Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 83.899/15

Autos n.º 0000253-08.2015.8.26.0084 - MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Campinas

Suscitante: 27.ª Promotora de Justiça Criminal de Campinas

Suscitado: 3.º Promotor de Justiça Criminal de Campinas

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal do fato com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSA IDENTIDADE (CP, ART. 307) OU FALSIDADE IDEOLÓGICA (CP, ART. 299). INDICIADA QUE APRESENTA QUALIFICAÇÃO FALSA PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL COM VISTAS A OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS. INFRAÇÃO PUNIDA COM DETENÇÃO, FIXANDO A RESPONSABILIDADE DO REPRESENTANTE MINISTERIAL OFICIANTE PERANTE O FORO REGIONAL PARA ATUAR NO FEITO.

1. Na hipótese vertente, a indiciada atribuiu a si, mentirosamente, dados qualificativos diversos, com o escopo de esconder passagens criminais que ostenta. Sua conduta, destarte, se subsume ao crime previsto no art. 307 do CP, tipo especial em relação àqueles descritos nos arts. 299 e 304 do mesmo Estatuto.

2. Deve-se assentar, de outro lado, que referida ação se mostra típica e antijurídica, pois não amparada pelo direito de defesa. Nesse sentido, o atual posicionamento dos Tribunais Superiores. Confira-se: "EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes” (STF, R.E. n.º 640.139, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, publicado no DJe 198, de 13/10/2011). No âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça foi editada, ademais, a Súmula n.º 522: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade
policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”
, corroborando a jurisprudência atual desta Corte (cf., entre outros, HC n.º 151.866, Rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em 1.º/12/2011).

 

Solução: conflito conhecido e dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos compete ao Douto Suscitado.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração da conduta de JOSIMARA CRISTINA RAMOS DA SILVA, perpetrada no dia 14 de janeiro de 2015, por volta de 15 horas e 30 minutos, quando, presa em flagrante tentando furtar seis peças íntimas no estabelecimento empresarial denominado “Lojas Marisa”, foi conduzida à presença do Delegado de Polícia, perante o qual atribuiu a si falsa identidade, declarando chamar-se JOSIMEIRE APARECIDA LEITE.

O Douto Promotor de Justiça de Vila Mimosa, vislumbrando cometido o crime de falsidade ideológica (CP, art. 299), punido com reclusão, postulou o encaminhamento do caso à Comarca de Campinas (fls. 35/36).

A Ilustre Representante Ministerial destinatária, contudo, entendendo configurado o delito descrito no art. 307 do CP, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 47/52).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, não lhe cumprindo determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Assiste razão à Ilustre Suscitante, com a devida vênia do Douto Suscitado; senão, vejamos.

Isto porque o comportamento imputado ao sujeito configura, de fato, o delito de falsa identidade (CP, art. 307).

Destaque-se que a increpada se limitou a atribuir a si, mentirosamente, dados qualificativos diversos, sem apresentar cédula de identidade com informações de outrem.

Na hipótese vertente, portanto, sua conduta se subsume ao tipo especial acima citado.

Deve-se assentar que referida ação se mostra típica e antijurídica, pois não amparada pelo direito de defesa. Nesse sentido, o atual posicionamento dos Tribunais Superiores. Confira-se:

 

"EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes”

(STF, R.E. n. 640139, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, publicado no DJe 198, de 13/10/2011).

 

HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS E EVITAR PRISÃO. AUTODEFESA QUE ABRANGE SOMENTE O DIREITO A MENTIR E OMITIR SOBRE OS FATOS E NÃO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO. CONDUTA TÍPICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento no sentido de que não configura o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade perante a autoridade policial com intuito de ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. 2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 640.139/DF, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso, assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente. 3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte. (...)”.

(STJ, HC n. 151.866, Rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em 1.º/12/2011).

 

De ver, por fim, a recente Súmula n.º 522 do STJ: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade
policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”.

Cuida-se, destarte, de infração punida com detenção, devendo, portanto, permanecer sob os cuidados do Promotor de Justiça oficiante perante o Foro Regional de Vila Mimosa.

Por todo o exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar no feito incumbe ao Douto Suscitado.

Com o fim de não haver menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro representante ministerial para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 19 de junho de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

                         

 

 

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