Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 174.956/13

Autos n° 4.274/13 – MM. Juizado Especial Criminal da Comarca de Campinas

Suscitante: 32.º Promotor de Justiça de Campinas

Suscitado: 7.º Promotor de Justiça de Campinas

Assunto: definição do enquadramento legal dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL COM REFLEXO NA ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS OU PORTE PARA USO PESSOAL (ARTS. 33 E 28 DA LEI N. 11.343/06). ELEMENTOS INDICIÁRIOS CONDIZENTES COM A IMPUTAÇÃO DE DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. ELEVADA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA, SUPERIOR À SATISFAÇÃO DE ATOS INDIVIDUAIS DE CONSUMO. AGENTES SURPREENDIDOS EM VIA PÚBLICA, EM LOCAL E HORÁRIO CARACTERÍSTICOS DE DIFUSÃO DE TÓXICOS. INFORMAÇÕES PRETÉRITAS APONTANDO-OS COMO TRAFICANTES. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ATRIBUIÇÃO AFETA À PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1. As investigações revelaram que os indiciados, presos em flagrante delito, foram encontrados com quantidade de tóxicos superior à satisfação de atos individuais de consumo (duas porções de cânhamo e dezenove pedras de crack). Além disso, a forma como acondicionados (embalados e aptos à pronta entrega a terceiros), as circunstâncias da prisão, o local onde surpreendidos e as informações pretéritas de populares, apontando-os como responsáveis pela comercialização do material ilícito, autoriza, ao menos para efeito de imputação preambular, tipificar seu comportamento como tráfico ilícito de drogas.

2. Pondere-se que fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, impondo que eventuais dúvidas, se presentes, sejam dirimidas em favor da propositura da ação criminal pelo delito mais grave (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Solução: conhece-se do conflito, a fim de dirimi-lo e declarar que a atribuição para formar a opinião delitiva compete ao Douto Promotor de Justiça Criminal.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à suposta prática dos crimes de tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico (artigos 33 e 35 da Lei n.º 11.343/06) cometidos, em tese, por (...) e (...).

Encerradas as providências inquisitivas, a Douta Promotora de Justiça Criminal, entendendo configurado o delito previsto no artigo 28 da Lei Antidrogas, postulou o encaminhamento do feito ao Juizado Especial (fl. 128).

O Ilustre Representante Ministerial nele oficiante discordou de sua antecessora, pautando-se na quantidade de substâncias encontrada, além da circunstância de portar (...) quantia em dinheiro, mesmo estando desempregada.

Frisando que os suspeitos sofreram várias condenações, e invocando o princípio in dubio pro societate, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 137/140).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do caso a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia da Ilustre Suscitada.

Em breve síntese, consta do expediente que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina nas proximidades do albergue do Bairro Botafogo, Comarca de Campinas, quando foram acionados por um transeunte, o qual noticiou que um casal estaria comercializando drogas em local próximo ao antigo “Hospital Coração de Jesus”.

Os agentes públicos se dirigiram ao lugar indicado, avistando os investigados em atitude que reputaram como suspeita, percebendo quando (...) entregou algo a (...).

Os milicianos os abordaram, nada encontrando de ilícito com o averiguado.

A indiciada, contudo, portava o montante de R$ 37,00 (trinta e sete reais) em dinheiro, além de duas porções de cânhamo e dezenove pedras de crack (substâncias confirmadas pelos laudos periciais encartados a fls. 18 e 94), todas embaladas individualmente.

Ambos, informalmente, disseram que não praticavam o comércio ilegal e declararam-se usuários de drogas (fls. 04 e 06).

(...), em seu interrogatório, permaneceu em silêncio (fl. 07).

(...), por sua vez, alegou que estava saindo do albergue e retornaria para a cidade de Sumaré, São Paulo, quando os policiais se aproximaram. Negou a conduta imputada, acrescentando que não conhece e nunca viu a increpada (fl. 08).

Os elementos indiciários apontados caminham no sentido de corroborar a tese sustentada pelo Douto Promotor de Justiça Suscitante, se subsumindo a conduta dos investigados ao delito equiparado a hediondo.

Como bem ponderou, a quantidade de tóxicos apreendida (superior à satisfação de atos individuais de consumo), a forma como acondicionados (embalados e aptos à pronta entrega a terceiros), as circunstâncias da prisão, o local onde surpreendidos e as informações pretéritas de populares, apontando-os como responsáveis pela comercialização do material ilícito, autoriza, ao menos para efeito de imputação preambular, tipificar seu comportamento como tráfico ilícito de drogas.

Reitere-se que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, impondo que eventuais dúvidas sejam dirimidas em favor da propositura da ação no sentido da infração mais grave.

Nesse sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do in dubio pro societate. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio in dubio pro societate que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos. (...)”.

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

 

A denúncia deve, portanto, ser proposta, atribuindo aos sujeitos a infração mencionada.

Sublinhe-se que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, até porque:

 

“não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

Não há base, porém, para subsidiar a imputação pelo delito de associação para o tráfico, eis que não se pode confundir concurso de agentes, caracterizado pelo vínculo eventual, com o delito já citado, o qual requer liame estável.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para intervir nos autos recai sobre a Douta Suscitada.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro representante ministerial para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 18 de novembro de 2013.

 

                                              

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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