Conflito Negativo de Atribuição

Autos n.º 0063101-31.2011.8.26.0000 – Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo

Feito n.º 61.876-25 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal de São José dos Campos

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal de São José dos Campos

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de São José dos Campos

Assunto: competência para apurar crime previsto no Estatuto do Idoso

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME CONTRA IDOSO. PENA MÁXIMA DE QUATRO ANOS (Lei n. 10.741/03, art. 102), QUE EXTRAVASA O ESTREITO PATAMAR DE MATÉRIAS SUBMETIDAS AO CONHECIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ATRIBUIÇÃO DO DOUTO SUSCITANTE.

1.     Cuida-se de apropriação indébita cometida contra idoso, fato capitulado no art. 102 da Lei n. 10.741/03, apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa. O teto punitivo da infração demonstra que a causa não pode ser examinada pelo Juizado Especial Criminal.

2.     O Estatuto do Idoso, em seu art. 94, não ampliou a definição de delito de pequeno potencial ofensivo; a mens legis foi inequivocamente propiciar a tais casos solução expedita, em homenagem à idade avançada do sujeito passivo, ao impor a adoção do procedimento comum sumaríssimo. Em outras palavras, trata-se apenas de regra determinante de rito processual e não de competência de juízo.

3.     Nesse sentido, inclusive, decidiu o Augusto Pretório Excelso quando, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.096, relatada pela eminente Ministra Carmem Lúcia, deu ao dispositivo legal epigrafado interpretação conforme à Constituição, nos termos em que acima propugnamos. Eis a ementa do v. acórdão: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 39 E 94 DA LEI 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO). RESTRIÇÃO À GRATUIDADE DO TRANSPORTE COLETIVO. SERVIÇOS DE TRANSPORTE SELETIVOS E ESPECIAIS. APLICABILIDADE DOS PROCEDIMENTOS PREVISTOS NA LEI 9.099/1995 AOS CRIMES COMETIDOS CONTRA IDOSOS. 1. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.768/DF, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o art. 39 da Lei 10.741/2003. Não conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade nessa parte. 2. Art. 94 da Lei n. 10.741/2003: interpretação conforme à Constituição do Brasil, com redução de texto, para suprimir a expressão "do Código Penal e". Aplicação apenas do procedimento sumaríssimo previsto na Lei n. 9.099/95: benefício do idoso com a celeridade processual. Impossibilidade de aplicação de quaisquer medidas despenalizadoras e de interpretação benéfica ao autor do crime. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme à Constituição do Brasil, com redução de texto, ao art. 94 da Lei n. 10.741/2003” (STF, ADI n. 3.096, Relatora  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 16/06/2010; grifo nosso).

Solução: conheço do conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição incumbe ao Douto Suscitado.

 

Cuida-se o presente de conflito negativo de atribuição entre os Representantes Ministeriais oficiantes no âmbito da Promotoria de Justiça de São José dos Campos, que divergem acerca da aplicação aos fatos da Lei n. 9.099/95.

O procedimento inquisitivo foi remetido, inicialmente, à MM. 2ª Vara Criminal da Comarca, tendo o respectivo Membro do Ministério Público postulado o envio do expediente ao Juizado Especial Criminal (fls. 15).

O Douto Representante do Parquet atuante no mencionado órgão judicial discordou do encaminhamento e requereu ao MM. Juiz que suscitasse conflito negativo de competência perante o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 25/27).

A medida foi acatada judicialmente (fls. 28), prosseguindo os autos ao Augusto Tribunal Bandeirante.

A Colenda Câmara Especial, contudo, não conheceu do incidente, e, identificando tratar-se de verdadeiro conflito negativo de atribuições, encaminhou o expediente para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (cf. v. acórdão de fls. 47/50).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Assiste razão ao Ilustre Suscitante, com a devida vênia do Douto Suscitado.

Deve-se ponderar que inexiste controvérsia acerca do enquadramento legal dos fatos, vez que ambos os Promotores de Justiça expressamente consignaram que se trata de apropriação indébita especial, tipificada no art. 102 do Estatuto do Idoso.

A divergência diz respeito à interpretação do art. 94 da mencionada Lei, o qual determina que:

 

“Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”.

 

Deve-se enfatizar que o Estatuto do Idoso jamais pretendeu ampliar o conceito de delito de pequeno potencial ofensivo quando, em seu art. 94, determinou a aplicação do procedimento sumaríssimo às infrações praticadas em detrimento de indivíduos com idade igual ou superior a sessenta anos. A mens legis foi inequivocamente propiciar a tais casos solução expedita, em homenagem à idade avançada do sujeito passivo. Em outras palavras, trata-se apenas de regra determinante de rito processual e não de competência de juízo.

Nesse sentido, inclusive, decidiu o Augusto Pretório Excelso quando, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.096, relatada pela eminente Ministra Carmem Lúcia, deu ao dispositivo legal epigrafado interpretação conforme à Constituição, nos termos em que acima propugnamos.

Eis a ementa do v. acórdão:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 39 E 94 DA LEI 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO). RESTRIÇÃO À GRATUIDADE DO TRANSPORTE COLETIVO. SERVIÇOS DE TRANSPORTE SELETIVOS E ESPECIAIS. APLICABILIDADE DOS PROCEDIMENTOS PREVISTOS NA LEI 9.099/1995 AOS CRIMES COMETIDOS CONTRA IDOSOS. 1. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.768/DF, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o art. 39 da Lei 10.741/2003. Não conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade nessa parte. 2. Art. 94 da Lei n. 10.741/2003: interpretação conforme à Constituição do Brasil, com redução de texto, para suprimir a expressão "do Código Penal e". Aplicação apenas do procedimento sumaríssimo previsto na Lei n. 9.099/95: benefício do idoso com a celeridade processual. Impossibilidade de aplicação de quaisquer medidas despenalizadoras e de interpretação benéfica ao autor do crime. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme à Constituição do Brasil, com redução de texto, ao art. 94 da Lei n. 10.741/2003”.
(STF, ADI n. 3.096, Relatora  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 16/06/2010; grifo nosso)

 

Diante do exposto, dirimo o presente conflito declarando competir a atribuição ao Douto Suscitado, sendo desnecessário designar outro Membro para oficiar nos autos.

Não se pode olvidar, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, que, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (Regime Jurídico do Ministério Público no Processo Penal, São Paulo, Editora Verbatim, 2009, p. 155; parêntese nosso).

 

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 18 de outubro de 2011.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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