Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 7.962/15

Autos n.º 0020202-20.2014.8.26.0224 - MM. Juizado Especial Criminal da Comarca de Guarulhos

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial de Guarulhos

Suscitado: Promotoria de Justiça Criminal de Guarulhos

Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL DA CONDUTA, COM REFLEXO NA ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL. ATO DE INDUZIR A ERRO O CONSUMIDOR A RESPEITO DA GARANTIA DE PRODUTO. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA (LEI N. 8.137/90, ART. 7º, INC. VII) EM VEZ DE DELITO CONTRA O CONSUMIDOR (LEI N. 8.078/90, ART. 66). CONFRONTO ENTRE OS TIPOS PENAIS QUE REVELA, IN CASU, A PREVALÊNCIA DO PRIMEIRO, SEJA PELO CRITÉRIO DA TEMPORARIEDADE, SEJA EM FACE DE SUA ESPECIALIDADE. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1.     O conflito de atribuição se dá, nos dizeres de HUGO NIGRO MAZZILLI, quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

2.     Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

3.     No caso em apreço, encontra-se devidamente configurado o incidente acima nominado.

4.     Com relação à controvérsia havida, esta reside em determinar se a conduta perpetrada se subsume ao crime previsto no art. 66 do Código de Defesa do Consumidor, cuja competência pertence aos Juizados Especiais, ou se constitui delito atentatório às relações de consumo, descrito na Lei n. 8.137/90.

5.     O primeiro se cuida do ato de “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”. O outro, mais severamente punido, consubstancia-se em “induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária” .

6.     A confrontação dos dispositivos legais revela que coincidem, em parte, em seu campo de abrangência. O princípio do non bis in idem, entretanto, obsta a dupla incidência das normas incriminadoras para regular fato único. Há, destarte, conflito aparente de normas penais.

7.     Dois critérios podem ser utilizados para dirimi-lo, pois a infração prevista na Lei n. 8.137/90, além de posterior, se revela especial em comparação com a do Código Consumerista. Significa, em outras palavras, que, se o comportamento sub examen diz respeito a induzir a erro o consumidor acerca da garantia do produto ou serviço, prevalece a lex specialis.

8.     O art. 7.º da Lei n. 8.137/90 é apenado com detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Não há falar-se, portanto, em infração de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, a tranquila jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “(...) 1. O advento da Lei n.º 11.313/2006 veio consolidar entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que se considera crime de menor potencial ofensivo aquele cuja pena máxima não exceda o limite de 2 (dois) anos. 2. No caso, a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de detenção. E, apesar da previsão de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para definir se a infração reveste-se de menor gravidade e, portanto, se ao Indiciado podem ser oferecidos os benefícios da Lei n.º 9.099/95, é exatamente o quantum máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada. (...)” (STJ, R.Esp. n. 968.766/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 10/09/2009, DJe de 28/09/2009; grifo nosso).

Solução: conhece-se deste incidente visando dirimi-lo, declarando competente para atuar no feito o Membro do Ministério Público oficiante junto ao MM. Juízo Comum.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática de crime contra as relações de consumo (Lei n.º 8.137/90, art. 7.º, IX) cometido, em tese, pelos representantes legais da pessoa jurídica denominada “...”.

Segundo a narrativa de (...), ela adquiriu da empresa uma geladeira, entregue aproximadamente quatro ou cinco dias depois sem funcionar.

Ela retornou à loja, reclamando da ocorrência, sendo acionada a assistência técnica, a qual lhe informou que haveria a necessidade de substituição de uma peça, tratando-se de defeito de fabricação.

A ofendida voltou ao estabelecimento, obtendo do gerente a alegação de que o prazo para troca do objeto, de três dias, já expirara, e somente poderia ser realizada a reparação da peça danificada (fls. 04 e 13).

(...), subgerente da loja, confirmou o procedimento da companhia, aduzindo que “...o prazo de 3 (três) dias estipulados para a troca é estipulado pelo departamento jurídico das Casas Bahia, o que realmente fere o Código de Defesa do Consumidor... (sic)” (fls. 07/08).

Encerradas as providências inquisitivas, a Douta Promotora de Justiça, vislumbrando perpetrado o delito previsto no art. 66 da Lei n.º 8.078/90, requereu o encaminhamento do expediente ao Juizado Especial (fl. 17).

O Ilustre Representante Ministerial destinatário, contudo, ponderou que a Lei n.º 8.137/90, editada posteriormente ao Código de Defesa do Consumidor, prevaleceria quanto à cronologia e à especialidade sobre este.

Alegou, destarte, que poderia ser apreciada a caracterização de mero inadimplemento civil e, pautando-se na pena máxima cominada à infração que entendeu caracterizada, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 24/27).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Ilustre Suscitante, com a devida vênia da Douta Suscitada; senão, vejamos.

O ponto central da controvérsia reside em determinar se a conduta perpetrada se subsume ao crime previsto no Código de Defesa do Consumidor, de competência dos Juizados Especiais, ou se constitui delito atentatório às relações de consumo, descrito na Lei n.º 8.137/90.

Conforme já expôs a Procuradoria-Geral de Justiça em decisões anteriores, o primeiro se cuida do ato de “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”.

O outro, mais severamente punido, consubstancia-se em “induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária” (inc. VII) e “vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial” (inc. IX).

A confrontação dos dispositivos legais revela que, em parte, coincidem em seu campo de abrangência. O princípio do non bis in idem, entretanto, obsta a dupla incidência das normas incriminadoras para regular fato único.

Há, destarte, conflito aparente de normas penais.

Dois critérios podem ser utilizados para dirimi-lo, pois a infração prevista na Lei n.º 8.137/90, além de posterior, revela-se especial em comparação com a do Código Consumerista.

Significa, em outras palavras, que, se o comportamento sub examen diz respeito a induzir a erro o consumidor acerca da garantia do produto ou serviço, prevalece a lex specialis.

O art. 7.º da Lei n.º 8.137/90 é apenado com detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Não há falar-se, portanto, em infração de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, a tranquila jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“RECURSO ESPECIAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS. PENA ALTERNATIVA DE MULTA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO PRETÓRIO EXCELSO. RECURSO PROVIDO.

1. O advento da Lei n.º 11.313/2006 veio consolidar entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que se considera crime de menor potencial ofensivo aquele cuja pena máxima não exceda o limite de 2 (dois) anos.

                                                          

2. No caso, a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de detenção. E, apesar da previsão de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para definir se a infração reveste-se de menor gravidade e, portanto, se ao Indiciado podem ser oferecidos os benefícios da Lei n.º 9.099/95, é exatamente o quantum máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada.

3. Recurso provido”.

(STJ, R.Esp. n. 968.766/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 10/09/2009, DJe de 28/09/2009; grifo nosso).

 

Diante disso, conhece-se deste incidente visando dirimi-lo, declarando competir ao Membro do Ministério Público oficiante junto ao MM. Juízo Comum a responsabilidade de atuar no feito, analisando, inclusive, se configura infração penal ou ilícito meramente civil.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para intervir nos autos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 20 de janeiro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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