Conflito
Negativo de Atribuição
Protocolado n. 154.963/12
Autos n. 2.744/12 - MM. Juízo da Vara Regional Sul
1 de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
Suscitante: Promotoria de Justiça da Vara Regional
Sul 1 de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
Suscitada: 5.ª Promotoria de Justiça Criminal do
Foro Central da capital
Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de
violência doméstica ou familiar contra a mulher
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORES DE
JUSTIÇA EM EXERCÍCIO PERANTE O JUIZO COMUM E A VARA REGIONAL DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A).
REVISÃO DE POSICIONAMENTO ANTERIOR DESTA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA.
OFENDIDA DO SEXO FEMININO. HIPÓTESE QUE SE SUBSUME AO ART. 5º, INC. I, DA LEI
N. 11.340/06 E AOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS VOLTADOS À PROTEÇÃO DA MULHER.
ÓRGÃO JUDICIAL ESPECIALIZADO COM APOIO MULTIDISCIPLINAR ADEQUADO PARA OFERECER
A DEVIDA ATENÇÃO ÀS VÍTIMAS. ATRIBUIÇÃO DO DOUTO SUSCITANTE PARA INTERVIR NO
FEITO.
1. Trata-se a causa de supostos estupros de vulnerável
perpetrados, em tese, pelo agente em face de sua enteada e de sua filha.
2.
Os fatos ora
examinados, muito embora mereçam destaque em face da vulnerabilidade decorrente
da pouca idade das vítimas, devem ficar sob os cuidados da Vara Especializada.
Isto porque, em primeiro lugar, se subsumem à definição contida no art. 5.º,
inc. I, da Lei n. 11.340/06: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento
físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial: (...) I - no
âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas” (grifo nosso).
3.
Deve-se
acrescentar, ainda, que a Lei Maria da Penha encontra suas raízes em dois
importantes documentos internacionais: a Convenção CEDAW – Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979) e
Convenção de Belém do Pará – Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Doméstica contra a Mulher (OEA, 1994). Ambas se referem,
direta ou indiretamente, à necessidade de tratar os delitos sexuais contra
mulheres, no âmbito doméstico ou familiar, independentemente da idade do
sujeito passivo, como hipóteses de violência de gênero.
4.
A Convenção CEDAW
assevera que a discriminação contra a mulher compreende, seja qual for a idade da
ofendida: “toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha
por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, ou
exercício pela mulher, independentemente do seu estado civil, com base na
igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro
campo” (Parte I, art. 1.º).
5.
A Convenção de
Belém do Pará, de sua parte, contempla em seu texto a violência sexual contra a
mulher e a proteção da vítima menor. De acordo com seu art. 2.º, tal situação
se configura quando: “ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em
qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado
ou não a sua residência, incluindo-se, entre
outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual” (art. 2.º, letra “a”,
grifo nosso).
6.
O art. 9.º, sob
outro giro, enfatiza que: “também será considerada sujeitada à violência a
mulher gestante, deficiente, menor,
idosa ou em situação socioeconômica desfavorável, afetada por situações de
conflito armado ou de privação da liberdade” (grifo nosso).
7.
Ainda no plano
internacional, a Declaração de Pequim, assinada na 4.ª Conferência Mundial
sobre as Mulheres: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz a 15 de setembro
de 1995, prevê como um dos compromissos: “assegurar a plena implementação dos
direitos humanos das mulheres e das
meninas como parte inalienável, integral e indivisível de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais” (item 9, grifo nosso).
8. Por derradeiro, o órgão
judicial especial conta com estrutura de
apoio multidisciplinar adequada para conferir às ofendidas a necessária
atenção, sem agravar-lhe, pelo strepitus
fori, as deletérias consequências das supostas infrações cometidas.
Solução: conhece-se do presente conflito para
dirimi-lo, declarando competir ao Douto Suscitante a atribuição para intervir
nos autos.
Cuida-se de inquérito policial instaurado a partir de denúncia registrada no “Disque Direitos Humanos – Disque 100”, visando à apuração de delitos de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) perpetrados, em tese, por (...) em face de sua enteada (...) e de sua filha (...).
O Douto Promotor de Justiça Criminal, vislumbrando na espécie hipótese amparada pela Lei n. 11.340/06, postulou o envio do feito à Vara Especializada (fl. 56, verso).
O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, não vislumbrando no caso violência de gênero a ensejar a aplicação da Lei Maria da Penha, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 60/71).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que o encaminhamento da questão a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.
Pois bem.
Trata-se a causa de supostos delitos sexuais perpetrados, em tese, pelo agente, padrasto de (...) e pai de (...), em datas diversas, noticiados através do “Disque Direitos Humanos – Disque 100” (fl. 07).
Os fatos ora examinados, muito embora mereçam destaque em face da vulnerabilidade decorrente da pouca idade das vítimas, devem ficar sob os cuidados da Vara Especializada.
Isto porque, em primeiro lugar, se subsumem à definição contida no art. 5.º, inc. I, da Lei n. 11.340/06:
“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (...) I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas” (grifo nosso).
Deve-se acrescentar, ainda, que a Lei Maria da Penha encontra suas raízes em dois importantes documentos internacionais: a Convenção CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979) e Convenção de Belém do Pará – Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica contra a Mulher (OEA, 1994).
Ambas se referem, direta ou indiretamente, à necessidade de tratar os delitos sexuais contra mulheres, no âmbito doméstico ou familiar, independentemente da idade do sujeito passivo, como hipóteses de violência de gênero.
A Convenção CEDAW assevera que a discriminação contra a mulher compreende, seja qual for a idade da ofendida:
“toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, ou exercício pela mulher, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo” (Parte I, art. 1.º).
A Convenção de Belém do Pará, de sua parte, contempla em seu texto a violência sexual contra a mulher e a proteção da vítima menor. De acordo com seu art. 2.º, tal situação se configura quando:
“ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual” (art. 2.º, letra “a”, grifo nosso).
O art. 9.º, sob outro giro, enfatiza que:
“também será considerada sujeitada à violência a mulher gestante, deficiente, menor, idosa ou em situação socioeconômica desfavorável, afetada por situações de conflito armado ou de privação da liberdade” (grifo nosso).
Ainda no plano internacional, a Declaração de Pequim, assinada na 4.ª Conferência Mundial sobre as Mulheres: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz a 15 de setembro de 1995, prevê como um dos compromissos:
“assegurar a plena implementação dos direitos humanos das mulheres e das meninas como parte inalienável, integral e indivisível de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais” (item 9, grifo nosso).
Conclui-se, portanto, que a conduta em tela se subsume à Lei n. 11.340/06.
Além disso, conta o órgão judicial específico com estrutura de apoio multidisciplinar adequada para conferir às ofendidas a necessária atenção, sem agravar-lhe, pelo strepitus fori, as deletérias consequências das supostas infrações cometidas.
Não se ignora que esta Procuradoria-Geral de Justiça já decidiu, em oportunidades anteriores, por negar aplicação do referido Diploma, dada a ausência de situação caracterizadora de violência de gênero.
Ocorre, todavia, que, revendo anterior posicionamento,
passa-se a reconhecer a incidência da Lei Maria da Penha aos casos de estupro
de vulnerável envolvendo vítimas do sexo feminino.
Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando competir ao Douto Suscitante a atribuição para intervir nos autos.
Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito, se o digno subscritor da manifestação de fls. 60/71 ainda estiver no exercício do cargo.
Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático, se o caso.
Publique-se a ementa.
São Paulo, 08 de janeiro de 2013.
Márcio
Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
/aeal