Conflito
Negativo de Atribuição
Protocolado n. 139.268/13
Autos n. 2.093/13 - MM. Juízo da Vara Regional Sul
2 de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca da Capital
Suscitante: Promotoria de Justiça da Vara Regional
Sul 2 de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal do Foro
Regional de Santo Amaro
Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de
violência doméstica ou familiar contra a mulher
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. DENÚNCIA NÃO OFERTADA. DIVERGÊNCIA RELACIONADA À DEFINIÇÃO DA OPINIO DELICTI E DA AUTORIDADE A QUEM INCUMBE FAZÊ-LO. CRIME DE AMEAÇA (CP, ART. 147). CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA SUBSUNÇÃO DO ATO À LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06). UNIÃO ESTÁVEL DISSOLVIDA HÁ APROXIMADAMENTE NOVE MESES. DIVERGÊNCIA QUANTO AO HORÁRIO DE VISITA DOS FILHOS. AMEAÇA DE MORTE. HIPÓTESE QUE SE ENQUADRA NA MENCIONADA LEI ESPECIAL.
1. Cuida-se da apuração de delito contra a pessoa cometido, em tese, por ex-companheiro, o qual não se conformou com a postura da ofendida, que, pelo adiantado da hora, não permitiu que levasse seus filhos.
2. Inconformado, além de se portar de modo inconveniente defronte ao imóvel, a ameaçou de morte. Com a chegada dos policiais, acalmou-se por alguns instantes, mas depois de ver os filhos, tentou fugir com um deles, sendo detido pelos milicianos, oportunidade em que, uma vez mais, prometeu matar a ex-companheira.
3. O fato se enquadra, in thesi, no conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher, para efeito de incidência da Lei n. 11.340/06. De acordo com seu art. 5.º: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Os incisos do dispositivo deixam claro que o fato pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III).
4. As características do comportamento, consoante narradas pela vítima, sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06. Ressalte-se que houve coabitação e filhos em comum em decorrência da união do casal. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em casos relativos a pessoas que mantinham união estável, já decidiu pela aplicação do multicitado Diploma (CC 102.832/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 3ª SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe de 22/04/2009).
5. Há, ainda, possível infração conexa (resistência – CP, art. 329), a qual deve ser examinada na esfera da promotoria especializada, por força de sua vis attractiva.
Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar neste procedimento incumbe ao Douto Suscitado.
Cuida-se de procedimento instaurado visando à apuração da suposta prática dos supostos crimes de ameaça (CP, art. 147) e resistência (CP, art. 329) cometidos, em tese, por (...).
O Ilustre Promotor de Justiça Criminal, vislumbrando hipótese de aplicação da Lei n.º 11.340/06, pleiteou o encaminhamento do expediente à Vara de Violência Doméstica (fl. 12).
O Douto Representante Ministerial nele atuante, discordando do posicionamento de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 16/18).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do feito a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.
Pois bem.
A razão se encontra com o Douto Suscitado, com a máxima vênia do Ilustre Suscitante.
A controvérsia reside em determinar se ao fato objeto desta investigação incide a Lei Maria da Penha; a resposta se afigura afirmativa.
Conforme se depreende dos elementos de informação coligidos, (...), chegando à sua residência, se deparou com o ex-companheiro, de quem estaria separada há aproximadamente nove meses, aduzindo ele que queria ver os dois filhos do casal.
Como já era tarde, ela não o permitiu; (...), então, passou a se comportar de maneira inconveniente defronte ao imóvel, inclusive dizendo que iria matá-la e, para tanto, alegou que no interior de seu carro existiria um facão.
A vítima acionou a Polícia Militar, e o investigado combinou com os agentes públicos que permaneceria por alguns instantes com as crianças e se retiraria após.
No momento aprazado, entretanto, o sujeito negou-se a entregar uma delas, correndo para o interior da casa com ela.
Os milicianos, então, precisaram usar os meios necessários para retirar o indiciado do local sem o menor, vindo este, em seguida, a ameaçar a ofendida novamente.
O increpado, outrossim, confirmou sua conduta, justificando-a pelo nervosismo, acrescentando que não concretizaria suas intimidações (fls. 04/05).
Do quadro exposto deve-se concluir que seu ato se subsume aos termos da Lei Maria da Penha.
A definição de violência doméstica, com efeito, encontra-se no art. 5.º da citada Lei:
“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Os incisos do dispositivo deixam claro que o comportamento pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III; grifo nosso).
As características da atitude sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06.
É de notar-se, neste diapasão, que ficou incontroverso o relacionamento afetivo do autor do fato com o sujeito passivo, possuindo ambos dois filhos em comum.
O Superior Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, já decidiu que:
“CONFLITO
NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
(LEI 11.340/06). AGRESSÃO DE EX-COMPANHEIRO APARENTEMENTE VINCULADA À RELAÇÃO
ÍNTIMA DE AFETO DO AGRESSOR COM A VÍTIMA. LESÃO CORPORAL, INJÚRIA E AMEAÇA.
JUIZADO ESPECIAL E VARA CRIMINAL. PREVISÃO EXPRESSA DE AFASTAMENTO DA LEI DOS
JUIZADOS ESPECIAIS (LEI 9.099/95). ARTS. 33 E 41 DA LEI 11.340/06. PARECER DO
MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL E EXECUÇÃO PENAL DE SÃO
SEBASTIÃO DO PARAÍSO/MG, O SUSCITADO.
1. A Lei 11.340/06 buscou proteger não só a
vítima que coabita com o agressor, mas também aquela que, no passado, já tenha
convivido no mesmo domicílio, contanto que haja nexo entre a agressão e a
relação íntima de afeto que já existiu entre os dois.
2. A conduta atribuída ao ex-companheiro da
vítima amolda-se, em tese, ao disposto no art. 7o., inciso I da Lei 11.340/06,
que visa a coibir a violência física, entendida como qualquer conduta que
ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher, a violência psicológica e a
violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria.
(...)
6. Conflito conhecido, para declarar a competência
do Juízo de Direito da Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do
Paraíso/MG, o suscitado, em conformidade com o parecer ministerial”.
(CC
102.832/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 3.ª SEÇÃO, julgado em
25/03/2009, DJe de 22/04/2009)
Destaque-se, outrossim, que a atribuição da promotoria especializada há de incluir também as infrações conexas.
Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando competir ao Douto Representante Ministerial atuante perante a Vara Especializada a atribuição para intervir nos autos.
Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designa-se outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito.
Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático.
Publique-se a ementa.
São Paulo, 13 de setembro de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
/aeal