Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 66.461/09

Inquérito Policial n.º 050.07.094304-4 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Guarulhos

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal da Capital

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. ESTELIONATO. EMISSÃO DE CHEQUE PRÉ-DATADO SEM PROVISÃO DE FUNDO. CÁRTULA DESNATURADA COMO ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. ENQUADRAMENTO TÍPICO NA MODALIDADE FUNDAMENTAL. FORO COMPETENTE. LOCAL DA OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA.

1.      A emissão de cheque sem a devida provisão de fundo, quando pré-datado, não se subsume ao art. 171, §2º, VI, do CP. Caso exista dolo do agente, consistente na vontade consciente de obter vantagem ilícita em detrimento do patrimônio de outrem, configura-se o delito na modalidade fundamental (CP, art. 171, caput).

2.      O foro competente para a apuração do fato, destarte, corresponde ao local da obtenção da vantagem (quando se dá a consumação do crime – art. 70, caput, do CPP).

3.      Não se aplicam, destarte, as Súmulas 521 do STF e 244 do STJ.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição compete ao Ilustre Suscitante.

 

Cuida-se de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça Criminais de Guarulhos e da Capital, que divergem acerca da competência para atuar no feito, que foi instaurado para apuração do delito de estelionato, que teria sido praticado, em tese, por (...), em face de “FERA MÓVEIS ESTOFADOS LTDA.”.

É o relatório.

Na hipótese dos autos, o indiciado compareceu ao estabelecimento empresarial da vítima e adquiriu um sofá, entregando, como forma de pagamento, dez fólios de cheque (pré-datados). Destes, dois foram devolvidos sem provisão de fundos e os demais tiveram a compensação recusada em face do encerramento da conta bancária.

A vantagem ilícita foi obtida no momento da entrega do bem, o que se deu em Guarulhos.

Deve-se anotar que o increpado já ostenta passagens criminais por crimes contra o patrimônio (fls. 185/189, 192, 194/195 e 198/201).

Pois bem.

Como ponderou o Digno Suscitado, a emissão de cheques pré-datados desnatura a cártula enquanto ordem de pagamento à vista. Por esse motivo, a conduta não pode se subsumir ao disposto no art. 171, §2º, VI, do CP.

Reconhece-se, por outro lado, que o ato praticado foi evidentemente movido por má fé, consistente na intenção pré-concebida de lesar o patrimônio alheio, mediante engodo traduzido em fazer a vítima crer que a compra seria honrada.

Há, destarte, crime de estelionato na modalidade fundamental. Não se aplica, por conseguinte, o enunciado sumular apontado pelo Ilustre Suscitante (isto é, as Súmulas 521 do STF e 244 do STJ).

Registre-se que há reiteradas decisões no sentido de se afirmar ser competente o foro do local da obtenção da vantagem ilícita; confira-se:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. INQUÉRITO. ESTELIONATO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DA OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA.

1. Inquérito em que se apura, em tese, crime previsto no artigo 171, caput, do Código Penal a merecer processamento no local da obtenção da vantagem ilícita.

2. Conflito conhecido para declarar competente o suscitado, Juízo de Direito da Comarca de Camacan/BA”.

(STJ, CC n. 73.738, rel. Ministro OG FERNANDES, DJe de 21/10/2008).

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. CHEQUE PRÉ-DATADO. DEVOLUÇÃO SEM PROVISÃO DE FUNDOS. LOCAL DA RECUSA.  SUM. 521/STF.

- Conforme entendimento sumular (Sum. 521/STF), compete ao juízo da Comarca em que houve a recusa do cheque por insuficiência de fundos, processar e julgar o delito.

- Conflito conhecido para declarar a competência do juízo estadual de Olímpia/SP, o suscitante”.

(STJ, CC n. 19.777, rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 08/09/1998, p. 18).

 

“CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. CHEQUES PRÉ-DATADOS COM INSUFICIENTE PROVISÃO DE FUNDOS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. PREVENÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO QUE PRIMEIRO OFICIOU NO FEITO.

I. Tratando-se de transações efetuadas por meio de cheques pré-datados, resta descaracterizado o "pagamento à vista" e evidencia-se, em princípio, o delito do art. 171, caput, do CP, firmando-se a competência do juízo do local onde se deu a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio.

II. Caracterizada a competência concorrente de mais de um juízo, resolve-se a controvérsia pela regra da prevenção, sobressaindo a competência do juízo que primeiro praticou qualquer ato relativo ao feito.

(STJ, CC n. 28.293, rel. Ministro GILSON DIPP, DJ de 23/10/2000, p. 104).

 

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para atuar no expediente incumbe ao Douto Suscitante, ou seja, a Promotoria de Justiça de Guarulhos, local da consumação do ilícito.

Para que não haja qualquer menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria.

São Paulo, 04 de junho de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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