Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 82.860/10

Autos n.º 050.09.068139-8 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Autores do fato: (...), (...), (...) e (...)

Suscitante: 3.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Suscitada: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal da Capital

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSIFICAÇÃO DE ATESTADO MÉDICO. ENQUADRAMENTO TÍPICO QUANDO O DOCUMENTO NÃO FOI ELABORADO POR MENCIONADO PROFISSIONAL DE SAÚDE. INTELIGÊNCIA DO ART. 301, §1.º, DO CÓDIGO PENAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ATRIBUIÇÃO AFETA À PROMOTORIA DE JUSTIÇA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS.

1.      Cuida-se de conflito negativo de atribuição, em que os Doutos Promotores de Justiça divergem a respeito do juízo competente para apuração de falsificação de atestado médico, por quem não ostenta mencionada condição.

2.      Não há falar-se em falsificação de documento particular (CP, art. 298), porquanto há norma especial em que a conduta do agente encontra perfeita subsunção: art. 301, §1.º, do Código Penal. Consoante já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “A falsidade material de atestado ou certidão, na moldura típica do §1º do artigo 301 do Código Penal, é crime comum quanto ao sujeito ativo,  podendo ser praticado por qualquer pessoa” (STJ, R.Esp. 281.812, rel. Min. VICENTE LEAL, DJU de 02.09.2002, pág. 251).

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos compete à Ilustre Suscitada.

 

Cuida-se de procedimento instaurado a partir de termo circunstanciado, no qual se relata que policiais civis surpreenderam (...) entregando atestados médicos falsificados a (...), (...) e (...).

Os autores do fato foram encaminhados ao 1º Distrito Policial, tendo o primeiro admitido que comercializa os documentos falsificados acima citados, confeccionando três deles a pedido dos demais suspeitos, no dia em questão.

Ao término das investigações, a ilustre Representante Ministerial requereu o arquivamento do feito com relação aos adquirentes dos atestados e a remessa do expediente ao Juízo Comum, no tocante a (...), por entender que seu comportamento se subsume ao delito previsto no art. 298 do CP (fls. 64).

Ambos os requerimentos foram deferidos (fls. 64/65).

O Douto Promotor de Justiça Criminal, todavia, considerou que a conduta do agente se subsume ao art. 301, §§ 1.º e 2.º, do Código Penal, e, por conta disso, suscitou o presente conflito negativo de atribuição (fls. 91/92).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Douto Suscitado, assiste razão ao Ilustre Suscitante.

Nota-se pela narrativa constante do procedimento que o autor do fato falsificou atestados médicos, atividade por ele confessada, inclusive no que tange ao intuito de lucro.

A confecção dos documentos, destarte, foi praticada por quem não ostenta a condição de médico, consubstanciando a conduta a infração capitulada no art. 301, § 1.º, do CP, que consiste na falsificação de outras espécies de atestado (dentre os quais se inclui aquele fabricado pelo investigado) com o intuito de obter vantagem patrimonial (o que faz incidir a circunstância do §2.º do citado dispositivo legal).

Deve-se ponderar, ademais, que o crime acima mencionado pode ter qualquer pessoa como sujeito ativo, ou seja, cuida-se de delito comum, em que pese respeitáveis opiniões em sentido contrário.

GUILHERME SOUZA NUCCI é categórico nesse sentido, como se nota em seu Código Penal Comentado, 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pág. 1.038.

No mesmo sentido o escólio de JOSÉ SILVA JÚNIOR e GUILHERME MADEIRA DEZEM:

 

“A matéria contida no §1º que ora se examina, deveria constituir artigo autônomo, assim como a que trata o §2º, o que recomendam MAGALHÃES DRUMMOND e NORONHA. O sujeito ativo pode ser, aqui, qualquer pessoa...” (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. pág. 1.408).

 

É copiosa a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido:

 

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. FALSIDADE MATERIAL DE ATESTADO OU CERTIDÃO – ART. 301, §1º DO CP. CRIME COMUM.

