Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 9.124/11

Autos n.º 225/10 - MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Praia Grande

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Praia Grande

Suscitada: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal de Praia Grande

Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DE AMEAÇA (CP, ART. 147). INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (LEI N. 9.099/95, ART. 61). VÍTIMA DO SEXO FEMININO. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06)

1.     O objeto central da discussão reside em saber se a conduta da agente, que ameaçou a atual companheira de seu ex-amásio, subsume-se ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher, conforme dispõe a Lei n. 11.340/06 e, via de consequência, se a atribuição para atuar na causa deve ficar sob a responsabilidade do órgão do Parquet oficiante na esfera dos Juizados Especiais Criminais ou no âmbito da Vara Criminal Comum.

2.     Na hipótese concreta, não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero. Deve-se acentuar que o Diploma acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

3.     Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção à mulher atingida no contexto doméstico ou familiar. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir em diversos julgados (CC n. 88.027, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; CC 96.533, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 05/02/2009).

Solução: dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Promotor de Justiça em exercício no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a prática do delito de lesão corporal, cometido, em tese, por (...) em face de sua ex-companheira (...), e dos crimes de ameaça e dano, perpetrados supostamente por esta contra (...).

O Ilustre Promotor de Justiça atuante no Juizado Especial Criminal, vislumbrando na espécie a aplicação da Lei n. 11.340/06, pugnou pela redistribuição do expediente a uma das Varas Criminais (fls. 12).

A Douta Representante Ministerial que recebeu os autos requereu fosse designada a audiência prevista no art. 16 do citado Diploma Legal (fls. 15).

O MM. Juiz, na aludida solenidade, houve por bem julgar extinta a punibilidade em favor de (...), abrindo vista do feito ao Parquet para se manifestar a respeito dos delitos remanescentes. A Digna Promotora de Justiça, então, suscitou o presente conflito negativo de atribuição, ponderando que os crimes remanescentes não se circunscreveriam ao âmbito da Lei Maria da Penha (fls. 46/48).

Eis a síntese do necessário.

Deve-se assentar que as infrações penais de que ora se cuida foram cometidas por (...), figurando como sujeito passivo (...).

Esses comportamentos, em nosso sentir, não se subsumem ao conceito de violência doméstica e familiar previsto na Lei n. 11.340/06. Isto porque não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero.

Deve-se acentuar, nesta ordem de ideias, que o Texto Normativo acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção ao sujeito passivo. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir nos seguintes julgados:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica.

2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.

2. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares/MG, o suscitado”.

(CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; grifo nosso)

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade.

2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.

2. No caso, não fica evidenciado que as agressões sofridas tenham como motivação a opressão à mulher, que é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha. Sendo o motivo que deu origem às agressões mútuas o ciúmes da namorada, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG”.

(CC 96.533/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 05/02/2009)

 

Não custa lembrar, de outra parte, que no concurso de crimes deve a atuação do JECRIM ser aferida a partir do total das penas cominadas.

Ressaltando-se que a soma das sanções relativas aos crimes de dano e ameaça não ultrapassa o patamar punitivo de dois anos, a competência do Juizado Especial Criminal mostra-se de rigor.

Diante do exposto, dirimo o presente conflito declarando competir a atribuição ao Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça oficiar na causa, requerendo o que de direito. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

São Paulo, 19 de janeiro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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