Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 140.833/13

Processo n.º 1.033/13 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal do Foro Regional de São Miguel Paulista

Suscitante: 5.º Promotor de Justiça Criminal de São Miguel Paulista

Suscitada: 6.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Assunto: correto enquadramento dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO CORRETO ENQUADRAMENTO DOS FATOS. TENTATIVA DE FURTO (CP, ART. 155, CAPUT, C.C. ART. 14, II) OU ROUBO CONSUMADO (CP, ART. 157, CAPUT). AGENTE QUE ABORDOU A VÍTIMA COM AGRESSIVIDADE, TOMANDO SEU TELEFONE CELULAR, SENDO DETIDO POR POPULARES EM SEGUIDA. APROXIMAÇÃO INTIMIDATIVA CONFIGURADA, ALÉM DA SUPERIORIDADE FÍSICA DO AUTOR SOBRE A OFENDIDA. CONDUTA COMPATÍVEL COM A ELEMENTAR DO ROUBO. ATRIBUIÇÃO DO ILUSTRE REPRESENTANTE MINISTERIAL OFICIANTE PERANTE O JUÍZO COMUM.

1. A vítima encontrava-se em um ponto de ônibus, quando o indiciado a abordou com agressividade, expressa inclusive por meio de seus dizeres.

2. O autor da conduta empregou sobre o sujeito passivo grave ameaça, intimidando-o a entregar-lhe o bem. Seu modo de agir revela-se compatível com a elementar do roubo, justificando, destarte, o oferecimento de denúncia por tal infração.

3. De acordo com o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a adoção de aproximação intimidatória constitui o delito ora excogitado, havendo de se ter em mente, ainda, cuidar-se a ofendida de pessoa do sexo feminino e o agressor do sexo oposto, denotando superioridade física (vide, STJ, AgRg no AREsp 256.213/ES, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 5.ª TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe de 10/06/2013; STJ, AgRg no REsp 1.173.009/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe de 09/10/2012).

4. Com relação ao alegado conatus, afigura-se, em verdade, o contrário, pois o delito atingiu sua fase consumativa. De acordo com o STJ: “Para a consumação dos delitos de furto ou de roubo, basta que, após cessada a violência, ameaça ou a clandestinidade, tenha havido a posse da res furtiva pelo autor do fato. É desinfluente, para tanto, ter havido imediata perseguição policial, não ter ocorrido a posse tranqüila do bem, ou que o objeto do crime tenha saído da esfera de vigilância da vítima.” (HC n. 196.056/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe de 04/09/2013).

5. De mais a ver, mesmo que houvesse dúvida razoável a respeito da capitulação jurídica da conduta, há de se aplicar, nesta fase, o princípio in dubio pro societate (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

Solução: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que compete ao Ilustre Representante Ministerial oficiante junto ao MM. Juízo Comum a atribuição para intervir no caso.

 

Trata-se de investigação penal instaurada visando à apuração do delito de roubo (CP, art. 157, caput) cometido, em tese, por (...)

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça Criminal, em judiciosa manifestação,  ponderou que a conduta do indiciado não foi perpetrada com violência ou grave ameaça e o delito não atingiu a esfera consumativa, configurando-se, assim, tentativa de furto (CP, art. 155, caput, c.c. art. 14, II).

Acrescentou, outrossim, que seria de pequeno valor o objeto subtraído, e o sujeito ativo, primário e possuidor de bons antecedentes.

Vislumbrando, assim, a presença da minorante correspondente ao privilégio, resultando em infração de menor potencial ofensivo, postulou o encaminhamento do feito ao Juizado Especial (fls. 47/70).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordou de seu antecessor, entendendo que o ato do agente se subsumiria ao tipo penal excogitado em sede policial, suscitando, em consequência, conflito negativo de atribuição (fls. 73/74).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Nobre Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado.

Em breve síntese, consta dos autos que, no dia 20 de julho de 2012, a guarda civil metropolitana (...) encontrava-se em um ponto de ônibus, quando o indiciado a abordou com agressividade, dizendo: “me dá seu celular, sua filha da puta, vai, vai”, tomando-lhe o aparelho.

A vítima seguiu atrás do suspeito, gritando “ladrão, ladrão” e ele foi contido por populares, acionando-se a Polícia Militar.

