Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 121.189/13

Autos n.º 2.209/13 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal do Foro Regional de Santo Amaro (Comarca da Capital)

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal de Santo Amaro

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Santo Amaro

Autores do fato: (...)

Assunto: divergência sobre o enquadramento legal dos fatos (violação de domicílio ou tentativa de furto)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO (CP, ART. 150) OU FURTO QUALIFICADO TENTADO (CP, ART. 155, §4º, IV, C.C. ART. 14, II). CONTROVÉRSIA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO E DA PRÁTICA DE ATOS DE EXECUÇÃO DA INFRAÇÃO PATRIMONIAL. PROCEDIMENTO ENCAMINHADO AO JECRIM PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA OFICIANTE NO JUÍZO COMUM. DISCORDÂNCIA DA REMESSA, MANIFESTADA EM PEDIDO DE ARQUIVAMENTO NO TOCANTE AO DELITO DE FURTO, COM PLEITO DE ENVIO PARA ANÁLISE DE INFRAÇÃO REMANESCENTE. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO DO ENQUADRAMENTO TÍPICO INICIAL. FURTO TENTADO DEVIDAMENTE CARACTERIZADO.

 

1.      Cuida-se de investigação penal na qual se apurou terem os autores do fato sido surpreendidos no interior de um pátio de veículos, retirando destes diversas peças, com o nítido escopo de subtrai-las, desiderato frustrado pela eficaz ação policial.

2.      O Promotor de Justiça Criminal, porém, afirmou revelar-se atípico o comportamento dos agentes e requereu o arquivamento do feito. O pedido foi deferido, com encaminhamento do procedimento ao Juizado Especial para avaliação de possível delito remanescente.

3.      Há duas questões que subjazem deste expediente. É preciso fixar, em primeiro lugar, se a definição do enquadramento legal da conduta como crime patrimonial constitui matéria preclusa e, portanto, pode ou não influir na determinação da atribuição ministerial. Em caso afirmativo, deve-se estabelecer se os elementos informativos são aptos a demonstrar o delito-fim.

4.      Com relação ao primeiro tópico, parece-nos que não cabe falar em preclusão do enquadramento jurídico do ato perpetrado. Ainda que tenha havido, impropriamente, ressalte-se, o arquivamento do expediente sob tal ótica, a matéria ainda não se encontra definida. Isto porque eventual discordância entre membros ministeriais acerca da tipificação jurídica de fato único, com reflexo na atribuição funcional, dá ensejo a inegável conflito de atribuição, a ser dirimido pela Procuradoria-Geral de Justiça. Situação semelhante ocorre, mutatis mutandis, quando dois ou mais órgãos judiciais divergem a respeito da natureza do crime, com repercussão na competência ratione materiae para o processo e julgamento dos fatos. Nestes casos, não se pode argumentar que o enquadramento inicialmente efetuado se torna matéria preclusa, mesmo existindo decisão judicial assim o reconhecendo. Confira-se, nesse sentido: HC 103.335/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP, STJ, 6.ª TURMA, julgado em 18/06/2009, DJe de 03/08/2009 e HC 43.583/MS, STJ, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 5ª TURMA, julgado em 27/09/2005, DJ de 24/10/2005, p. 356.

5.      Obtempere-se, ademais, que padecem de contradição lógica as manifestações exaradas pelo Parquet e MM. Juízo. Explica-se: em sendo correta a tese de que inexistiu crime patrimonial, cessa a atribuição ministerial e a competência judicial para formar e acatar a opinião delitiva. Significa dizer que, ou se trata de órgão judicial adequado para o exame da matéria, cabendo-lhe, em consequência, analisar eventual pedido de arquivamento, ou lhe falece tal competência, situação na qual deve encaminhar a causa para o juiz natural. Somente se pode falar em arquivamento do procedimento investigatório quando da análise do fato resulta a impossibilidade de ajuizamento da denúncia. Se, entretanto, verificar-se que, a despeito da suposta falta de atribuição ministerial, a conduta possui caráter criminoso, como ocorreu in casu, cumpre ao Promotor de Justiça declinar de sua atribuição e requerer a remessa do feito ao órgão competente. A respeito do tema, os arts. 1.º e 2º do Ato Normativo n. 50/95. Nota-se, portanto, que restou instaurado conflito negativo de atribuição.

6.      Definida a questão preliminar, passa-se à análise do enquadramento típico. O ponto fulcral reside em saber se os elementos informativos são idôneos a revelar a subsistência do crime-fim sobre a infração-meio. A resposta nos parece afirmativa. Isto porque houve o cometimento de atos característicos da infração patrimonial e inequivocamente voltados à inversão do ânimo da posse quanto às peças automotivas. Ressalte-se que a Polícia surpreendeu os agentes no interior do pátio, depois de terem retirados várias peças dos automóveis, mas antes de levá-las, impedindo-os, em face disto, de concretizar seu propósito.

 

Solução: conhece-se do presente conflito, dirimindo-se-o, com o fim de declarar que a formação da opinião delitiva incumbe ao Douto Promotor de Justiça Suscitado.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta dos indivíduos retro epigrafados, a quem se atribuiu, inicialmente, furto qualificado tentado (CP, art. 155, §4.º, inc. IV).

Dos elementos de informação reunidos infere-se que os agentes foram surpreendidos no interior de um pátio de veículos retirando destes diversas peças, com o nítido escopo de subtrai-las, desiderato frustrado pela eficaz ação policial.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça oficiante junto ao Juízo Criminal Comum requereu o arquivamento dos autos, por considerar atípico o ato perpetrado pelos sujeitos (fls. 154/156).

O pleito foi acolhido, determinando-se o envio do caso ao Juizado Especial, para análise de eventual infração remanescente (fls. 157).

