Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 90.699/14

Autos n.º 0082999-74.2011.8.26.0050 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Investigados: (...)

Assunto: controvérsia acerca da classificação jurídica do fato, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO FATO, COM REFLEXO NA ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL. CRIME DE PARTO SUPOSTO (CP, ART. 242). INCIDÊNCIA DA FIGURA PRIVILEGIADA (CP, ART. 242, PARÁGRAFO ÚNICO). PARTICIPAÇÃO DE TERCEIROS QUE FIRMARAM DECLARAÇÃO FALSA. CONCURSO DE PESSOAS CONFIGURADO. INCOMUNICABILIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA PESSOAL. CONTINÊNCIA POR CUMULAÇÃO SUBJETIVA QUE RESULTA NA ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA OFICIANTE PERANTE O JUÍZO COMUM.

1.     Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da conduta de casal a quem se atribuiu a prática do crime tipificado no art. 242 do Código Penal (parto suposto), pois teriam registrado como próprio filho de outrem. Descobriu-se, ainda, que terceiras pessoas contribuíram para a consecução do delito, porquanto figuraram como testemunhas do registro de nascimento e subscritora da declaração de parto realizado em residência.

2.     O fato cometido pelos investigados se amolda, conforme compreensão incontroversa dos Ilustres Membros Ministeriais oficiantes, ao tipo penal insculpido no art. 242 do CP. A figura privilegiada, consistente em ser a conduta perpetrada por motivo de reconhecida nobreza, ademais, se faz presente (in thesi) na ação do casal. Isto porque foram compelidos, ao que tudo indica, por tal motivação, consistente em atender a um anseio próprio, no sentido de adotarem uma criança, e igualmente em acolher uma menor aparentemente rejeitada por seus pais biológicos.

3.     De outro lado, os indivíduos que figuraram como testemunhas no registro civil e a subscritora da declaração de parto em residência emprestaram indispensável contribuição para o êxito desta empreitada criminosa. Respondem, portanto, como partícipes deste ato e não por delitos autônomos, pois responsáveis por comportamentos que configuraram meio para a consecução da infração-fim. Com efeito, quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29, caput). De mais a ver, sendo a participação uma conduta acessória, recebe a mesma tipificação dada ao fato principal.

4.     Aos concorrentes, porém, não se aplica, a princípio, o privilégio, pois em se tratando de circunstância de caráter pessoal, revela-se incomunicável no concurso de agentes, a teor do art. 30 do CP; pondere-se, outrossim, que os indícios sugerem que o casal foi motivado por questões de reconhecida nobreza, mas o mesmo não se pode afiançar a respeito da causa que impeliu os partícipes a colaborar com a infração.

5.     O casal, portanto, responde, em tese, pelo art. 242, parágrafo único, do CP (de competência do Juizado Especial Criminal), mas os demais, pelo caput (de competência do Juízo Comum).

6.     Sempre que duas ou mais pessoas colaboram para o mesmo resultado jurídico, unindo seus esforços, verifica-se o concurso de agentes, o qual, sob o ponto de vista processual, constitui hipótese de continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, inc. I). Verificado o vínculo processual excogitado, justifica-se a reunião de processos para julgamento conjunto, que deverá se dar perante o órgão prevalente, nos termos do art. 78 do Estatuto Processual Penal. A reunião de processos afigura-se, então, como decorrência natural do liame, de modo a permitir ao magistrado deter ampla visão do quadro probatório e à Justiça não proferir decisões contraditórias sobre eventos relacionados. É preciso lembrar, ainda, que o juízo que detém vis attractiva em tais casos é aquele em que oficia o Douto Suscitante, tendo em conta o art. 78, II, b, do CPP: “Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria: a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave” (grifo nosso).

Solução: conhece-se do presente conflito, a fim de dirimi-lo e declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitante.

 

                             

Cuida-se de inquérito policial destinado à apuração da conduta de (...), a quem se atribuiu a prática do crime tipificado no art. 242 do Código Penal (parto suposto), pois teriam registrado como próprio filho de outrem.

Descobriu-se, ainda, que (...) contribuíram para a consecução do delito, por figurarem os dois primeiros como testemunhas do registro de nascimento, e a última como subscritora de declaração de parto realizado em residência.

