Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 80.107/12

Autos n.º 1.993/11 - MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal da Comarca de Santos

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal de Santos

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Santos

Assunto: divergência quanto ao correto enquadramento dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DESOBEDIÊNCIA (CP, ART. 330) OU CRIME TIPIFICADO NO ART. 10 DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESATENDIMENTO A REQUISIÇÃO EFETUADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM QUE BUSCAVA OBTER DADOS TÉCNICOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO DO DELITO ESPECIAL. ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA OFICIANTE JUNTO À VARA CRIMINAL.

1.      O comportamento praticado se subsume, em tese, a ambos os tipos penais. Cuida-se, porém, de conflito aparente de normas (ou antinomia aparente), solucionável mediante critérios de subsunção. A relação entre as infrações citadas é de gênero e espécie, pois uma contém todas as elementares da outra, acrescida de algumas que atuam como especializantes. Deve prevalecer, nesse caso, o tipo especial (lex specialis derogat generalis).

2.      O ato se subsume, portanto, ao art. 10 da Lei n. 7.437/85, segundo o qual “constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público”. Esse tem sido o entendimento dos Tribunais em casos análogos. Confira-se, a respeito, decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, proferida no HC n. 104.159/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 5.ª TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe de 01/02/2012

Solução: conhece-se do presente conflito, a fim de dirimi-lo e declarar que a atribuição para oficiar no feito incumbe ao Douto Suscitado.

Cuida-se de procedimento investigatório instaurado visando à apuração da conduta de (...), quando desatendeu requisição efetuada pelo Ministério Público, a qual buscava obter dados técnicos indispensáveis à propositura de ação civil pública.

O Douto Representante do Parquet a quem o feito foi distribuído requereu sua remessa ao Juizado Especial Criminal, considerando ter sido perpetrado delito de desobediência (CP, art. 330) (fls. 38).

A Ilustre Promotora de Justiça que o recebeu, de sua parte, tipificou o ato como infração capitulada no art. 10 da Lei n. 7.437/85, delito punido com pena máxima de três anos, motivo por que suscitou este incidente (fls. 73/74).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o presente encaminhamento assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Consta que (...) não forneceu maiores detalhes completando o relato informativo anteriormente apresentado nos autos de procedimento instaurado para averiguar eventual irregularidade na SESP-IDOSO/CREAS de Santos (fls. 06/08), em atendimento à determinação emanada pelo Digno Órgão do Ministério Público (fls. 09), ainda que instado reiteradamente a tanto (fls. 12, 15, 18 e 35).

O comportamento praticado se subsume, em tese, a ambos os tipos penais. Cuida-se, porém, de conflito aparente de normas (ou antinomia aparente), solucionável mediante critérios de subsunção. A relação entre as infrações citadas é de gênero e espécie, pois uma contém todas as elementares da outra, acrescida de algumas que atuam como especializantes. Deve prevalecer, nesse caso, o tipo especial (lex specialis derogat generalis).

Sua conduta, portanto, se enquadra no delito apontado pela Douta Suscitante, assim redigido:

 

“Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público”.

 

Esse tem sido o entendimento dos Tribunais em casos análogos. Confira-se:

 

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ART. 10 DA LEI Nº 7.347/1985. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DO ENCERRAMENTO ANTECIPADO 2. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SOB ALEGAÇÃO DE QUE NÃO CONTRARIOU A NORMA E DE INOCÊNCIA SOB ALEGAÇÃO DE QUE FORAM ATENDIDOS OS REQUERIMENTOS FEITOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. NÃO CONHECIMENTO. EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. 3. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.

1. O trancamento da ação penal, por ser medida de exceção, somente cabe nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano, suficientes ao prematuro encerramento da persecução penal, hipóteses que não se verificam no presente caso.

2. Denúncia que atende os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e aponta de forma clara as condutas perpetradas pelo acusado e que, em tese, tipificam o crime previsto no art. 10 da Lei nº 7.437/1996, pois o paciente, na qualidade de Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, não atendeu as requisições realizadas em dez ofícios, recusando-se a fornecer e omitindo dados técnicos indispensáveis à propositura de ação civil pública.

3. Tal descrição indica de forma precisa as condutas típicas praticadas pelo acusado, de forma a permitir a perfeita compreensão do crime e ele imputado e a possibilitar o pleno exercício do direito de defesa, não restando configurada nenhuma das hipóteses que autorizam o excepcional trancamento antecipado da ação penal. Precedentes de ambas as Turmas do Superior Tribunal de Justiça.

4. Não há como conhecer do pedido de absolvição ao argumento de que o impetrante "não contrariou a citada norma invocada, naquilo que pode ser considerado o seu conteúdo essencial" ou de que "tomou as providências positivas requisitadas pelo Ministério Público, e, como as medidas pertinentes foram adotadas, é incontroversa sua inocência, pois não cometeu o delito que lhe é imputado", pois é pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a estreita via do writ não comporta tal pedido, pois a acolhida desse pleito implica no amplo e aprofundado exame do conjunto fático-probatório, procedimento que sabidamente é vedado em sede de habeas corpus, remédio heróico caracterizado pelo rito célere e cognição sumária.

5. Habeas corpus conhecido em parte e denegado.”

(HC 104.159/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 5.ª TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe de 01/02/2012)

 

O teto punitivo, portanto, extravasa o estreito limite de competência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais.

Em casos semelhantes, a competência deve ficar a cargo do Juízo Comum. Verifica-se, a respeito do tema, os venerandos acórdãos das Colendas 5.ª e 6.ª Turmas do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. PENA MÁXIMA EM ABSTRATO, MAJORADA PELA CONTINUIDADE DELITIVA, ACIMA DE DOIS ANOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM.

1.                 A Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, traz em seu art. 2º, parágrafo único, que devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei nº 9.099/95, aqueles a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa, sem exceção. Entretanto, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, se em virtude da exasperação a pena máxima for superior a 2 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial Criminal.

2.                 No caso, o delito previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, tem como pena máxima dois anos de detenção, devendo ser considerada, ainda, a majoração pela continuidade delitiva, conforme o art. 71 do CP. Assim, de acordo com o entendimento desta Corte Superior, compete ao Juízo Comum processar e julgar os crimes apurados nestes autos, pois somadas as penas, estas ultrapassam o limite estabelecido como parâmetro para fins de fixação da competência para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo cometidas em concurso de crimes.

3.      Recurso a que se nega provimento”.

(STJ, RHC n. 27.068/SP, 6ª Turma, rel. Min. Og Fernandes, DJe de 27/09/2010, j. em 31.08.2010).

 HABEAS CORPUS PREVENTINO. INJÚRIA, CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. CONCURSO DE CRIMES. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELA SOMA DAS PENAS MÁXIMAS COMINADAS AOS DELITOS. JURISPRUDÊNCIA DESTE STJ. PENAS SUPERIORES A 2 ANOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA CAUSA.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos; destarte, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial.

2. No caso dos autos imputa-se ao paciente a prática de crimes de calúnia, injúria e difamação cuja soma das penas ultrapassa o limite apto a determinar a competência do Juizado Especial Criminal.

3. Parecer do MPF pela concessão da ordem.

4. Ordem concedida.”

(STJ, HC n. 143.500/PE, 5ª Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 27/06/2011, j. em 31/05/2011).

 

Diante disso, conhece-se do presente conflito, a fim de dirimi-lo, declarando competente para intervir no feito o Membro do Ministério Público oficiante junto ao MM. Juízo Comum.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, tendo em vista sua opinio delicti exarada a fls. 73/74, designa-se outro Representante Ministerial para atuar na causa.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 1.º de junho de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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