O competente Membro do Parquet destinatário, então, houve por bem suscitar o presente conflito, pois lhe pareceu configurada a infração patrimonial anteriormente descartada (fls. 173/174).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a vinda do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Há duas questões que subjazem deste expediente.

É preciso fixar, em primeiro lugar, se a definição do enquadramento legal da conduta como crime patrimonial constitui matéria preclusa e, portanto, pode ou não influir na determinação da atribuição ministerial. Em caso afirmativo, deve-se estabelecer se os elementos informativos são aptos a demonstrar o delito-fim.

Com relação ao primeiro tópico, parece-nos que não cabe falar em preclusão do enquadramento jurídico do comportamento.

Ainda que tenha havido, impropriamente, ressalte-se, o arquivamento do expediente sob tal ótica, a matéria ainda não se encontra definida.

Isto porque eventual discordância entre membros ministeriais acerca da tipificação jurídica de fato único, com reflexo na atribuição funcional, dá ensejo a inegável conflito de atribuição, a ser dirimido pela Procuradoria-Geral de Justiça.

Situação semelhante ocorre, mutatis mutandis, quando dois ou mais órgãos judiciais divergem a respeito da natureza do crime, com repercussão na competência ratione materiae para o processo e julgamento dos fatos. Nestes casos, não se pode argumentar que o enquadramento inicialmente efetuado se torna matéria preclusa, mesmo existindo decisão judicial assim o reconhecendo.

        

Confira-se, nesse sentido, decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

HABEAS CORPUS IMPETRADO PELO PROMOTOR PÚBLICO. ADMISSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. JUIZ DO JÚRI DESCLASSIFICOU OS FATOS PARA CRIME DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO SINGULAR. DÚVIDA QUANTO À EXISTÊNCIA DE "ANIMUS NECANDI" NA CONDUTA DO DENUNCIADO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO POR CONSIDERAR COMPETENTE O TRIBUNAL DO JÚRI PARA JULGAMENTO DA CAUSA. TRIBUNAL ESTADUAL CONHECE DO CONFLITO E APONTA O JUÍZO SUSCITADO COMO O COMPETENTE. HABEAS CORPUS IMPETRADO PELO PROMOTOR CONTRA DECISÃO DO TRIBUNAL ESTADUAL. ORDEM DENEGADA.

(...)

2. Mesmo à míngua de recurso da acusação e da defesa, a decisão desclassificatória para crime de competência do juízo singular pode ser contestada por este último.

3. Conflito de competência conhecido pelo Tribunal estadual que aponta o juiz do Tribunal do Júri, o suscitado, como competente.

4. Excesso de linguagem do acórdão não reconhecido.

5. Ordem conhecida, mas denegada”.

(STJ, HC 103.335/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI -  DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP, 6.ª TURMA, julgado em 18/06/2009, DJe de 03/08/2009; grifo nosso).

 

HABEAS CORPUS. JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO. REMESSA AO JUÍZO COMUM. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. DECISÃO DO PRIMEIRO JUÍZO. NÃO VINCULAÇÃO DO JUÍZO RECEBEDOR.

Na linha do que dispõem os arts. 114 e 115 do Código de Processo Penal, o conflito pode ser aventado pelas partes e pelos juízos em dissídio, desde que, no caso destes, não concordem, de imediato, com a competência para julgar o caso (conflito negativo).

Portanto, não se pode aceitar a coisa julgada da decisão do primeiro juízo, sob pena de considerar a possibilidade de julgamento do caso por juiz absolutamente incompetente, longe da órbita do Juiz Natural.

Ordem denegada”.

(STJ, HC 43.583/MS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 5ª TURMA, julgado em 27/09/2005, DJ de 24/10/2005, p. 356; grifo nosso).

 

Obtempere-se, ademais, que padecem de contradição lógica as manifestações exaradas pelo Parquet e MM. Juízo. Explica-se: em sendo correta a tese de que inexistiu crime patrimonial, cessa a atribuição ministerial e a competência judicial para formar e acatar a opinião delitiva.

Significa dizer que, ou se trata de órgão judicial adequado para o exame da matéria, cabendo-lhe, em consequência, analisar eventual pedido de arquivamento, ou lhe falece tal competência, situação na qual deve encaminhar a causa para o juiz natural.

Somente se pode falar em arquivamento do procedimento investigatório quando da análise do fato resulta a impossibilidade de ajuizamento da denúncia.

Se, entretanto, verificar-se que, a despeito da suposta falta de atribuição ministerial, a conduta possui caráter criminoso, como ocorreu in casu, cumpre ao Promotor de Justiça declinar de sua atribuição e requerer a remessa do feito ao órgão competente. A respeito do tema, os arts. 1.º e 2º do Ato Normativo n. 50/95. Nota-se, portanto, que restou instaurado conflito negativo de atribuição.

Definida a questão preliminar, passa-se à análise do enquadramento típico.

O ponto fulcral reside em saber se os elementos informativos são idôneos a revelar a subsistência do crime-fim sobre a infração-meio. A resposta nos parece afirmativa. Isto porque houve o cometimento de atos característicos da infração patrimonial e inequivocamente voltados à inversão do ânimo da posse quanto às peças automotivas.

Ressalte-se que a Polícia surpreendeu os agentes no interior do pátio, depois de terem retirados várias peças dos automóveis, mas antes de levá-las, impedindo-os, em face disto, de concretizar seu propósito.

A atribuição, destarte, recai sobre o Douto Suscitado.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a formação da opinião delitiva incumbe ao Promotor de Justiça acima citado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro membro ministerial para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos, cumprindo-lhe interpor os recursos cabíveis na hipótese de sucumbência.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 16 de agosto de 2013.

 

 

                Márcio Fernando Elias Rosa

                                         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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