Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 82.291/10

Autos n.º 4.429/10 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal Central da Comarca da Capital

Vítima: (...)

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal da Capital

Suscitada: 1.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. INCÊNDIO CULPOSO (CP, ART. 250, §2.º). DELITO QUE CONSTITUI INFRAÇÃO PENAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO, SALVO QUANDO PRESENTE ALGUMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS DE AUMENTO DE PENA (CP, ART. 258). FATO DO QUAL RESULTOU LESÃO CORPORAL. EXASPERANTE CONFIGURADA. INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO SUSCITADO.

1.     O crime de incêndio culposo (CP, art. 250, §2º) constitui infração de pequeno potencial ofensivo (CF, art. 98, I e Lei n. 9.099/95, art. 61), já que sua pena máxima é de dois anos de detenção.

2.     Na hipótese de se verificarem quaisquer das circunstâncias previstas no art. 258 do CP, o teto punitivo extravasa o patamar previsto na Lei dos Juizados Especiais, tornando este órgão materialmente incompetente. No caso concreto, a ofendida sofreu lesões corporais de natureza gravíssima. Por esse motivo, o dever funcional de examinar a causa incumbe ao Douto Suscitado.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição para oficiar no procedimento cumpre à 1.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital.

 

Trata-se de inquérito policial instaurado para apurar a prática do crime tipificado no art. 250, §2.º, do CP (incêndio culposo), que teria sido cometido, em tese, por (...) e (...), no dia 05 de dezembro de 2008, quando estes efetuavam a impermeabilização de um sofá no interior do imóvel situado na Av. Baronesa de Itu, n. 477, apartamento n. 51, nesta Capital.

O Douto Promotor de Justiça Criminal, entendendo que o delito em tela constitui infração de menor potencial ofensivo, requereu a remessa dos autos ao JECRIM (fls. 175).

O Ilustre Representante Ministerial que os recebeu, entretanto, suscitou conflito negativo de atribuição, com o argumento de que a pena máxima supera o patamar de dois anos, em face da incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 258 do CP, o que importa na exasperação do teto punitivo em metade, fazendo com que a competência não seja do Juizado Especial (fls. 180).

É o relatório.

Com a devida vênia do Douto Suscitado, parece-nos que assiste razão ao Douto Suscitante.

Isto porque não se cuida de incêndio culposo simples, mas agravado pela lesão corporal.

Deve-se destacar, consoante já decidiu anteriormente esta PGJ, em casos como o do presente:

A doutrina, de forma unânime, e também a jurisprudência, firmaram entendimento no sentido de que as causas de aumento de pena devem ser consideradas em conjunto com a pena prevista em abstrato para se verificar a possibilidade de aplicação dos institutos da Lei n. 9.099/95. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça aprovaram súmulas vedando a suspensão condicional do processo em casos de concurso de crimes em que a pena mínima, em abstrato, exceda um ano (súmulas n. 723 do STF e 243 do STJ). O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo. (...)

FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, tratando também do tema, assim se pronunciou:

E se houver uma causa de aumento ou diminuição de pena, como proceder? (...) Pode parecer que o máximo cominado seja o limite maior da pena abstratamente  previsto no dispositivo legal. Em princípio é, mas, se em face de uma circunstância agregada ao delito-base, a pena, no seu grau máximo superar um ano (dois anos após o advento da lei n. 10.259/2001), afasta-se a competência do Juizado, mesmo porque o delito já não é o mesmo. (...) Esse aumento ou diminuição obrigatório é que fornece o justo limite da pena máxima cominada, correspondente àquilo que Carrara denominava “quantidade política do delito’ (Programma del corso di diritto criminale, v. 1, §§ 128 a 172). Se a causa de especial aumento de pena possibilitar a ultrapassagem do limite quantitativo da pena (...), a hipótese não pode ser levada ao Juizado, mesmo porque outro é o delito” (Comentários À Lei dos Juizados Especiais Criminais, Ed. Saraiva, ano 2000, p. 27)” (Protocolado MP n. 95.070/06 – PGJ/SP – Conflito de Atribuições).

No presente feito, a causa de aumento da pena encontra-se prevista no art. 258 do CP, já que do incêndio resultou lesão gravíssima na ofendida.

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao ilustre Suscitado, a quem cumprirá requerer o que de direito, segundo sua independência funcional.

Afigura-se-nos desnecessária, por derradeiro, a designação de outro promotor de justiça para atuar no feito, já que a solução deste protocolado não malferirá a opinio delicti do Representante do Ministério Público oficiante.

Não se pode olvidar, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, que, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça: a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155; parêntese nosso). Publique-se a ementa.

 

              São Paulo, 29 de junho de 2010.

 

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

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