Protocolado nº 92.239/08 – Conflito Negativo de Atribuição

Inquérito Policial nº 292/08 – MM. Juízo da 1ª Vara Judicial da Comarca de Mairiporã

Suscitante: Promotoria de Justiça de Mairiporã

Suscitado: Promotoria de Justiça de Amparo

 

 

 

 

 

 

                                      Cuida-se de conflito negativo de atribuição entre Promotores de Justiça, que divergem acerca do foro competente para apuração do crime de receptação (CP, art. 180, caput).

 

                                      No presente caso, o i. Promotor de Justiça Amparo requereu a remessa dos autos à Comarca de Mairiporã, por entender ser este o locus comissi delicti (fls. 75).

 

                                      A d. Promotora de Justiça de Mairiporã, de sua parte, discordando da remessa, suscitou o presente conflito de atribuição (fls. 79/84).

 

                                      É o relatório.

 

                                      O inquérito policial foi instaurado em face da apreensão do veículo conduzido por (...), aos 03 de dezembro de 2004, por volta das 14 horas e 30 minutos, na Av. Fioravante Gerbi, Jardim América, na Comarca de Amparo.

 

                                      Conforme se verifica no histórico do boletim de ocorrência, policiais militares informaram ter abordado o agente, que conduzia o automóvel apreendido a fls. 04, e, ao solicitarem o documento do veículo, verificaram constar reclamação de roubo. Os milicianos notaram, ainda, que as plaquetas identificadoras situadas nas portas apresentavam sinais de adulteração. Segundo os policiais, ainda, (...) o alegou ter adquirido o automóvel no mesmo dia, de um indivíduo denominado “(...)”, na cidade de Mairiporã (fls. 03).

 

                                      No curso das investigações, realizou-se exame pericial no veículo, constatando-se a adulteração dos sinais identificadores (fls. 17/20). Ouviu-se o investigado, o qual confirmou ter adquirido o veículo de (...), em Mairiporã, no mesmo dia da apreensão (fls. 22/23).

 

                                      De início, acreditou-se que a proprietária do automóvel seria a testemunha ouvida a fls. 42, porquanto ela aparecia no cadastro correspondente ao número do chassi pesquisado. Ocorre que esta pessoa esclareceu ter permanecido em poder do carro de 2003 a 2006, quando o vendera a uma concessionária (fls. 42). Restou evidente, destarte, o veículo apreendido trata-se de um “dublê”.

 

                                      Os autos foram instruídos, ainda, com ofício da montadora (“FIAT”) confirmando a adulteração de sinais identificadores (fls. 52).

 

                                      O verdadeiro proprietário do bem, roubado em 03 de maio de 2004, foi identificado (fls. 59), sendo o carro entregue à Companhia Seguradora (fls. 61/64).

                                     

                                      Eis os fatos.

 

                                      Os elementos de prova acima sintetizados indicam a ocorrência, pelo menos, do crime de receptação dolosa simples, consumado em Mairiporã, na modalidade “conduzir”. Sua fase consumativa perpetrou-se no tempo, atingindo a Comarca de Amparo, em função da conduta correspondente ao verbo nuclear “conduzir”.

 

                                      De aplicar-se à espécie, portanto, o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.

 

                                      De acordo com o dispositivo legal indicado, em matéria de delitos permanentes, cuja consumação atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.

 

                                     In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é o da Comarca de Amparo. Nesse sentido:                      

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO, NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CRIMES PERMANENTES COMETIDOS EM MAIS DE UM ESTADO DA FEDERAÇÃO. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELA PREVENÇÃO. ART. 78, II, C, C/C 83 DO CPP. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

1.   Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.

2.   Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.

(STJ, CC 88617, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de 10.03.2008, p. 1).

 

                                      No mesmo sentido,

 

CONFLITO NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de carga - Crimes ocorridos em diversas Comarcas - Interceptação telefônica que culminou na identificação e prisão de alguns dos acusados – Ordem emanada pelo Juízo de São Pedro - Prisão ocorrida em Piracicaba - Crime permanente - Hipótese em que deve ser reconhecia a prevenção do Juízo que primeiro atuou no processo - Aplicação dos artigos 71 e 83 do Código de Processo Penal - Conflito procedente - Competência do Juízo suscitante.

(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des.Maria Olivia Alves, j. em 29/10/2007).

 

                                      Em face disso, o foro competente para o exame da causa é a Comarca de Amparo, incumbindo ao Promotor de Justiça ali oficiante atuar no caso.

 

                                      Faz-se fundamental frisar, por derradeiro, que há algumas questões subjacentes à apuração do delito de receptação que deverão merecer a consideração do órgão oficiante.

 

                                      A autoridade policial responsável pela lavratura do boletim de ocorrência, em que pese a evidente situação flagrancial, determinou tão somente a apreensão do automóvel (com sinais de adulteração de plaquetas identificadoras) e do Certificado de Registro de Veículo Automotor. É de ver que, a fls. 06, consta extrato de pesquisa efetuada junto aos computadores da Polícia, na qual se verifica a reclamação de roubo efetuada pelo proprietário do bem.

 

                                      Além disso, o Delegado de Polícia deixou de instaurar o inquérito policial, permanecendo o boletim de ocorrência nos arquivos da repartição por mais de dois anos. Com efeito, a investigação somente foi instaurada em fevereiro de 2007, por determinação de outro Delegado de Polícia.

 

                                      Diante do exposto, dirimo o presente conflito declarando competir a atribuição à i. Suscitada.

 

São Paulo, 30 de julho de 2008.

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça