Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 78.022/12

Autos n.º 432/10 - MM. Juízo da Vara do Júri da Comarca de Santo André

Suscitante: Promotoria de Justiça do Júri de Santo André

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Santo André

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. INEXISTÊNCIA. DISPARO DE ARMA DE FOGO (ART. 15 DA LEI N. 10.826/03) E LESÃO CORPORAL DOLOSA LEVE (ART. 129, CAPUT, DO CP). SUJEITOS ATIVO E PASSIVO QUE DISCUTIRAM EM CÔMODO DE POUCOS METROS QUADRADOS (HALL DE ELEVADOR DE EDIFÍCIO DE APARTAMENTOS RESIDENCIAIS). UM ÚNICO DISPARO DEFLAGRADO, SEGUIDO DE CORONHADA NA CABEÇA DO OFENDIDO. AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1.    Conclui-se, pelos elementos de informação amealhados, que o agente limitou-se a desferir um único tiro, o qual não atingiu o sujeito passivo, muito embora se encontrassem enclausurados em ambiente com poucos metros quadrados (cf. laudo de fls. 09/13).

2.    Não se pode supor que, simplesmente por portar uma arma de fogo e deflagrar um disparo, tentou o autor matar outrem ou assumiu o risco de produzir algum resultado letal.

3.    Observe-se que, em seguida ao tiro, vibrou um golpe com a coronha do instrumento bélico na orelha do ofendido, o que demonstra, de maneira cristalina, a ausência de animus occidendi em seu proceder.

4.    Em face deste contexto, concluir que o indiciado intentara matar ou assumira o risco de causar a morte de outrem, significaria imputar-lhe elemento subjetivo de crime doloso contra a vida por mera presunção.

Conclusão: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar nos autos compete ao Ilustre Suscitado.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da conduta de (...), perpetrada no dia 20 de janeiro de 2010, por volta de 23 horas e 30 minutos.

O Douto Promotor de Justiça Criminal, ao receber o procedimento com representação visando à dilação de prazo, concluiu, após a análise dos elementos de informação até então amealhados, ter ocorrido homicídio tentado, pugnando, assim, pelo encaminhamento do caso ao Tribunal do Júri da Comarca (fls. 44/45).

As investigações prosseguiram e, ao final, a Ilustre Representante Ministerial discordou do posicionamento de seu antecessor, por entender configurado o animus necandi, suscitando conflito negativo de atribuição (fls. 96).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a remessa do feito a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Da narrativa constante do expediente infere-se que, no dia acima mencionado, o agente e o ofendido discutiram através da rede mundial de computadores (internet) por conta de divergências acerca de serviços de pintura que estavam sendo realizados no condomínio no qual ambos residem.

O desentendimento continuou através do interfone, e (...) pediu a (...) que descesse até o andar térreo para conversarem sobre o assunto.  O segundo, entretanto, parou no primeiro andar, onde mora a vítima. Esta, temendo por sua esposa e filho, se dirigiu ao hall, onde o indiciado a teria ameaçado e ofendido; após, desferiu um tiro, não o atingindo; em seguida, golpeou-lhe na orelha com a coronha da arma de fogo que portava, lesionando-a.

Nesse momento, seu vizinho (...) abriu a porta de seu apartamento; percebendo a desavença, acionou a Polícia Militar.

 (...), durante o trâmite do procedimento, ofereceu duas petições insistindo em que fosse imputado ao investigado crime doloso contra a vida, colacionando motivos para tanto (fls. 14/16 e 23/25). Suas declarações se encontram a fls. 32/33.

(...), por sua vez, aduziu ter ouvido uma discussão seguida da deflagração de um tiro, visualizando seus vizinhos e uma perfuração na parede da porta de (...), apresentando este um ferimento na orelha. Não percebeu se (...) portava qualquer instrumento bélico, mas sentiu odor de pólvora no ar (fls. 40/41).

O increpado prestou seu depoimento a fls. 56/59, alegando, em síntese, que trabalhou com a vítima, nele percebendo um temperamento “explosivo”, residindo ambos no mesmo condomínio. Também no prédio sempre demonstraria irritação, ocasionando constantes desentendimentos.

Na ocasião dos fatos, preocupando-se pelo bem estar de sua família caso (...) subisse até seu apartamento, concordou em conversar com ele no hall, sendo, entretanto, surpreendido com chutes, socos e empurrões, motivo pelo qual pegou a arma que levava em sua cintura, desferindo-lhe uma coronhada, momento em que houve o disparo.

Esclareceu que carregava o instrumento bélico para se defender, não tendo intenção de atirar para ferir o ofendido, pois, se assim fosse, não erraria, diante do pequeno espaço físico em que se encontravam.

Há nos autos, ademais, duas mídias contendo diálogos travados entre os envolvidos (fls. 79), nada tendo relação com o episódio (fls. 80 e 90/94), além de laudos no local da ocorrência (fls. 09/13), de lesão corporal (tal análise concluiu pela produção, na vítima, de lesões de natureza leve, fls. 22), no instrumento bélico, no projétil deflagrado, no estojo vazio e cartuchos (fls. 64/66, 68/71, 73 e 84/88).

Pois bem.

Conclui-se, pelos elementos de informação amealhados, que o agente limitou-se a desferir um único tiro, o qual não atingiu o sujeito passivo, muito embora se encontrassem enclausurados em ambiente com poucos metros quadrados (cf. laudo de fls. 09/13).

Não se pode supor que, simplesmente por portar uma arma de fogo e deflagrar um disparo, tentou o autor matar outrem ou assumiu o risco de produzir algum resultado letal.

Observe-se que, em seguida ao tiro, vibrou um golpe com a coronha do instrumento bélico na orelha do ofendido, o que demonstra, de maneira cristalina, a ausência de animus occidendi em seu proceder.

Em face deste contexto, concluir que o indiciado intentara matar ou assumira o risco de causar a morte de outrem, significaria imputar-lhe elemento subjetivo de crime doloso contra a vida por mera presunção.

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar nos autos compete ao Ilustre Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, tendo em vista sua opinio delicti exarada a fls. 44/45, designa-se outro Representante Ministerial para atuar na causa, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 29 de maio de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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