Os milicianos, chegando ao local, constataram que o investigado carregava o bem em suas mãos (fls. 03, 05, 06 e 42).

Em seu interrogatório, o averiguado permaneceu em silêncio (fl. 07).

Nota-se, pela narrativa do sujeito passivo, que o autor da conduta, com sua abordagem virulenta e agressiva, empregou sobre ele grave ameaça, intimidando-o a entregar-lhe o bem.

Seu modo de agir revela-se compatível com a elementar do roubo, justificando, destarte, o oferecimento de denúncia por tal infração.

De acordo com o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a adoção de abordagem intimidatória constitui o delito ora excogitado, havendo de se ter em mente, ainda, cuidar-se a ofendida de pessoa do sexo feminino e o agressor do sexo oposto, denotando superioridade física; senão, vejamos:

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO. ARREBATAMENTO DA COISA. AMEAÇAS VERBAIS. SUPERIORIDADE DE SUJEITOS ATIVOS. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA CONFIGURADAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE FURTO. IMPOSSIBILIDADE. CONCLUSÃO EM SENTIDO CONTRÁRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Esta Corte Superior tem entendimento no sentido de que o arrebatamento de coisa presa ao corpo da vítima que comprometa ou ameace sua integridade física, configurando vias de fato, bem como a prolação de ameaças verbais e a superioridade de sujeitos ativos, são suficientes para a caracterização  das elementares da violência e da grave ameaça, e, em consequência, do crime de roubo.

(...)”.

(STJ, AgRg no AREsp 256.213/ES, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 5.ª TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe de 10/06/2013)

 

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO E DE CORRUPÇÃO DE MENOR. APLICAÇÃO DO ART. 557, CAPUT, DO CPC C.C. ART. 3.º DO CPP. DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA FURTO. IMPROPRIEDADE. EMPREGO DE GRAVE AMEAÇA. EXCLUSÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DO INCISO II DO § 2.º DO ART. 157 DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 182 DESTA CORTE. CORRUPÇÃO DE MENOR. IRRELEVANTE QUE O SUJEITO PASSIVO JÁ TENHA PRATICADO OUTROS ATOS ILÍCITOS. PEDIDO PARA COMINAR A PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

(...)

2. Configura-se o crime de roubo quando a subtração é realizada com o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima. O crime de furto, por sua vez, caracteriza-se quando não há emprego de nenhuma espécie de violência, física ou moral, nem grave ameaça.

3. A gravidade da ameaça, no crime de roubo, deve ser aferida no caso concreto. As condições pessoais da vítima, em relação ao Réu, devem ser consideradas pelo magistrado para aferir a força intimidadora que a caracteriza.

(...)”

(STJ, AgRg no REsp 1.173.009/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe de 09/10/2012; grifos nossos)

 

Com relação ao alegado conatus, parece-nos, igualmente com a máxima vênia do mui competente Suscitado, que se operou o summatum opus.

Com efeito:

“Não há como ser reconhecida a forma tentada na hipótese. Para a consumação dos delitos de furto ou de roubo, basta que, após cessada a violência, ameaça ou a clandestinidade, tenha havido a posse da res furtiva pelo autor do fato. É desinfluente, para tanto, ter havido imediata perseguição policial, não ter ocorrido a posse tranqüila do bem, ou que o objeto do crime tenha saído da esfera de vigilância da vítima. Precedentes. (...)”

(STJ, HC n. 196.056/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe de 04/09/2013; grifo nosso)

 

De mais a ver, mesmo que houvesse dúvida razoável a respeito da capitulação jurídica da conduta, há de se aplicar, nesta fase, o princípio in dubio pro societate. Não é outro, aliás, o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do “in dubio pro societate”.

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio “in dubio pro societate” que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do “animus necandi” não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

3. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos.

(...)”

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

 

Nada impede, por óbvio, que a posterior instrução criminal demonstre o contrário, operando-se a consequente desclassificação do ato.

Diante disto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que compete ao Ilustre Suscitado a atribuição para intervir no caso.

Em respeito à sua opinio delicti, designa-se outro promotor de justiça para atuar no feito em seus ulteriores termos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 18 de setembro de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

/aeal