Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 75.496/14

Autos n.º 3.042/12 – MM. Juízo da 6.ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Guarulhos

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de São Bernardo do Campo

Assunto: controvérsia acerca do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL. ESTELIONATO (CP, ART. 171, CAPUT) OU EXTORSÃO (CP, ART. 158, CAPUT). AGENTE QUE SE FAZ PASSAR, AO TELEFONE, PELA IRMÃ DA VÍTIMA, CONVENCENDO-A A DEPOSITAR QUANTIA EM DINHEIRO EM CONTA CORRENTE, PARA AJUDAR SOBRINHO A ARCAR COM DESPESAS DECORRENTES DE FALSO ACIDENTE DE TRÂNSITO. FRAUDE EMPREGADA COMO MEIO EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA DE GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA. DELITO CONSUMADO, PORTANTO, NO LOCAL DA OBTENÇÃO DA VANTAGEM INDEVIDA, OU SEJA, NO FORO CORRESPONDENTE À SEDE DA AGÊNCIA BANCÁRIA ONDE O VALOR FOI DEPOSITADO.

1.     Diversos são os elementos distintivos entre o estelionato e a extorsão, dos quais se deve destacar o meio executivo empregado pelo autor. No primeiro, o sujeito ativo logra convencer o ofendido a entregar-lhe a vantagem indevida, induzindo-o ou mantendo-o em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outra fraude. Na extorsão, constrange a vítima utilizando grave ameaça ou violência contra a pessoa, a fim de superar sua resistência e compeli-la a realizar uma conduta contra a sua vontade. Provoca, assim, no sujeito passivo, pressão física ou psíquica, atemorizando-o, a fim de incutir em sua mente a ideia de que, se não ceder à intimidação, um mal grave e injusto ocorrerá.

2.     Conforme ressaltou a eminente Ministra Laurita Vaz, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Conflito de Competência n. 129.275 (3.ª Seção), julgado em 03/02/2014: “No crime de extorsão, a entrega do bem ocorre mediante o emprego de violência ou de grave ameaça. A vítima não age iludida: faz ou deixa de fazer alguma coisa motivada pelo constrangimento a que é exposta. Ao revés, no estelionato o prejuízo resulta de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento capaz de induzir em erro a vítima”.

3.     No feito em testilha, não há dúvida de que houve uma farsa, uma encenação, pois terceira pessoa se fez passar pela irmã da ofendida, narrando a ela uma mentira. Não há em seu relato, assim, senão um falso pedido emergencial de ajuda, a ser efetivado em benefício de suposto parente. Essa conduta é reveladora de fraude e não pode ser encarada, com a máxima vênia, como consubstanciadora de grave ameaça.

4.     O caso retratado difere daqueles verificados com frequência cotidiana, nos quais se impõe ao ofendido a necessidade de realizar o depósito, sob pena de ser cometido, contra algum familiar ou pessoa próxima, ato de natureza criminosa (sequestro, lesão corporal, tortura, homicídio, entre outros). Veja-se, a título de exemplo, o julgado retro citado, em que “...o interlocutor teria, por meio de ligação telefônica, simulado o sequestro da irmã da vítima, exigindo o depósito de determinada quantia em dinheiro sob o pretexto de matá-la”.

5.     Há de prevalecer, desta feita, a capitulação efetuada pelo Douto Suscitante.

6.     A consumação se dá, nesta medida, no foro correspondente ao lugar em que se deu a obtenção da vantagem ilícita. Cuida-se, inclusive, de entendimento consagrado de nossos tribunais (vide, entre outros, STJ, CC n. 73.738, rel. Ministro OG FERNANDES, DJe de 21/10/2008).

Solução: conhece-se do presente conflito, dirimindo-o, a fim de declarar que a atribuição de oficiar no feito incumbe ao Ilustre Suscitado.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do delito de extorsão (CP, art. 158, caput) cometido, em tese, por (...).

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo, ponderando que a infração mencionada se consuma com o constrangimento ilegal da vítima, sendo a obtenção da vantagem econômica mero exaurimento do tipo penal, requereu o encaminhamento do feito à Comarca de Guarulhos (fls. 91/94).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordou de seu antecessor, vislumbrando perpetrado o delito de estelionato (CP, art. 171, caput), porquanto inexistiria na conduta do sujeito ativo a infusão de violência ou grave ameaça dirigida ao ofendido; entendendo, assim, realizado integralmente o crime na origem, onde auferido o benefício ilegal, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 117/124).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do caso a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado; senão, vejamos.

