PRONAF. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 109, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL” (ACO n.º 1.281, Relatora:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2010).

2.     Considerando que cabe somente ao Procurador-Geral de Justiça representar o Ministério Público estadual perante o Pretório Excelso, quando o membro do Parquet julgar ser de outra unidade ministerial a responsabilidade de oficiar no feito, cumpre-lhe representar à Chefia Institucional para, em acolhendo a tese sustentada, remeter a questão à Suprema Corte ou, se discordar, atribuir o exercício funcional ao promotor natural do caso. Nesse sentido, o Aviso n.º 549/2008-PGJ, publicado no D.O.E. de 11/09/2008:“O Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições e a pedido do Coordenador da Assessoria Jurídica, Avisa aos senhores membros do Ministério Público do Estado de São Paulo que, em casos concretos, desde que formada sua convicção no sentido da necessidade de instauração de conflito de atribuições entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público Federal, ou Ministérios Públicos de outros Estados, a provocação da instauração do conflito deverá ocorrer mediante representação, fundamentada, à Procuradoria-Geral de Justiça; Avisa ainda que deve ser evitado o encaminhamento direto dos autos pelo membro do Ministério Público ao E. STF, para fins de instauração do conflito, dada a atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça para representação judicial da instituição”.

3.     No mérito, reconhece-se que a hipótese de competência da Justiça Federal, mencionada pelo Nobre Promotor de Justiça (CF, art. 109, inc. V), diz respeito a crimes à distância, isto é, àqueles cuja conduta tenha se iniciado no Brasil, mas o resultado ocorra ou deva ocorrer no exterior, ou vice-versa. Estes é que, quando previstos em tratados ou convenções internacionais, devem ser processados e julgados pela Justiça Comum Federal.

4.     No caso em tela, não se cuida disto. Trata-se de expressão apontada como preconceituosa, exposta em rede mundial de computadores, dirigida a grupo de pessoas oriundas das regiões norte e nordeste do Brasil. Não há como enxergar que o fato, mesmo em tese, se projete para produzir resultados no âmbito de outros países. Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça; confira-se: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 241-A E 241-B DO ECA. CRIMES PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET. INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Para firmar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de indícios da transnacionalidade do crime previsto em tratados ou convenções internacionais, não bastando a potencialidade do dano internacional. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitante”. (CC 127.419/GO, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 3.ª SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe de 02/02/2015; grifo nosso). Conforme já entendeu o Supremo Tribunal Federal, inclusive: “Ementa: habeas corpus. Alegação de vício procedimental. Competência para processar e julgar crime de incitação à discriminação cometido por meio da internet. Ofensas dirigidas a pessoas determinadas. 1. Não se declara a nulidade do ato processual que não houver influído na decisão da causa. 2. É da Justiça estadual a competência para processar e julgar o crime de incitação à discriminação racial por meio da internet cometido contra pessoas determinadas e cujo resultado não ultrapassou as fronteiras territoriais brasileiras. 3. Ordem denegada.” (STF, HC 121.283, Relator:  Min. ROBERTO BARROSO, 1.ª Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091, publicado em 14/05/2014).

Solução: conhece-se da presente representação, indeferindo-a, pois a atribuição para atuar nos autos incumbe ao Ministério Público de São Paulo, por meio do Douto Suscitante. Como a presente solução não colide com eventual opinio delicti ainda não externada pelo Ilustre Promotor de Justiça paulista, deixa-se de designar outro membro ministerial para oficiar na causa.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração de suposto crime de preconceito decorrente de procedência nacional (art. 20, §2.º, da Lei n.º 7.716/89) cometido por meio da rede mundial de computadores.

A notitia criminis inqualificada foi encaminhada ao Ministério Público Federal, narrando que MICHEL SILVA, por meio da rede social “Facebook”, teria, depois de não se conformar com o resultado das eleições presidenciais, dito: “Até que aproveitar a ideia do Muro de Berlim não seria má ideia... #VamosDividirOBrasil #BrasilNorte/BrasilSul #ForaNordeste”. (fls. 04).

A Procuradoria da República considerou que a conduta, em tese, não se inseriria dentro das atribuições federais e, com a chancela da 2.ª Câmara de Coordenação e Revisão, encaminhou o caso para o Parquet estadual (fls. 07/09 e 13).

O Ilustre Promotor de Justiça de Sumaré, contudo, discordou da atribuição e, julgando que o fato se insere na esfera de atuação do remetente, por conta do disposto no art. 109, inc. V, da CF, requereu o envio do expediente a esta Procuradoria-Geral de Justiça, para a adoção das providências cabíveis (fls. 16/17).

Eis a síntese do necessário.

Ressalte-se, preliminarmente, que se encontra configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, citado incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Ocorre, porém, que se trata de controvérsia envolvendo membros do Parquet de diferentes unidades federativas.

Compete, portanto, ao Colendo Supremo Tribunal Federal dirimir o conflito, nos termos do atual entendimento sufragado pela citada Excelsa Corte:

 

“EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO. PRECEDENTES. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. APURAÇÃO DE SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ORIUNDOS DO PRONAF. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 109, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL”.

(ACO n.º 1.281, Relatora:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2010).

 

Considerando que cabe somente ao Procurador-Geral de Justiça representar o Ministério Público estadual perante o Pretório Excelso, quando o membro do Parquet julgar ser de outra unidade ministerial a responsabilidade de oficiar no feito, cumpre-lhe representar à Chefia Institucional para, em acolhendo a tese sustentada, remeter a questão à Suprema Corte ou, se discordar, atribuir o exercício funcional ao promotor natural do caso.

Nesse sentido, o Aviso n.º 549/2008-PGJ, publicado no D.O.E. de 11/09/2008:

“O Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições e a pedido do Coordenador da Assessoria Jurídica,

Avisa aos senhores membros do Ministério Público do Estado de São Paulo que, em casos concretos, desde que formada sua convicção no sentido da necessidade de instauração de conflito de atribuições entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público Federal, ou Ministérios Públicos de outros Estados, a provocação da instauração do conflito deverá ocorrer mediante representação, fundamentada, à Procuradoria-Geral de Justiça;

Avisa ainda que deve ser evitado o encaminhamento direto dos autos pelo membro do Ministério Público ao E. STF, para fins de instauração do conflito, dada a atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça para representação judicial da instituição”.

 

Pois bem.

Com a devida vênia do Douto Suscitante, parece-nos que a razão se encontra com o Ilustre Suscitado.

Com efeito, a hipótese de competência da Justiça Federal, mencionada pelo Nobre Promotor de Justiça, diz respeito a crimes à distância, isto é, àqueles cuja conduta tenha se iniciado no Brasil, mas o resultado ocorra ou deva ocorrer no exterior, ou vice-versa.

Estes é que, quando previstos em tratados ou convenções internacionais, devem ser processados e julgados pela Justiça acima citada, por força do art. 109, inc. V, da CF.

No caso em tela, não se cuida disto.

Trata-se de expressão apontada como preconceituosa, exposta em rede mundial de computadores, dirigida a grupo de pessoas oriundas das regiões norte e nordeste do Brasil.

Não há como enxergar que o fato, mesmo em tese, se projete para produzir resultados no âmbito de outros países. Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça; confira-se.

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 241-A E 241-B DO ECA. CRIMES PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET. INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. Para firmar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de indícios da transnacionalidade do crime previsto em tratados ou convenções internacionais, não bastando a potencialidade do dano internacional.

2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitante”.

(CC 127.419/GO, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 3.ª SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 02/02/2015; grifo nosso)

 

Conforme já entendeu o Supremo Tribunal Federal, inclusive:

 

“Ementa: habeas corpus. Alegação de vício procedimental. Competência para processar e julgar crime de incitação à discriminação cometido por meio da internet. Ofensas dirigidas a pessoas determinadas. 1. Não se declara a nulidade do ato processual que não houver influído na decisão da causa. 2. É da Justiça estadual a competência para processar e julgar o crime de incitação à discriminação racial por meio da internet cometido contra pessoas determinadas e cujo resultado não ultrapassou as fronteiras territoriais brasileiras. 3. Ordem denegada.”

(STF, HC 121.283, Relator:  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091, publicado em 14/05/2014).

 

Diante do exposto, conhece-se da presente representação, indeferindo-a, pois a atribuição para atuar nos autos incumbe ao Ministério Público de São Paulo, por meio do Douto Suscitante.

Como a presente solução não colide com eventual opinio delicti ainda não externada pelo Ilustre Promotor de Justiça paulista, deixa-se de designar outro membro ministerial para oficiar na causa.

Não se pode olvidar, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, que, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155; parêntese nosso).

 

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 25 de maio de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

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