A conduta foi averiguada em procedimento que tramitou na esfera do Juizado da Infância e Juventude e, nesse contexto, resultou na instauração deste caderno investigatório, atendendo a requisição ministerial (fls. 94-D/95-D).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Ilustre Membro do Parquet oficiante, depois de requisitar diligência complementar (fl. 183), declinou de sua atribuição, por entender configurada a forma privilegiada da infração, apenada com detenção, postulando o correspondente encaminhamento (fl. 191).

O Douto Promotor de Justiça atuante no Foro Regional, porém, asseverou que outras infrações foram cogitadas no início da investigação, as quais mereceriam a análise do colega antecessor, pugnando, assim, o retorno do feito à origem (fls. 193 e verso).

O Nobre Representante Ministerial, então, suscitou o presente conflito negativo, destacando que há, em tese, somente um ilícito penal cometido (fls. 200/204).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Parece-nos que assiste razão ao Ilustre Suscitado, com a devida vênia do Douto Suscitante; senão, vejamos.

 

Dos fatos

         Pelo que se desvelou, o casal (...), desejando adotar uma criança, formalizou o pedido perante a Justiça da Infância e Juventude.

Ocorre, porém, que decidiram registrar como seu a filha de (...), a qual decidiu entregar-lhes a menina.

A genitora da menor não teria condições financeiras de criá-la e, segundo os investigados, fora compelida a entregar a infante à adoção pelo companheiro e pai da criança.

Os indiciados contaram com o auxílio de (...), atuando aqueles como testemunhas do registro de nascimento e a esta na condição de subscritora de declaração de parto realizado em residência.

 

Do enquadramento típico da conduta

O fato cometido pelos sujeitos se amolda, conforme compreensão incontroversa dos Ilustres Membros Ministeriais oficiantes, ao tipo penal insculpido no art. 242 do CP.

Resta saber, porém, se a figura privilegiada se faz presente, consistente em ser o ato perpetrado por motivo de reconhecida nobreza, e, ademais, se os concorrentes da infração, autores de supostas declarações falsas, incorreram em delito autônomo.

Parece-nos, em primeiro lugar, que há base para se sustentar a ocorrência da forma privilegiada.

Isto porque o casal foi compelido, ao que tudo indica, por motivação nobre, consistente em atender a um anseio próprio, no sentido de adotarem uma criança, e igualmente em acolher uma menor aparentemente rejeitada por seus pais biológicos.

De outro lado, as pessoas que figuraram como testemunha no registro civil e a subscritora da declaração de parto em residência emprestaram indispensável contribuição para o êxito desta empreitada criminosa.

Respondem, portanto, como partícipes desta conduta e não por delitos autônomos, pois responsáveis por comportamentos que configuraram meio para a consecução da infração-fim.

Com efeito, quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

De mais a ver, sendo a participação uma conduta acessória, recebe a mesma tipificação dada ao fato principal.

Aos concorrentes, porém, não se aplica, a princípio, o privilégio, pois em se tratando de circunstância de caráter pessoal, revela-se incomunicável no concurso de indivíduos, a teor do art. 30 do CP, até porque os indícios revelam que o par foi motivado por questões de reconhecida nobreza, mas o mesmo não se pode afiançar a respeito da causa que impeliu os partícipes a colaborar com o ilícito.

(...) respondem, em tese, pelo art. 242, parágrafo único, do CP, mas os demais, pelo caput.

 

Do vínculo processual

Sempre que duas ou mais pessoas colaboram para o mesmo resultado jurídico, unindo seus esforços, verifica-se o concurso de agentes, o qual, sob o ponto de vista processual, constitui hipótese de continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, inc. I).

Verificado o vínculo processual excogitado, justifica-se a reunião de processos para julgamento conjunto, que deverá se dar perante o órgão prevalente, nos termos do art. 78 do Estatuto Processual Penal.

A competência para o julgamento dos autores incumbe ao Juizado Especial Criminal e, dos partícipes, compete ao Juízo Comum.

A reunião de processos afigura-se, então, como decorrência natural do liame, de modo a permitir ao Magistrado deter ampla visão do quadro probatório e à Justiça não proferir decisões contraditórias sobre eventos relacionados.

É preciso lembrar, ainda, que o juízo que detém vis attractiva em tais casos é aquele em que oficia o Douto Suscitante, tendo em conta o art. 78, II, b, do CPP:

 

“Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria: a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave” (grifo nosso).

 

Conclusão

Diante disso, conhece-se deste incidente visando dirimi-lo, declarando competente para atuar no feito o Membro do Ministério Público oficiante junto ao MM. Juízo Comum.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para intervir nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 24 de junho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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