Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 90.792/15

Autos n.º 0021143-28.2014.8.26.0625 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Taubaté

Suscitante: 5.º Promotor de Justiça de Taubaté

Suscitado: 6.º Promotor de Justiça de Taubaté

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DA POSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO DO RESULTADO MAIS GRAVE A TODOS OS AGENTES. AUTORIA COLATERAL OU CONCURSO DE AGENTES. SUJEITOS QUE, PREVIAMENTE AJUSTADOS, APÓS DISCUSSÃO, OFENDEM A INTEGRIDADE FÍSICA DA VÍTIMA POR MEIO DE SOCOS, TAPAS, GOLPES COM CADEIRAS E UM GOLPE COM INSTRUMENTO PÉRFURO-CORTANTE, QUE LHE CAUSARAM PERIGO DE VIDA. CONCURSO DE AGENTES. CIRCUNSTÂNCIA OBJETIVA QUE SE COMUNICA A TODOS OS CONCORRENTES (CP, ART. 30). CRIME DE LESÃO CORPORAL GRAVE IMPUTÁVEL A AMBOS. ATRIBUIÇÃO DO DOUTO SUSCITADO.

1.     O conflito de atribuição se dá, nos dizeres de HUGO NIGRO MAZZILLI, quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

2.     Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos. No caso em apreço, encontra-se devidamente configurado o incidente acima nominado.

3.     Com relação à controvérsia surgida nos autos, esta reside em determinar se o resultado pode ser imputado aos dois agentes, ainda que não se possa determinar qual deles desferiu o golpe com instrumento pérfuro-cortante.

4.     Fosse hipótese de autoria colateral, em que duas ou mais pessoas, inscientes uma da outra, contribuem para o mesmo resultado, não sendo possível determinar aquela que produziu o desfecho mais grave (autoria incerta, em contexto de autoria colateral), este não poderia ser atribuído a todos, pois se daria verdadeira responsabilidade penal objetiva.

5.     O caso dos autos, porém, retrata concurso de pessoas, pois os indiciados, agindo com identidade de propósitos, deram início às agressões, desferindo contra a vítima diversos golpes e, nesse contexto, é que se desfechou a facada causadora da lesão grave.

6.     Aplica-se à espécie, destarte, o art. 30 do CP, segundo o qual são incomunicáveis as circunstâncias de caráter pessoal e, a contrario sensu, comunicam-se as elementares e circunstâncias de natureza objetiva.

7.    O perigo de vida, previsto no inc. IV do §1.º do art. 129 do CP, constitui inegável circunstância objetiva e, desta forma, a todos os concorrentes se aplica.

Solução: conhece-se deste incidente visando dirimi-lo, declarando competente para atuar no feito o Membro do Ministério Público oficiante junto ao MM. Juízo Comum.

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta perpetrada por (...) e (...) em face de (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o mui competente Promotor de Justiça Criminal, em judiciosa manifestação, ponderou que não seria possível imputar a quaisquer dos investigados a autoria da lesão que culminou em perigo de vida e, sendo certo somente que ambos participaram das agressões ao ofendido, restaria apenas a possibilidade jurídica de lhes atribuir o crime de lesão corporal dolosa leve.

Em face disto, requereu o envio dos autos ao Juizado Especial Criminal (fls. 103/108).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordando de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuição, asseverando que ambos concorreram para o resultado e, ademais, por se cuidar de qualificadora objetiva, a ambos se comunicaria (fls. 114/122).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a remessa do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Ilustre Suscitante, com a máxima vênia do Douto Suscitado; senão, vejamos.

A controvérsia reside em determinar se, na impossibilidade de se identificar o autor do golpe com instrumento pérfuro-cortante, responsável por gerar perigo de vida, seria possível atribuir aos concorrentes a qualificadora correspondente.

Fosse hipótese de autoria colateral, em que duas ou mais pessoas, inscientes uma da outra, contribuem para o mesmo resultado, não sendo possível determinar aquela que produziu o desfecho mais grave, este não poderia ser imputado a todos, pois se daria verdadeira responsabilidade penal objetiva.

O caso dos autos, porém, diz respeito, sem dúvida, a concurso de pessoas, pois os indiciados, agindo em conluio, depois de discutirem com o ofendido, deram início à agressão corporal, desferindo contra ele diversos golpes e, nesse contexto, é que se desfechou a facada causadora da lesão grave.

Aplica-se, à espécie, o art. 30 do CP, segundo o qual são incomunicáveis as circunstâncias de caráter pessoal e, a contrario sensu, comunicam-se as elementares e circunstâncias de natureza objetiva.

O perigo de vida, previsto no inc. IV do §1º do art. 129 do CP, constitui inegável circunstância objetiva e, desta forma, a todos os concorrentes se aplica.

A questão relativa a saber se o ato de vibrar o golpe com instrumento pérfuro-cortante foi ato único e isolado, o que não se pode afirmar nessa fase inquisitiva, deve ser analisada como eventual matéria de fundo, em cognição exauriente, podendo ensejar, se o caso, a aplicação do art. 29, §2.º, do CP.

Não se olvide que na presente fase, ou seja, quando do início da persecutio criminis in judicio, há de prevalecer o princípio in dubio pro societate. A esse respeito, assim se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

- Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar.

- No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate.

Precedentes.

Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)”.

(CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)

 

Conhece-se, portanto, do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar no feito incumbe ao Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.

São Paulo, 02 de julho de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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