Conflito Negativo de Atribuição

Processo n.º 0185082-56.2013.8.26.0000

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial de São José dos Campos

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de São José dos Campos

Assunto: correto enquadramento dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Furto privilegiado tentado (CP, art. 155, §2º, c.c. art. 14, II). Infração penal de menor potencial ofensivo. Atribuição da Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal.

1. Dentre os benefícios previstos em lei para o furto privilegiado, o menos favorável ao agente consiste na substituição da pena de reclusão pela de detenção. Referida benesse, com a Reforma da Parte Geral havida em 1984, tornou-se inócua, tanto assim que não tem qualquer aplicação prática.

2. A tendência de unificação das sanções privativas de liberdade mostra-se cada vez mais evidente na legislação brasileira, podendo citar-se, como exemplo, a Lei n. 11.719/08, que deixou de considerar a espécie de pena de prisão como critério distintivo do rito processual, adotando, em seu lugar, parâmetro quantitativo (isto é, a pena máxima cominada ao delito).

3. Com a revogação tácita do benefício consistente em substituição da reclusão pela detenção, a pena máxima do furto privilegiado passa a ser de dois anos e oito meses. Na hipótese de tentativa, incidirá outra causa de redução (CP, arts. 14, II e 68, par. ún.), o que tornará o fato crime de menor potencial ofensivo.

4. A análise da jurisprudência dos tribunais superiores, ademais, recomenda que se adote, com respeito a subtrações de bens de pequeno valor, postura intermediária, até para evitar a indiscriminada aplicação do princípio da insignificância, o que deixaria sem resposta penal diversos comportamentos que, apesar de pouco expressivos economicamente, perturbam a sociedade.

Solução: conhece-se do conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitante, isto é, à Promotoria dos Juizados Especiais Criminais.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração da conduta perpetrada por (...), no dia 22 de julho de 2013, aproximadamente 21 horas e 30 minutos, no interior do estabelecimento comercial situado à Praça Padre João, n.º 34, Centro, Comarca de São José dos Campos.

Isto porque, segundo consta dos autos, aproveitando-se de um roubo que estava sendo cometido por três indivíduos não identificados, acessou o caixa da empresa e subtraiu algumas moedas, no total de R$ 1,55 (um real, cinquenta e cinco centavos).

(...), dono do bar, e (...), o qual teve seus bens retirados pelas pessoas acima mencionadas, asseveraram que (...) não se encontrava em companhia dos agentes (fls. 11 e 13).

Em seu interrogatório, o autor negou a conduta imputada (fl. 14).

Encerradas as providências inquisitivas, o Ilustre Promotor de Justiça Criminal, entendendo configurado o delito de furto privilegiado tentado (CP, art. 155, §2.º, c.c. art. 14, II), postulou o encaminhamento do feito ao Juizado Especial (fls. 35/39).

O Douto Representante Ministerial que o recebeu, discordando do posicionamento de seu antecessor, requereu fosse suscitado conflito de competência (fls. 45/47), pleito este deferido (fl. 48).

O Eminente Desembargador SILVEIRA PAULILO, Presidente da Seção de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não conheceu do incidente, remetendo a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 50/53).

É a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que se encontra devidamente configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça, como explanado pela Augusta Corte Bandeirante.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Em que pese as ponderações do Ilustre Suscitante, a razão se encontra com o Douto Suscitado.

Isto porque não se cuida de investigado reincidente, muito embora apresente condenação anterior. A não-caracterização da recidiva se dá por ter sido interposto recurso em face da decisão de primeiro grau.

Nesse contexto, não há obstáculo, a princípio, para a aplicação do privilégio, justificando, destarte, a postura adotada no âmbito da Promotoria Criminal.

Com efeito, desde a decisão proferida no Protocolado n. 38.620/09 – PGJ, cuja ementa ora se transcreve, sustenta este Órgão que a figura privilegiada contida no art. 155 do CP – quando tentada – constitui infração de competência dos Juizados Especiais:

 

“Ementa: Conflito negativo de atribuições. Furto privilegiado tentado (CP, art. 155, §2º, c.c. art. 14, II). Infração penal de menor potencial ofensivo. Atribuição da Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal.

1. Dentre os benefícios previstos em lei para o furto privilegiado, o menos favorável ao agente consiste na substituição da pena de reclusão pela de detenção. Referida benesse, com a Reforma da Parte Geral havida em 1984, tornou-se inócua, tanto assim que não tem qualquer aplicação prática.

2. A tendência de unificação das sanções privativas de liberdade mostra-se cada vez mais evidente na legislação brasileira, podendo citar-se, como exemplo, a Lei n. 11.719/08, que deixou de considerar a espécie de pena de prisão como critério distintivo do rito processual, adotando, em seu lugar, parâmetro quantitativo (isto é, a pena máxima cominada ao delito).

3. Com a revogação tácita do benefício consistente em substituição da reclusão pela detenção, a pena máxima do furto privilegiado passa a ser de dois anos e oito meses. Na hipótese de tentativa, incidirá outra causa de redução (CP, arts. 14, II e 68, par. ún.), o que tornará o fato crime de menor potencial ofensivo.

4. A análise da jurisprudência dos tribunais superiores, ademais, recomenda que se adote, com respeito a subtrações de bens de pequeno valor, postura intermediária, até para evitar a indiscriminada aplicação do princípio da insignificância, o que deixaria sem resposta penal diversos comportamentos que, apesar de pouco expressivos economicamente, perturbam a sociedade.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao i. Suscitante, isto é, à Promotoria dos Juizados Especiais Criminais”.

 

É forçoso reconhecer, portanto, a atribuição do Ilustre Suscitante.

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a este compete a responsabilidade de formar a opinião delitiva.

Afigura-se desnecessária a designação de outro promotor de justiça para atuar no feito, pois não se vislumbrou menoscabo à sua independência funcional.

Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, examinando conflitos de atribuição:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (Regime Jurídico do Ministério Público no Processo Penal, São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155); parêntese nosso.

 

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 25 de novembro de 2013.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

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