Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 101.224/13

Autos n.º 974/13 - MM. Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto

Suscitante: Promotor de Justiça oficiante junto à 2ª Vara Criminal de Ribeirão Preto

Suscitado: Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal de Ribeirão Preto

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos (ameaça ou coação no curso do processo)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORES DE JUSTIÇA CRIMINAL E DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344) OU AMEAÇA (CP, ART. 147). FATO OCORRIDO APÓS O TÉRMINO DO PROCESSO, APARENTEMENTE DESVINCULADO AO FAVORECIMENTO DE INTERESSE PRÓPRIO OU ALHEIO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO RELATIVO AO DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET RESPONSÁVEL PELO EXAME DO CRIME SUBSIDIÁRIO.

1.   A divergência reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo. O delito contra a administração da Justiça é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal. Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. A conduta típica consiste em usar violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse próprio ou de terceiro, contra autoridade, parte ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte), ou, ainda, b) a grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto). O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade livre e consciente de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

2.   No tocante à ameaça, a sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo. Tal infração não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo. O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

3.   No caso em tela, a vítima, em princípio, atuou como advogado do próprio autor do fato e de sua ex-mulher, em ação de separação consensual já extinta, com julgamento de mérito, por ocasião da prática do crime. Inexistência do especial fim de agir consistente na finalidade de favorecer interesse próprio ou de terceiro. Inexistência de processo judicial, policial ou administrativo. Subsiste, destarte, apenas o delito subsidiário ou famulativo.

Conclusão: conheço do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitado.

 

Cuida-se de termo circunstanciado, visando à apuração da prática, em tese, do crime de ameaça (CP, art. 147), supostamente cometido por (...).

O Douto Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal, ao receber o procedimento, vislumbrou a prática do delito de coação no curso do processo (CP, art. 344), diante da presença do elemento essencial do delito contra a administração da justiça, ou seja, o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, pugnando, assim, por sua distribuição a uma das varas criminais da comarca de Ribeirão Preto (fls. 11).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordando do posicionamento de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 14/15).

Eis a síntese do necessário.

 

Preliminarmente

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

 

Dos fatos

Segundo se apurou, no dia 31 de agosto de 2011, (...) encontrou-se com sua ex-mulher, (...), no “Novo Shopping”, na cidade de Ribeirão Preto. Lá, ele a presenciou cumprimentando o advogado, (...), que os havia representado em ação de separação consensual.

(...), na ocasião, conversava com o pai e outros familiares de (...). Quando, contudo, o advogado se afastou, (...) aproximou-se de (...) e proferiu ameaça, nos seguintes termos: “quem é aquele homem, não gosto desse cara, se vocês continuarem com esse assunto de patrimônio, eu acabo com esse cara, só você tá me ouvindo... eu mato esse cara”. DANIELLE, assustada, afastou-se do ex-marido e posteriormente relatou os fatos para o advogado (fls. 06).  

Esses fatos foram confirmados pela vítima, (...)(fls. 05).

Ouvido, (...) negou ter ameaçado (...), afirmando que este também atuou como seu advogado na ação de separação consensual. Aduziu, ainda, que desconhecia o motivo pelo qual (...) lhe estava imputando a prática do delito (fls. 08).

 

Do enquadramento legal

A divergência surgida neste procedimento, consoante se antecipou, reside em definir se houve crime de ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo, ou coação no curso do processo (CP, art. 344).

O delito contra a administração da Justiça consiste em:

 

“Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”

 

O fato é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal.

Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral.

A conduta típica consiste em usar (utilizar-se de) violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse (moral ou material) próprio ou de terceiro, contra autoridade (magistrado, membro do Ministério Público, delegado de polícia etc.), parte (p. ex., autor, réu, reclamante, reclamado, querelante, querelado, assistente de acusação) ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir (p. ex., jurado, perito, testemunha, vítima etc.) em processo judicial (de qualquer natureza: civil, trabalhista ou penal), policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Pode-se citar como exemplo o ato do acusado que profere ameaças e promessas de vingança contra juiz durante audiência ou, ainda, o parente do réu que intimida as testemunhas convocadas a depor pela acusação, a fim de que se retratem.

São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte), ou, ainda, b) a grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto).

O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade livre e consciente de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

No tocante à ameaça, dá-se tal crimen quando o agente:

 

“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”

 

A sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo.

A ameaça não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo.

O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

No caso em tela, o autor do fato, em princípio, proferiu dizeres ameaçadores contra o próprio advogado, que atuou na ação de separação consensual promovida pelo casal, já extinta – ao que tudo indica - por ocasião dos fatos.

Não se pode, pois, afirmar que o autor do fato agiu com a finalidade de favorecer interesse próprio ou alheio, ou que sua conduta ofendeu a Administração Pública e, mais especificamente, a Administração da Justiça (bem jurídico tutelado pela norma contida no artigo 344 do Código Penal).

Demais, não havia processo judicial, policial ou administrativo, elementos objetivos do tipo.

Em nosso modo de ver, desta feita, subsiste apenas o delito subsidiário ou famulativo.

 

Conclusão

Diante do exposto, conheço do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para atuar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

 

São Paulo, 11 de julho de 2013.

 

MARCIO FERNANDO ELIAS ROSA

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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