Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 127.482/13

Autos n. 595/13 – MM. Juízo da 2.ª Vara do Júri do Foro Central da Capital

Suscitante: Promotoria de Justiça do II Tribunal do Júri da Capital

Suscitado: 1.º Promotor de Justiça Militar da Capital

Assunto: divergência a respeito do enquadramento legal dos fatos

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORIA DE JUSTIÇA MILITAR E PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO II TRIBUNAL DO JÚRI DA CAPITAL. DIVERGÊNCIA A RESPEITO DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO FATO: CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA (PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL) OU LESÃO CORPORAL. HIPÓTESE EM QUE, EM SUPOSTO REVIDE, O MILICIANO DISPAROU UM TIRO CONTRA O OFENDIDO, SOCORRENDO-O EFICAZMENTE EM SEGUIDA. INCIDÊNCIA À ESPÉCIE DA CAUSA DE EXCLUSÃO DA ADEQUAÇÃO TÍPICA DO CONATUS PROXIMUS PREVISTA NO ART. 15 DO CP (DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA). INEXISTÊNCIA DE DELITO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL POPULAR. ATRIBUIÇÃO, PORTANTO, DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA MILITAR.

1.     Na hipótese dos autos, os policiais militares foram acionados para apurar notícia de que um veículo produto de roubo trafegava nas proximidades da Av. Casa Verde, nesta Capital. Os agentes públicos se dirigiram ao local indicado, avistando o automóvel, ocupado por quatro indivíduos. Seu condutor, ao vê-los, empreendeu fuga, colidindo com um poste de iluminação e, do seu interior, partiu um tiro na direção dos servidores. Os suspeitos, após, se evadiram a pé, e o policial investigado passou a perseguir dois deles, momento em que um dos sujeitos efetuou disparo de arma de fogo contra o miliciano, o qual deflagrou dois projéteis, em revide, atingindo um deles. O ofendido foi, então, encaminhado pelos servidores ao nosocômio, recebendo pronto e eficaz atendimento médico-hospitalar.

2.     Nota-se, portanto, da breve síntese exposta, que mesmo se fosse possível atribuir ao investigado – inicialmente – um crime doloso contra a vida, a título, quando muito, de dolus eventualis, o que se coloca tão-somente ad argumentandum tantum, os demais atos afastam semelhante conclusão, podendo se cogitar da presença da causa de exclusão da adequação típica do conatus proximus prevista no art. 15 do CP (desistência voluntária). Ressalte-se, nesse sentido, que o indiciado portava pistola com capacidade para quinze cartuchos, mas deflagrou somente dois.

3.     Não cabe falar, desta feita, em delito de competência do Tribunal Popular, mas, in thesi, em lesão corporal dolosa, cumprindo ao Douto Promotor de Justiça Militar formar sua opinião delitiva, inclusive verificando eventual existência de excludente de ilicitude no proceder do policial.

Solução: conflito conhecido e dirimido, a fim de declarar a atribuição da Promotoria de Justiça Militar.

 

 

Cuida-se o presente de conflito negativo de atribuição suscitado pelo Promotor de Justiça do II Tribunal do Júri da Capital em face do 1.º Promotor de Justiça Militar.

Verifica-se nos autos que o Douto Representante do Ministério Público oficiante na esfera da Justiça Castrense requereu o envio do inquérito policial ao Juízo Popular, pois considerou praticado, em tese, crime doloso contra a vida, na forma tentada, por parte de militar em face de civil (fls. 116/117).

O Nobre Membro do Parquet que o recebeu, porém, reconhecendo a incidência à espécie da causa de exclusão da adequação típica do conatus proximus prevista no art. 15 do CP (desistência voluntária), restando configurado, em consequência, o delito de lesão corporal, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 126/128).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o encaminhamento do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado.

Consoante se depreende dos elementos de informação coligidos, os policiais militares (...) e (...) foram acionados pelo COPOM, diante da notícia de que um veículo produto de roubo trafegava nas proximidades da Av. Casa Verde, nesta Capital.

Os agentes públicos se dirigiram ao local indicado, avistando o automóvel, ocupado por quatro indivíduos. Seu condutor, ao vê-los, empreendeu fuga, colidindo com um poste de iluminação e, do seu interior, partiu um tiro na direção dos servidores.

Os suspeitos, após, se evadiram a pé, e (...) passou a perseguir dois deles, momento em que um dos sujeitos efetuou disparo de arma de fogo contra o miliciano, o qual deflagrou dois projéteis, atingindo o menor (...) na região abdominal.

O jovem, que portava um simulacro de arma de fogo, foi levado ao “PA Mandaqui”; em seguida, seus comparsas, entre eles mais dois adolescentes, foram detidos.

Nota-se, portanto, da breve síntese exposta, que mesmo se fosse possível atribuir ao investigado – inicialmente – um crime doloso contra a vida, a título, quando muito, de dolus eventualis, os demais atos afastam semelhante conclusão, podendo se cogitar, inclusive e ad argumentandum tantum, de desistência voluntária (CP, art. 15).

Ressalte-se, outrossim, que o indiciado portava pistola com capacidade para quinze cartuchos, mas deflagrou dois.

Frise-se, não obstante, que o menor (...), coautor do roubo, afirmou que a vítima foi socorrida pelos próprios policiais militares (fls. 100/101)

O feito, assim, deve permanecer sob os cuidados da Promotoria de Justiça Militar.

Não se aplica à espécie, destarte, o disposto no art. 125, §4.º, da CF.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para intervir nos autos recai sobre o Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro representante ministerial para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 26 de agosto de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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