Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 163.778/13

Processo n. 118/13 – MM. Juízo da Vara Judicial da Comarca de Brotas

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Brotas

Suscitada: 4.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Assunto: definição do local de consumação do delito com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. ESTELIONATO TENTADO (CP, ART. 171, “CAPUT”, C.C. ART. 14, II). ADULTERAÇÃO DE CHEQUE. CÁRTULA EMITIDA PELO OFENDIDO E FALSIFICADA POR TERCEIRO, COM INTUITO DE OBTER VALOR A MAIOR. PAGAMENTO RECUSADO PELO BANCO SACADO. INEXISTÊNCIA DE ESTELIONATO NA MODALIDADE EQUIPARADA (CP, ART. 171, §2º, VI). FORO COMPETENTE. LOCAL DO ÚLTIMO ATO DE EXECUÇÃO. SEDE DA AGÊNCIA BANCÁRIA EM QUE DEPOSITADO O TÍTULO DE CRÉDITO ESPÚRIO.

1. A adulteração de cheque regularmente emitido, com o escopo de elevar o valor nominal da cártula, não se subsume ao art. 171, §2.º, VI, do CP (emissão de cheque sem provisão de fundos). Há, em verdade, estelionato na modalidade fundamental (CP, art. 171, caput), o qual, in casu, restou não integralizado por completo, em virtude da diligência da agência bancária sacada, que, depois de verificar a existência de quantia superior aos fundos do correntista, detectou a fraude no documento.

2. O foro competente para a apuração do fato, por se cuidar de conatus proximus, corresponde ao local do último ato executivo, isto é, aquele em que situada a agência bancária na qual o título foi depositado (art. 70, caput, do CPP).

3. Não se aplicam, destarte, as Súmulas 521 do STF e 244 do STJ.

Solução: conhece-se do conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição compete ao Ilustre Suscitado.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do crime de estelionato cometido, em tese, em face de (...).

O Douto Promotor de Justiça Criminal da Capital, recebendo o feito, postulou seu encaminhamento à Comarca de Brotas, sede da agência do “BANCO DO BRASIL” que recusou o pagamento da cártula (fl. 26, verso).

O Ilustre Representante Ministerial nela atuante, por sua vez, discordou de seu antecessor, ponderando que o delito de estelionato tem sua realização integral no local onde obtida vantagem ilícita, no caso, em São Paulo, lugar em que o documento foi depositado; em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 30/35).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, não lhe cumprindo determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado.

Consta dos autos, em breve síntese, que (...) emitiu cheque legítimo, no valor de R$ 226,66 (duzentos e vinte e seis reais, sessenta e seis centavos), entregando o documento a uma casa de materiais de construção.

Ocorre, porém, que a cártula foi adulterada, em diversos aspectos, notadamente em seu valor nominal (elevado para R$ 1.300,00 – mil e trezentos reais).

O agente, então, buscou depositá-la em favor de (...), mas a agência bancária do ofendido recusou o pagamento, primeiro pela falta de fundos e, segundo, por detectar os elementos de falsificação.

Procurou-se, então, o beneficiário, (...), em vão (fls. 23).

Há, em tese, tentativa de estelionato na modalidade fundamental (CP, art. 171, caput, c.c. art. 14, II) e não a figura equiparada prevista no inc. VI do §2.º do art. 171 do CP.

Daí porque o foro competente, por se cuidar de conatus proximus, é o local da prática do último ato executivo (CPP, art. 70, caput), ou seja, aquele em que a cártula foi depositada; in casu, a agência bancária onde se encontra a conta corrente de (...), destino final do numerário, acaso o plano criminoso se desse conforme planejado.

Mencionada unidade da instituição financeira destinatária situa-se na Capital (agência Sítio Mandaqui, do banco Bradesco).

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para declarar que a atribuição para intervir no expediente incumbe ao Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a conclusão exarada destoa de sua opinio deliciti, designa-se outro representante ministerial para atuar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 31 de outubro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

                                                                

 

/aeal