Consta do expediente, em breve resumo, que (...), residente em Guarulhos, no dia 17 de abril de 2010, recebeu um telefonema de sua “irmã (...)”, a qual lhe disse que o sobrinho (...) colidira o automóvel contra um carro dirigido por “um advogado”.

Este o estaria pressionando a depositar o montante de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), objetivando pagar o conserto do bem.

A operação haveria de ser efetuada na conta corrente de (...), junto ao BANCO BRADESCO, em agência situada no bairro de Rudge Ramos, Comarca de São Bernardo do Campo, caso contrário ele “não o libertaria”.

(...) lhe implorou ajuda e ela, em face da súplica, efetuou a transação, isso depois de supostamente falar ao telefone com o jovem, em número fornecido pela irmã, e haver solicitado à sua cunhada (...) a quantia de R$ 300,00 (trezentos reais) para inteirar o valor, porquanto ela não o possuía em sua totalidade.

A ofendida, entretanto, conseguiu conversar com (...) posteriormente, constatando que sofrera um golpe (fls. 24, 25 e 109/110).

(...), ouvido, afirmou desconhecer os fatos, asseverando que mantinha conta corrente no BANCO BRADESCO para receber seu salário, mas deixou de movimentá-la porque mudou de empregadora (fls. 53 e 81/82).

A instituição bancária, destarte, forneceu cópia de extrato mensal onde figuram as transações (fl. 59).

Pois bem.

O elemento distintivo entre o estelionato e a extorsão reside fundamentalmente no meio executivo empregado.

No primeiro, o sujeito ativo logra convencer o ofendido a entregar-lhe a vantagem indevida mediante o emprego de artifício, ardil ou qualquer outra fraude.

Na extorsão, utiliza grave ameaça ou violência contra a pessoa, a fim de superar sua resistência e compeli-la a realizar uma conduta contra a sua vontade. Significa dizer que o agente provoca, no sujeito passivo, pressão física ou psíquica, atemorizando-o, a fim de incutir em sua mente a ideia de que, se não ceder à intimidação, um mal grave e injusto ocorrerá.

Conforme ressaltou a eminente Ministra Laurita Vaz, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Conflito de Competência n. 129.275, julgado em 03/02/2014:

 

“No crime de extorsão, a entrega do bem ocorre mediante o emprego de violência ou de grave ameaça. A vítima não age iludida: faz ou deixa de fazer alguma coisa motivada pelo constrangimento a que é exposta. Ao revés, no estelionato o prejuízo resulta de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento capaz de induzir em erro a vítima”.

 

No feito em testilha, não há dúvida de que houve uma farsa, uma encenação, pois terceira pessoa se fez passar pela irmã de (...), narrando a ela uma mentira.

Não há no relato da vítima, portanto, senão um falso pedido emergencial de ajuda efetuado por quem se autodenominou (...) ao telefone.

Essa conduta é reveladora de fraude e não pode ser encarada, com a máxima vênia, como consubstanciadora de grave ameaça.

O caso retratado difere daqueles verificados (infelizmente) com frequência cotidiana, em que se impõe ao ofendido a necessidade de realizar o depósito, sob pena de ser cometido, contra algum familiar ou pessoa próxima, ato de natureza criminosa (sequestro, lesão corporal, tortura, homicídio, entre outros).

Veja-se, a título de exemplo, o julgado retro citado, em que “...o interlocutor teria, por meio de ligação telefônica, simulado o sequestro da irmã da vítima, exigindo o depósito de determinada quantia em dinheiro sob o pretexto de matá-la”.

Há de prevalecer, desta feita, a capitulação efetuada pelo Douto Suscitante.

A consumação se dá, nesta medida, no foro correspondente ao lugar em que se deu a obtenção da vantagem ilícita.

Cuida-se, inclusive, de entendimento consagrado de nossos tribunais:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. INQUÉRITO. ESTELIONATO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DA OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA.

1. Inquérito em que se apura, em tese, crime previsto no artigo 171, caput, do Código Penal a merecer processamento no local da obtenção da vantagem ilícita.

2. Conflito conhecido para declarar competente o suscitado, Juízo de Direito da Comarca de Camacan/BA”.

(STJ, CC n. 73.738, rel. Ministro OG FERNANDES, DJe de 21/10/2008).

 

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição para atuar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designa-se outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 26 de maio de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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