Conflito
Negativo de Atribuição
Protocolado n. 76.529/12
Autos n. 1.147/12 - MM. Juízo do Núcleo de Combate
à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca da Capital
Suscitante: Núcleo de Combate à Violência
Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital
Suscitada: 3.ª Promotoria de Justiça Criminal da
Capital
Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de
violência doméstica ou familiar contra a mulher
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME CONTRA O IDOSO (LEI N. 10.741/03). VÍTIMAS DOS SEXOS FEMININO E MASCULINO. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06)
1. O tema central da controvérsia entre os promotores de justiça diz respeito a saber se a conduta do suspeito, o qual, no interior do lar, quebrou um objeto, cujo estilhaço atingiu sua genitora e, em seguida, ameaçou seu pai, ambos idosos, se subsume ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher, conforme dispõe a Lei n. 11.340/06 e, via de consequência, se a atribuição para atuar na causa deve ficar sob a responsabilidade do órgão do Parquet oficiante na esfera do Juízo Criminal Comum ou no âmbito do Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital.
2. No que se refere à lesão
produzida na primeira, inexistindo animus
laedendi, fica excluída a caracterização de atitude subsumível à Lei Maria
da Penha. Com relação ao segundo, descabe falar em aplicação da Lei n.
11.340/06, já que se trata de vítima do sexo masculino.
3. Na hipótese concreta, portanto, não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero. Deve-se acentuar que o Diploma acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.
4. Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção à mulher atingida no contexto doméstico ou familiar. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir em diversos julgados (CC n. 88.027, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; CC 96.533, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 05/02/2009).
Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe à Promotora de Justiça em exercício no âmbito do Juízo Comum.
Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a prática dos delitos de lesão corporal culposa e ameaça cometidos, em tese, por (...) em face de seus genitores (...) e (...), ambos idosos.
A Ilustre Promotora de Justiça Criminal, ao receber o procedimento, requereu seu encaminhamento ao Juizado Especial de Violência Doméstica (fls. 25).
A Douta Representante Ministerial nele oficiante, por sua vez, discordando do posicionamento de sua antecessora, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 34/38).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.
Pois bem.
A conduta do averiguado, em nosso sentir, não se enquadra no conceito de violência doméstica e familiar previsto na Lei n. 11.340/06. Isto porque não há qualquer dado fático que possa indicar comportamento criminoso no qual houve violência de gênero.
Cuida-se de fato praticado por filho que, descontente com a perda do emprego, portou-se agressivamente no interior de seu lar e quebrou objeto, cujo estilhaço atingiu sua genitora e, em seguida, ameaçou seu pai.
No que se refere à lesão produzida em (...), inexistindo animus laedendi, fica excluída a caracterização de atitude subsumível à Lei Maria da Penha. Com relação a (...), descabe falar em aplicação da Lei n. 11.340/06, já que se trata de vítima do sexo masculino.
Deve-se acentuar, nesta ordem de ideias, que o Texto Normativo acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.
Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção ao sujeito passivo. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir nos seguintes julgados:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.
1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura
hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa
perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade
física e econômica.
2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.
2. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06.
3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares/MG, o suscitado”. (CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; grifo nosso)
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.
1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade.
2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.
2. No caso, não fica evidenciado que as agressões sofridas tenham como motivação a opressão à mulher, que é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha. Sendo o motivo que deu origem às agressões mútuas o ciúmes da namorada, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06.
3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG”. (CC 96.533/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 05/02/2009)
Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando competir à Douta Suscitada a atribuição para intervir nos autos.
Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito.
Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático.
Publique-se a ementa. Cumpra-se.
São Paulo, 28 de maio de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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