Conflito Negativo de Atribuição

Processo n.º 0063072-78.2011.8.26.0000

Inquérito Policial n.º 0002154-26.2011.8.26.0577 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de São José dos Campos

Suscitante: 18.º Promotor de Justiça de São José dos Campos

Suscitado: 12.º Promotor de Justiça de São José dos Campos

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal do fato

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSA IDENTIDADE (CP, ART. 307) OU USO DE DOCUMENTO FALSIFICADO (CP, ART. 304 C.C. ART. 297). APRESENTAÇÃO DE CÉDULA DE IDENTIDADE COM A FOTOGRAFIA DO AGENTE E DADOS QUALIFICATIVOS DIVERSOS. CRIME DE ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1.      O indiciado não se limitou a atribuir a si, mentirosamente, dados qualificativos diversos, mas apresentou cédula de identidade com informações de outrem, contendo sua fotografia. O comportamento, destarte, não configura simples delito de falsa identidade (CP, art. 307), mas de verdadeiro uso de documento falso (CP, art. 304 c.c. art. 297).

2.      O eminente Damásio de Jesus, em seu Código Penal Anotado (12.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002, pág. 939), ensina ser o crime do art. 307 do CP expressamente subsidiário, não se aplicando quando o agente insere sua fotografia em documento alheio. A jurisprudência também segue a mesma orientação: “A utilização de documento falso para escamotear a condição de foragido, não descaracteriza o delito de uso de documento falso - art. 304 do CP” (STJ, HC n. 205.666/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), 6.ª TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe de 08/09/2011). Não se cuida, destarte, de simples infração de menor potencial ofensivo, mas de delito de competência do juízo comum.

Solução: conflito conhecido e dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos compete ao Douto Suscitado.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado a partir da prisão em flagrante de (...), o qual foi abordado por policiais militares portando documento de identificação falsificado.

Concluídas as diligências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça oficiante requereu o encaminhamento da causa ao Juizado Especial Criminal da Comarca, por entender que o ato se subsumiria ao art. 307 do CP (falsa identidade) (fls. 48/50).

O Ilustre Representante Ministerial a quem o feito foi remetido, todavia, considerou a conduta de forma diversa e a tipificou no art. 304 c.c. art. 297, ambos do CP (uso de documento público falsificado). Em face disto, postulou fosse suscitado conflito negativo de competência (fls. 63/65).

A medida foi acatada judicialmente (fls. 68), seguindo os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.

A Colenda Câmara Especial, contudo, não conheceu do incidente, e, identificando tratar-se de verdadeiro conflito negativo de atribuições, encaminhou o expediente para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (v. acórdão de fls. 83/88).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Assiste razão ao Ilustre Suscitante, com a devida vênia do Douto Suscitado.

Isto porque o comportamento imputado ao sujeito não se trata de simples delito de falsa identidade, mas de verdadeiro uso de documento falso (CP, art. 304 c.c. art. 297).

Destaque-se que o increpado não se limitou a atribuir a si, mentirosamente, dados qualificativos diversos, mas apresentou cédula de identidade com informações de outrem, contendo sua fotografia.

O eminente Damásio de Jesus, em seu Código Penal Anotado (12.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002, pág. 939), ensina ser o crime do art. 307 do CP expressamente subsidiário, não se aplicando quando o agente insere sua fotografia em documento alheio (ou preenchido com dados de outrem); caso dos autos.

A jurisprudência também segue a mesma orientação:

 

HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO - ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. NÃO-APRESENTAÇÃO AOS AGENTES POLICIAIS. INCURSÃO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. AUTODEFESA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. QUESTÃO PREJUDICADA. ORDEM DENEGADA.

1. A apresentação, ou não, de documentos falsos aos agentes policiais é circunstância que não pode ser revista, pois demanda incursão no acervo fático-probatório dos autos, medida inviável em sede de habeas corpus.

2. A utilização de documento falso para escamotear a condição de foragido, não descaracteriza o delito de uso de documento falso - art. 304 do CP. Inaplicável nestas circunstâncias a tese de autodefesa cuja utilização restringe-se ao delito previsto no art. 307 do Código Penal. Precedentes do STF.

3. Incompetência da Justiça Federal. Questão prejudicada.

4. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada”.

(STJ, HC n. 205.666/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), 6.ª TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe de 08/09/2011, grifo nosso)

 

Não se cuida, destarte, de simples infração de menor potencial ofensivo, mas de delito de competência do juízo comum.

Por todo o exposto, conheço do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para atuar no feito incumbe ao Douto Suscitado.

Considerando, por fim, que o subscritor da manifestação de fls. 48/50 não se encontra atualmente no exercício do cargo de 12.º Promotor de Justiça de São José dos Campos, se faz desnecessário designar outro representante ministerial para oficiar neste procedimento.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 28 de setembro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

                         

 

 

 

 

 

 

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