Protocolado nº 67.826/08 – Conflito de Atribuição

Inquérito policial nº 052.07.002974-3 – MM. Juízo da 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Santo Amaro

Indiciado: (...)

Suscitante: Promotoria de Justiça do Foro Regional de Santo Amaro

Suscitado: Promotoria de Justiça do 1º Tribunal do Júri da Capital

 

 

 

 

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar delito cometido por (...), o qual, aos 11 de agosto de 2007, por volta das 02 horas e 50 minutos, quando conduzia veículo automotor pela Av. Miguel Yunes, Cidade Dutra, nesta Capital, deu causa à morte da passageira (...) e provocou lesões corporais leves nas demais pessoas que se encontravam no interior do veículo.

 

Com o término do inquérito policial, foi o procedimento encaminhado à MM. 1ª Vara do Júri da Capital. O Douto Promotor de Justiça oficiante, então, declinou de sua atribuição, aduzindo vislumbrar homicídio culposo no ato do agente (fls. 137/139); por este motivo, requereu a remessa dos autos à Vara Criminal Comum, o que foi deferido (fls. 141).

 

A Douta Promotora de Justiça oficiante na 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Santo Amaro, de sua parte, suscitou conflito negativo de atribuição. Sustentou entender configurado crime doloso contra a vida (fls. 146/153).

 

É o relatório.

 

A questão central consiste em determinar se o agente, na condução do veículo, atuou com culpa consciente ou dolo eventual.

 

Conforme se apurou no curso das investigações, o indiciado saíra de uma festa onde consumira bebidas alcoólicas. Atendendo a pedido, deu carona a dez pessoas, colocando-as no interior de seu veículo (“Fiat – Palio”).

 

Ao efetuar uma curva na Av. Miguel Yunes, perdeu o controle do automóvel, que derrapou, acabando por subir no canteiro central e colidir num poste. No impacto, houve a morte da passageira (...) e lesões nos demais.

 

Não há dúvida de que o comportamento do agente produziu riscos proibidos à vida e integridade corporal de todos os que o acompanhavam. Do mesmo modo, é inquestionável sua imprudência e a previsibilidade dos resultados produzidos.

 

Apesar disto, não nos parece, com a devida vênia da i. Suscitante, que operou com dolo eventual.

 

Deveras, há dolo eventual quando: “o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (DAMÁSIO DE JESUS, Direito Penal. Vol. 1. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 288).

 

A culpa consciente, por outro lado, verifica-se sempre que: “o resultado é previsto pelo sujeito, que espera levia­namente que não ocorra ou que possa evitá-lo” (DAMÁSIO DE JESUS, op. cit., pág. 301). Ou, ainda, “quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, mas confia convictamente que ele não ocorra” (CÉZAR R. BITENCOURT, Tratado de Direito Penal, Vol. 2, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 63).

 

As figuras, embora próximas, não se confundem. “A culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, mas com ela não se confunde. Naquela, o agente, embora prevendo o resultado, não o aceita como possível. Neste, o agente prevê o resultado, não se importando que venha ele a ocorrer” (JÚLIO F. MIRABETE e RENATO N. FABBRINI, Manual de Direito Penal. Vol. 1. São Paulo, Altas, 2008. pág. 142).

 

No caso dos autos, admitir que o agente previu o resultado (morte ou lesões decorrentes do choque entre o veículo e o poste) e foi indiferente quanto a ele, é concluir que ele não se  importou com a própria vida ou integridade corporal. Afinal, cuidava-se de atingir a todos os que estavam no interior do automóvel.

 

Diante do exposto, assiste razão ao i. Suscitado, com a necessária vênia da d. Suscitante, motivo porque declarou competir a esta a atribuição para atuar nos autos. A fim de que não haja prejuízo à  sua independência funcional (CF, art. 127, §1º), designo outro promotor de justiça para atuar nos autos, oferecendo denúncia por crimes de homicídio e lesões culposos.

 

                                      São Paulo, 04 de junho de 2008.

 

                                      FERNANDO GRELLA VIEIRA

                                      PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA