Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 8.377/10

Inquérito Policial n.º 364/09 – MM. Juízo da Vara Única de Santa Adélia

Suscitante: Promotoria de Justiça de Santa Adélia

Suscitada: Promotoria de Justiça de Catanduva

Assunto: foro competente para apuração de crime de supressão de documento público (CP, art. 305)

 

 

EMENTA: Conflito negativo de atribuição. Crime de supressão de documento público (CP, art. 305). Divergência entre Promotores de Justiça acerca do foro competente e, via de consequência, sobre a atribuição para oficiar no inquérito policial. Agente que suprimiu documentos em determinada Comarca e, mantendo-os consigo, os ocultou em outra, onde foram apreendidos. Modalidade de delito permanente, cuja consumação atingiu mais de um foro. CPP, art. 71. Critério da prevenção. Atribuição ministerial vinculada ao juízo do local em que determinada a medida preliminar de busca e apreensão e ao qual, posteriormente, deu-se a distribuição do feito.

1.      Na hipótese vertente, a indiciada subtraiu documentos nas dependências do Cartório de Registro Civil de Santa Adélia, ocultando-os em sua residência, localizada em Catanduva. A encontro do objeto material deu-se em virtude da expedição de mandado de busca e apreensão pelo MM. Juízo da Vara Única daquela Comarca.

2.      O crime de supressão de documento público em tese praticado consumou-se, portanto, em Santa Adélia, persistindo sua fase consumativa durante todo o período em que a agente teve os objetos consigo e os ocultou. Significa dizer que se trata de delito permanente, motivo por que tem aplicação à espécie o disposto no art. 71 do CPP: “Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”.

3.      O juízo prevento é aquele que se antecipou aos demais na prática de algum ato ou medida relativa ao processo, ou seja, a Vara Única de Santa Adélia, posto que decretou a providência de busca e apreensão domiciliar e, ao depois, recebeu os autos de inquérito policial relatados.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitante.

 

Cuida-se o presente feito de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça em exercício em Santa Adélia e Catanduva, que divergem acerca do foro competente para apuração de crime contra a fé pública.

Verifica-se nos autos que (...) suprimiu diversas escrituras públicas, procurações e classificadores das dependências do Cartório de Registro Civil de SANTA ADÉLIA e os ocultou em sua residência, localizada em CATANDUVA, local em que os documentos foram encontrados durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar, expedido pelo MM. Juízo de SANTA ADÉLIA.

Nesta ocasião, a suspeita foi presa em flagrante, realizando-se então as providências de Polícia Judiciária com a consequente remessa do caderno investigatório ao órgão judicial responsável pela elaboração da medida cautelar acima referida.

Eis a síntese do necessário.

O ponto controvertido neste expediente diz respeito ao locus commissi delicti e, por consequência, ao foro competente para o processo e julgamento da infração penal capitulada no art. 305 do CP.

A investigação noticia que a autora do delito suprimiu documentos em SANTA ADÉLIA e, em seguida, os ocultou em CATANDUVA. Infringiu, portanto, a norma penal incriminadora suso citada, praticando duas ações nucleares nela previstas.

O ilícito tem natureza de tipo misto alternativo, tendo as condutas perpetradas atingido os mesmos objetos materiais e jurídico. A ocultação, desta feita, absorve a supressão anterior.

O momento consumativo, nesta ordem de ideias, verificou-se na primeira Comarca, subsistindo na segunda. Cuida-se de crime permanente, cujo iter criminis, em sua fase final, prolongou-se no tempo e no espaço.

De aplicar-se à espécie, portanto, o disposto no art. 71 do CPP, segundo o qual, em casos que tais, firma-se a competência territorial pela prevenção.

In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, aquele em que atua o Douto Suscitante, ou seja, SANTA ADÉLIA, posto que nesta Comarca é que se deu a ordem de busca e apreensão e para lá foi o inquérito policial remetido.

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça Suscitante.

A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.

Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, examinando conflitos de atribuição:

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155); parêntese nosso.

 

Publique-se a ementa. Cumpra-se.

 

São Paulo, 19 de janeiro de 2010.

 

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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