Conflito Negativo de Atribuição

 

Processo n.º 0122269-61.2011.8.26.0000

Autos n.º 1.159/11- MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Taubaté

Suscitante: 5.º Promotor de Justiça de Taubaté

Suscitado: 7.º Promotor de Justiça de Taubaté

Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/06)

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. DENÚNCIA NÃO OFERTADA. DIVERGÊNCIA RELACIONADA À DEFINIÇÃO DA OPINIO DELICTI E DA AUTORIDADE A QUEM INCUMBE FAZÊ-LO. CRIME DE AMEAÇA (CP, ART. 147). CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA SUBSUNÇÃO DO ATO À LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06). RELAÇÃO AMOROSA CONSISTENTE EM NAMORO, POR APROXIMADAMENTE DOIS ANOS, SEM COABITAÇÃO. ATO MOTIVADO PELA IRRESIGNAÇÃO COM O TÉRMINO DO RELACIONAMENTO. HIPÓTESE QUE SE ENQUADRA NA MENCIONADA LEI ESPECIAL.

1.     O procedimento foi encaminhado, de início, ao Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a forma de conflito negativo de competência, porém a Colenda Câmara Especial não o conheceu, determinando acertadamente a remessa dos autos para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça.

2.     Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, o conflito negativo de atribuição entre membros do Ministério Público dá-se quando um deles nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

3.     Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

4.     No mérito, a razão está com o Douto Suscitante. Cuida-se da apuração da prática de delito contra a pessoa por parte do agente, o qual teve como opróbrio motivador a irresignação com o término do relacionamento amoroso que manteve com a ofendida por dois anos.

5.     Ressalte-se que a definição de violência doméstica, no que diz respeito à incidência da citada Lei, consta de seu art. 5.º: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Os incisos do dispositivo deixam claro que o fato pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III).

6.     As características do fato, consoante narradas pela vítima, sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06. A circunstância de não terem os envolvidos mantido união estável ou constituído matrimônio não afasta, de per si, a aplicação de tal diploma legal, uma vez que não se exige coabitação por parte do casal.

7.     É de notar-se que, no presente feito, ficou incontroversa a relação afetiva do autor do fato com o sujeito passivo. A questão se subsume, repise-se, à Lei Maria da Penha. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, já decidiu que: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. VIOLÊNCIA COMETIDA EM RAZÃO DO INCONFORMISMO DO AGRESSOR COM O FIM DO RELACIONAMENTO. CONFIGURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. APLICAÇÃO DA LEI 11.340/2006. COMPETÊNCIA DO SUSCITADO”. (CC n. 103.813/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe de 03/08/2009).

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar neste procedimento incumbe ao Douto Suscitado.

 

O presente inquérito policial foi instaurado para apurar suposto crime de ameaça (art. 147 do CP) cometido, em tese, por (...), no dia 03 de abril de 2011, no período da manhã, na residência situada à Rua Enriqueta, n. 46, bairro Estiva, Comarca de Taubaté.

Encerradas as providências de polícia judiciária, o Ilustre Promotor de Justiça postulou o encaminhamento da causa ao Juizado Especial Criminal, por considerar inaplicável à espécie a Lei Maria da Penha (fls. 12/14 e 42/44).

O competente Membro do Parquet oficiante na esfera do JECRIM, de sua parte, discordou do envio e requereu a restituição dos autos à Vara de origem, facultada a suscitação de eventual conflito negativo de atribuições (fls. 16/17 e 46/47).

O MM. Juiz, então, suscitou conflito negativo de competência (fls. 03/05 e 29/31), mas a Colenda Câmara Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não conheceu da medida, determinando a remessa dos autos para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 51/56).

Eis a síntese do necessário.

Deve-se ponderar, preliminarmente, que se encontra configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça, consoante decidiu a Augusta Corte Bandeirante.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Trata-se o expediente da apuração da prática de delito contra a pessoa por parte do agente, o qual teve como opróbrio motivador a irresignação com o término do relacionamento amoroso que manteve com a ofendida por dois anos.

Há prova segura do cometimento do ilícito, bem como do móvel (conforme depoimentos de fls. 05/06, 09, 37/38 e 41), tendo a vítima, inclusive, postulado a concessão de medidas protetivas de urgência (fls. 09/10 e 39/40).

Parece-nos, portanto, que o caso se submete aos preceitos da Lei n. 11.340/06.

Ressalte-se que a definição de violência doméstica, no que diz respeito à incidência da citada Lei, consta de seu art. 5.º:

 

“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

 

Os incisos do dispositivo deixam claro que o fato pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III, grifo nosso).

As características do fato, consoante narradas pela vítima, sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06. A circunstância de não terem os envolvidos mantido união estável ou constituído matrimônio não afasta, de per si, a aplicação de tal diploma legal, uma vez que não se exige coabitação por parte do casal.

É de notar-se que, no presente feito, ficou incontroversa a relação afetiva do autor do fato com o sujeito passivo.

A questão se subsume, repise-se, à Lei Maria da Penha.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, já decidiu que:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. VIOLÊNCIA COMETIDA EM RAZÃO DO INCONFORMISMO DO AGRESSOR COM O FIM DO RELACIONAMENTO. CONFIGURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. APLICAÇÃO DA LEI 11.340/2006. COMPETÊNCIA DO SUSCITADO.

1. Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim de relação de namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima.

2. In casu, a hipótese se amolda perfeitamente ao previsto no art. 5º, inciso III, da Lei nº 11.343/2006, já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que o agressor conviveu com a ofendida por vinte e quatro anos, ainda que apenas como namorados, pois aludido dispositivo legal não exige a coabitação para a configuração da violência doméstica contra a mulher.

(...)”.

(CC n. 103.813/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe de 03/08/2009)

 

Diante disso, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar neste procedimento incumbe ao Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa. Cumpra-se.

 

São Paulo, 11 de janeiro de 2012.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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