Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 166.267/12

Autos n. 1.178/12 - MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal Central da Comarca da Capital

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal Central da Capital

Suscitada: 2.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORES DE JUSTIÇA CRIMINAL E DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344) OU AMEAÇA (CP, ART. 147). RÉU EM AÇÃO CÍVEL QUE, DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO, EFETUA CONTATO TELEFÔNICO COM O ADVOGADO DOS AUTORES, PROFERINDO AMEAÇA AO PROFISSIONAL E A SEUS CLIENTES, A FIM DE DESISTIREM DA MEDIDA JUDICIAL AJUIZADA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO RELATIVO AO DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET RESPONSÁVEL PELO EXAME DO CRIME PRIMÁRIO.

1.     A divergência reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo. O delito contra a administração da Justiça é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal. Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. A conduta típica consiste em usar violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse próprio ou de terceiro, contra autoridade, parte ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte), ou, ainda, b) a grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto). O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

2.     No tocante à ameaça, a sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo. Mencionado ilícito não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo. O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente. No caso em tela, como bem asseverou o Douto Suscitante, a promessa de realização de mal grave e injusto deu-se na pendência de ação cível, visando o suspeito a favorecer seu interesse, na condição de réu, com a desistência da demanda judicial por parte dos autores.

Conclusão: conhece-se do conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitado.

 

 

Cuida-se de expediente instaurado visando à apuração da conduta perpetrada por (...) em face de (...).

O Ilustre Promotor de Justiça inicialmente oficiante, vislumbrando na espécie o cometimento do delito previsto no art. 147 do CP, requereu a remessa do feito ao Juizado Especial (fl. 51).

O Douto Representante Ministerial que o recebeu, de sua parte, discordando do posicionamento de seu antecessor, por entender configurado o crime tipificado no art. 344 do CPP, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 73/75).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o envio dos autos assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar no feito.

Pois bem.

 

Dos fatos

Os elementos de informação reunidos revelam que a vítima, na condição de advogado de (...) e seu esposo (...), ingressou com ação reivindicatória em face do suspeito, para que este desocupasse imóvel de sua propriedade.

No dia 18 de março de 2011, LINCOLN telefonou ao escritório do ofendido dirigindo-lhe ameaças, sendo atendido pela funcionária (...), a qual acionou o “viva voz” do aparelho, ouvindo os presentes à ocasião a seguinte fala: “se não desistir do processo, vai sobrar bala pra todo mundo e que a atuação do declarante não era profissional e que estava levando para o lado pessoal”, estendendo-se a intimidação, também, aos donos da residência (fls. 18/21).

 O investigado, em suas declarações, negou a conduta a ele imputada (fl. 48).

 

Do enquadramento legal

A divergência surgida neste procedimento, consoante se antecipou, reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo.

O delito contra a administração da Justiça consiste em:

 

“Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.”

 

O fato é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal.

Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral.

A conduta típica consiste em usar (utilizar-se de) violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse (moral ou material) próprio ou de terceiro, contra autoridade (magistrado, membro do Ministério Público, delegado de polícia etc.), parte (por exemplo, autor, réu, reclamante, reclamado, querelante, querelado, assistente de acusação) ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir (v.g., jurado, perito, testemunha, vítima etc.) em processo judicial (de qualquer natureza: civil, trabalhista ou penal), policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Pode-se citar a título de ilustração o ato do acusado que profere ameaças e promessas de vingança contra juiz durante audiência ou, ainda, o parente do réu que intimida as testemunhas convocadas a depor pela acusação, a fim de se retratarem.

São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte); b) grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto).

O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, outrossim, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

No tocante à ameaça, ocorre tal crimen quando o agente:

 

“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave.”

 

A sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo.

A ameaça não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidiários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a citada coação no curso do processo.

O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

No caso, a suposta promessa de realização de mal grave e injusto deu-se na pendência de ação cível, visando o suspeito favorecer seu interesse, na condição de réu, com a desistência da demanda judicial por parte dos autores.

Houve, em tese, crime contra a administração da Justiça, muito embora não se ignore ter a vítima oferecido representação pelo delito previsto no art. 147 do CP (fls. 06/07).

 

Conclusão

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro representante ministerial para atuar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

São Paulo, 21 de novembro de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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