- A falsidade material de atestado ou certidão, na moldura típica do §1º do artigo 301 do Código Penal, é crime comum quanto ao sujeito ativo,  podendo ser praticado por qualquer pessoa.

- Recurso especial conhecido e provido”.

(STJ, REsp. 281.812, rel. Min. VICENTE LEAL, DJU de 02.09.2002, p. 251; grifo nosso).

 

 

Qualquer pessoa pode ser responsabilizada pela feitura de documento ou atestado que contenha falsidade material, e não apenas o exercente da função pública; que o teria expedido ou deveria expedir, porquanto, intencionalmente não incluído pelo legislador o requisito, em razão da função pública, no § 1.º do art. 301 do CP, faz com que se tenha, na espécie, crime classificado como comum, quanto ao agente e não crime próprio. Assim, se o agente, ao utilizar o documento público falsificado visa obter vantagem no serviço público, tem-se que sua ação se amolda no art. 304 com remissão ao art. 301, § 1.º, do CP e não ao art. 297 do mesmo Estatuto” (STJ – 6.ª T. – REsp. 210.379 – Rel. Fernando Gonçalves – j. 12.09.2000 – RT 786/601 e RSTJ 140/599; grifo nosso).

O sujeito ativo do crime de falsificação material de atestado ou certidão previsto no art. 301, § 1.º, do CP pode ser qualquer pessoa, não exigindo o tipo penal a qualidade de funcionário público” (STJ – 5.ª T. – REsp. 96.853 – Rel. Edson Vidigal – j. 06.05.1997RT 745/534; grifo nosso).

O crime de falsidade material de atestado ou certidão, previsto no art. 301, § 1.º, do CP, não é próprio, ou seja aquele que somente pode ser praticado por funcionário público responsável pela expedição do documento forjado; qualquer pessoa que altere total ou parcialmente atestado ou certidão pode ser o sujeito ativo do delito” (STJ – 5.ª T. – REsp. 188.184 – Rel. Félix Fischer – j. 18.02.1999RT 767/555; grifo nosso).

 

Não discrepam, ainda, os tribunais inferiores:

 

 “Se o preceito contido no § 1.º do art. 301 constitui crime autônomo, “perfeitamente distinto daquele tipificado no caput daquela disposição legal”, não poderia vir como parágrafo. O parágrafo é uma fração do artigo. Os romanos já ensinavam que “o sentido e as palavras da lei devem afeiçoar-se ao título sob o qual se acham colocados” (TRF 1.ª Reg. – Rec. 97.01.038055-3 – Rel. Tourinho Neto – j. 23.09.1997RTJE 164/304).

 

 “A falsificação de atestado médico e o uso dele por quem o adquiriu, para iludir seu empregador, são condutas puníveis nos termos dos arts. 301, § 1.º, e 304 do CP” (TFR – AC – Rel. Carlos Madeira – DJU 3.6.83, p. 7.916). No mesmo sentido: RT 668/271.

 “Se o agente preenche e assina atestado que já estava carimbado com o nome do médico e o vende para terceira pessoa, para que esta obtenha vantagem perante o seu empregador, tipificado resta o crime de falsidade material de atestado médico ou certidão previsto no art. 301, §§ 1.º e 2.º, do CP, e não o de falsificação de documento particular previsto no art. 298 do mesmo diploma legal” (TJSP – AC 127.060-3/0 – Rel. Gentil Leite – RT 708/294).

 

Acrescente-se que há precedentes desta Procuradoria Geral de Justiça com o mesmo teor: vide Protocolado n. 47.254/09.

O sujeito, por conseguinte, deve ser tido como incurso no art. 301, §§1.º e 2.º, do CP.

Como se trata de crime cuja pena máxima não excede dois anos, é competente ratione materiae o Juizado Especial Criminal da Comarca.

Diante de todo o exposto, dirimo o conflito, declarando que a atribuição para oficiar no feito incumbe à Ilustre Suscitada.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 30 de junho de 2010.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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