Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 941/14

Autos n.° 311/13 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Osvaldo Cruz

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Osvaldo Cruz

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Lucélia

Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO FATO. LESÃO CORPORAL OU HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SUSPEITO QUE PROVOCOU, POR IMPRUDÊNCIA, A QUEDA DA OFENDIDA DE UM BICICLO, OCASIONANDO FRATURA NA FALANGE PROXIMAL DO QUARTO DEDO DA MÃO DIREITA. A VÍTIMA FOI HOSPITALIZADA E, APÓS, FALECEU, EM DECORRÊNCIA DE POSSÍVEL NEGLIGÊNCIA MÉDICA. CAUSA SUPERVENIENTE RELATIVAMENTE INDEPENDEN- TE DA CONDUTA (CP, ART. 13, §1.º). IMPUTAÇÃO DO ÓBITO AFASTADA. RESPONSABILIDADE PENAL PELO CRIME DESCRITO NO ART. 303 DO CTB.

1. Segundo se apurou, a prova técnica afastou, de maneira segura, a relação de causalidade entre o ato perpetrado pelo investigado e o falecimento da vítima. A conduta do suspeito, deveras, mostrou-se apta tão somente a produzir lesões de pequena monta na ofendida, não sendo hábeis a causar sua morte. O óbito foi proveniente, como se pode inferir pela citada perícia, de possível negligência médica. Esta, portanto, se insere como causa superveniente relativamente independente da conduta e, nos termos do art. 13, §1.º, do CP, afasta a imputação do resultado final.

2. Significa dizer que, embora presente o nexo físico entre a ação desempenhada e o resultado verificado, com base na teoria da equivalência dos antecedentes, acolhida na cabeça do art. 13 do CP, não há vínculo jurídico pela concorrência de conduta posterior à do indiciado, a qual por si só conduziu ao óbito.

3. Do ponto de vista médico, conforme se consignou em exame pericial, a fratura na falange se mostrava incapaz de provocar o passamento. Imputar, desta feita, um homicídio culposo, afigura-se atribuir mais do que a responsabilidade penal faz merecer.

4. Anote-se, por não menos importante, e em homenagem à qualidade dos argumentos expostos pelo Douto Suscitante, que a falha médica, no caso em tela, faz com que o resultado final não se torne desdobramento causal esperado ou normal do comportamento do suspeito, diversamente do exposto nos julgados que colacionou.

Conclusão: conhece-se do conflito, a fim de dirimi-lo e declarar que a atribuição para atuar no procedimento incumbe ao Ilustre Suscitante.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração das circunstâncias em que se deu o óbito de (...), ocorrido em 08 de setembro de 2010.

Em breve síntese, consta do feito que, no dia 06 de setembro do mesmo ano, (...), conduzindo motocicleta sem possuir a necessária permissão ou habilitação, perdeu o controle do biciclo, atingindo outro pilotado por (...), o qual levava a vítima na garupa.

A ofendida sofreu lesões no rosto e mão direita, sendo encaminhada à Santa Casa de Osvaldo Cruz, onde foi submetida a tratamento emergencial traumato-ortopédico no citado membro, com cirurgia; dois dias depois, faleceu.

A certidão de óbito encartada a fl. 15 deu como indeterminado o motivo do passamento.

O laudo pericial acostado a fls. 174/177, todavia, concluiu que ocorreu omissão médica após a operação, não havendo “relação de causa e efeito entre o ato cirúrgico e a morte da vítima. O acidente automobilístico por si só não causaria a morte da vítima, pois as lesões apresentadas foram de pequena monta. O evento morte não seria o esperado neste acidente com as lesões que foram observadas”.

A Douta Promotora de Justiça oficiante em Lucélia, diante de tal quadro, requereu a realização de audiência preliminar para tentativa de composição civil e penal quanto ao crime de lesão corporal culposa e a extração de cópia do expediente, com sua posterior remessa a Osvaldo Cruz, competente para o delito de homicídio culposo (fls. 183/185), pleito deferido judicialmente (fl. 187).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, em judiciosa manifestação, discordou de sua antecessora, vislumbrando nexo de causalidade entre o falecimento de (...) e o acidente de trânsito provocado por (...), o qual se mostra responsável também pela ocisão do sujeito passivo; em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 194/213).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do caso a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Com a máxima vênia do Ilustre Suscitante, a razão se encontra com o Douto Suscitado.

Isto porque o prova técnica afastou, de maneira segura, a relação de causalidade entre o ato perpetrado por (...) e o falecimento de (...).

A conduta do suspeito, deveras, mostrou-se apta tão somente a produzir lesões de pequena monta na ofendida, não sendo hábeis a causar sua morte. O óbito foi proveniente, como se pode inferir pela citada perícia, de possível negligência médica.

Esta, portanto, se insere como causa superveniente relativamente independente da conduta e, nos termos do art. 13, §1.º, do CP, afasta a imputação do resultado final.

Significa dizer que, embora presente o nexo físico entre a ação desempenhada por (...) e o resultado verificado em (...), com base na teoria da equivalência dos antecedentes, acolhida na cabeça do art. 13 do CP, não há vínculo jurídico pela concorrência de conduta posterior à do investigado, a qual por si só conduziu ao óbito.

Do ponto de vista médico, conforme se consignou em exame pericial, a fratura na falange se mostrava incapaz de provocar o passamento.

Imputar ao increpado, desta feita, um homicídio culposo, afigura-se atribuir-lhe mais do que sua responsabilidade penal o faz merecer.

Anote-se, por não menos importante, e em homenagem à qualidade dos argumentos expostos pelo Douto Suscitante, que a falha médica, no caso em tela, faz com que o resultado final não se torne desdobramento causal esperado ou normal da conduta do suspeito.

Os julgados colacionados na bem elaborada manifestação arguindo o conflito referem-se a hipóteses nas quais se concluiu ter o falecimento sido decorrência inserida no id quod plerumque accidit, situação diversa da aqui apurada.

Em face do exposto, conhece-se deste incidente, com o fim de dirimi-lo e declarar que a atribuição para oficiar nos autos compete ao Douto Suscitante.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro representante ministerial para intervir no expediente, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Publique-se a ementa.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

 

São Paulo, 07 de janeiro de 2014.

 

                                      

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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