Conflito negativo de atribuição

 

Protocolado n.º 8.992/11

Inquérito Policial n.º 334/10 – MM. Juízo da Vara do Júri da Comarca de São José dos Campos

Suscitante: 8.º Promotor de Justiça de São José dos Campos

Suscitado: 12.º Promotor de Justiça de São José dos Campos

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal da conduta

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO. HOMICÍDIO (CP, ART. 121) OU LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE (CP, ART. 129, §3º). ANIMUS LAEDENDI. SOGRO E GENRO QUE, EMBRIAGADOS, EMPREENDERAM LUTA CORPORAL. AGRESSOR QUE SE RETIROU DO LOCAL DOS FATOS ESPONTANEAMENTE, QUANDO CESSOU A BRIGA, DEIXANDO A VÍTIMA AINDA VIVA E CONSCIENTE. FATO PRESENCIADO POR TERCEIRO. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1.     O confronto crítico dos elementos de informação revela que o investigado, em momento algum, desejou ou assumiu o risco de produzir a morte do ofendido. A prova colhida demonstrou que o agente cessou as agressões tão logo a vítima deixou de reagir. A testemunha de visu observou quando o ofendido se levantou, após a saída do sogro, deu alguns passos e caiu deitado sobre a guia da calçada, chegando a bater a cabeça; em seguida sentou-se encostado em um poste. Houvesse intenção de ceifar a vida do sujeito passivo, não teria o autor se retirado do palco dos eventos sem antes desferir outros ataques e assegurar o atingimento da meta letal.

2.     Não se pode dizer sequer ter ocorrido dolus eventualis. Tal figura somente se pode inferir quando: “o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (DAMÁSIO DE JESUS, Direito Penal. Vol. 1. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 288). Os elementos carreados nos autos, consoante já se expôs e com a devida vênia do Ilustre Suscitado, não permitem concluir pela existência de crime doloso contra a vida. Cuidava-se tão somente de desentendimento entre familiares que entraram em luta corporal, sem o emprego de armas.

3.     Nada impede, por óbvio, que durante a instrução do processo afigure-se outra realidade fático-probatória, ensejando a aplicação do art. 384 do CPP e a consequente remessa ao Tribunal Popular. Por ora, contudo, essa medida não se justifica.

Solução: conflito dirimido para declarar a atribuição do Douto Suscitado, designando-se outro promotor de justiça para preservação da independência funcional.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar as circunstâncias que envolveram a morte de (...), ocorrida no dia 24 de dezembro de 2009, depois de discussão travada com seu sogro (...).

O procedimento foi relatado e encaminhado à Justiça, tendo o Douto Representante Ministerial requerido sua remessa à Vara do Júri, limitando-se a justificar sua postura na notícia de que o falecido fora agredido por terceiro (fls. 34).

O Ilustre Promotor de Justiça atuante junto ao Tribunal Popular, de sua parte, entendeu de modo diverso, aduzindo não ser possível vislumbrar animus necandi no comportamento do agressor; suscitou, via de consequência, o presente conflito negativo de atribuição (fls. 38/39).

Eis a síntese do necessário.

A controvérsia que subjaz deste procedimento consiste em definir o elemento subjetivo do injusto; vale dizer, trata-se de determinar se (...), sogro do ofendido, atuou com animus occidendi ou com animus laedendi.

O confronto crítico dos elementos de informação revela, em nosso sentir, que a última hipótese apresenta-se com elevado grau de segurança.

A prova colhida, com efeito, demonstrou que o suposto agente cessou as agressões na vítima tão logo ela deixou de reagir.

Vale anotar, inclusive, que (...), testemunha de visu, observou quando o ofendido se levantou após a saída do sogro, deu alguns passos e caiu deitado sobre a guia da calçada, chegando a bater a cabeça; em seguida sentou-se encostado em um poste (fls. 26).

Não há dúvida alguma, portanto, que o investigado não atuou com intenção homicida ou mesmo assumiu o risco de produzir a morte de seu genro. Houvesse o propósito de ceifar-lhe a vida, não teria se retirado do palco dos eventos sem desferir outros ataques tendentes ao seu falecimento.

O contexto dos fatos, portanto, não permite indicar ter havido dolo no proceder do suspeito. Repise-se que a morte ocorreu depois que o averiguado se apartou de (...), deixando-o só, vivo e consciente.

Não se pode dizer, frise-se, sequer ter ocorrido dolus eventualis. Tal figura somente se pode inferir quando:

 

“o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (DAMÁSIO DE JESUS, Direito Penal. Vol. 1. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 288).

 

Os elementos carreados nos autos, consoante já se expôs e com a devida vênia do Ilustre Suscitado, não permitem concluir pela existência de crime doloso contra a vida.

Nada impede, por óbvio, que durante a instrução do processo afigure-se outra realidade fático-probatória, ensejando a aplicação do art. 384 do CPP e a consequente remessa ao Tribunal Popular. Por ora, contudo, essa solução não se justifica.

Diante do exposto, assiste razão ao Douto Suscitante, motivo porque declaro competir ao Ilustre Suscitado a atribuição para atuar no procedimento.

Para preservação de sua independência funcional, determino seja outro membro ministerial designado para prosseguir neste feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 19 de janeiro de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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