Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.
175.993/12
Autos n. 2103/12 - MM. Juízo da Vara Regional
Sul 1 de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Comarca da Capital)
Suscitante: Promotoria de Justiça da Vara
Regional Sul 1 de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal do
Foro Regional do Jabaquara
Assunto: subsunção dos fatos à Lei Maria da
Penha, com reflexo na atribuição funcional
EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO INDIRETO. DISCORDÂNCIA JUDICIAL QUANTO AO PEDIDO DE REMESSA DA INVESTIGAÇÃO PENAL À VARA CRIMINAL COMUM. MANUTENÇÃO DO CASO PERANTE O JUÍZO ESPECIALIZADO. CONTROVÉRSIA ACERCA DA INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. SUPOSTO DELITO COMETIDO CONTRA IDOSA POR PESSOA COM QUEM MANTEVE RELAÇÃO AMOROSA. VIOLÊNCIA DE GÊNERO IDENTIFICADA, TENDO EM VISTA AS CARACTERÍSTICAS DO FATO E SUA CONEXÃO COM A RELAÇÃO AFETIVA ENTRE O SUPOSTO SUJEITO ATIVO E A OFENDIDA. APLICAÇÃO DA LEI N. 11.340/06.
1. O expediente foi endereçado a este Órgão por aplicação analógica do art. 28 do CPP. Muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo envio do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere. Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional, mas, sobretudo, o princípio da demanda. A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.
2. No que tange ao mérito, parece-nos que a razão se encontra com a Digníssima Magistrada. O elemento identificador da violência doméstica ou familiar contra a mulher, suficiente para justificar a incidência da Lei Maria da Penha, reside na possível relação do fato com a convivência amorosa mantida entre a ofendida e o suposto agressor. Nessa medida, torna-se inafastável a aplicação do mencionado Diploma Legal, pouco importando a idade da vítima. Ressalte-se que o expediente em apreço não se identifica com os precedentes desta Procuradoria-Geral de Justiça, os quais afastaram sua subsunção à Lei Protetiva das Mulheres, pois o dado gerador da vulnerabilidade residia na faixa etária avançada e não no gênero do sujeito passivo. Este caso é diferente, pois o delito guarda conexão com o relacionamento afetivo mantido entre o pretenso autor e ALICE.
3. Frise-se, não obstante, que a definição de violência doméstica encontra-se no art. 5.º da citada Lei: “...configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Os incisos do dispositivo deixam claro que o fato pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III; grifo nosso).
4. As características da hipótese em testilha sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06. A circunstância de não terem os envolvidos mantido união estável ou constituído matrimônio não afasta, de per si, a aplicação de tal diploma legal, uma vez que não se exige convivência por parte do casal.
Solução: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando-se competir a atribuição de intervir no feito ao Douto Representante Ministerial oficiante perante a MM. Vara Especializada. Em respeito à sua opinio delicti, designa-se outro promotor de justiça para atuar na causa em seus ulteriores termos.
Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração das circunstâncias em que se deu o óbito de (...), à época com setenta e sete anos de idade, ocorrido em 25 de maio de 2009, tornando-se suspeito (...), com quem a vítima mantinha relacionamento amoroso, o qual supostamente a agrediu cerca de dez dias antes do seu falecimento.
O expediente aportou inicialmente no I Tribunal do Júri da Capital, onde a Douta Promotora de Justiça, não vislumbrando crime de sua alçada, postulou o encaminhamento do caso ao MM. Juízo Comum (fl. 188), pleito este deferido (fl. 189).
O Ilustre Representante Ministerial oficiante no Foro Regional do Jabaquara, por sua vez, ponderando haver indícios da prática de homicídio doloso, propugnou o envio dos autos ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, para a elucidação dos fatos (fl. 197).
Encerradas as providências inquisitivas no DHPP (fls. 295/298), o Insigne Órgão do Parquet requereu a redistribuição do feito à Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, vislumbrando hipótese subsumível à Lei n. 11.340/06 (fl. 299), na qual foi solicitado seu retorno à origem (fls. 309/310).
A MM. Juíza, contudo, reconheceu sua competência para conduzir o procedimento, indeferindo o pedido formulado (fls. 311/314).
O Douto Promotor de Justiça, então, pugnou pela aplicação do art. 28 do CPP à causa, porque caracterizado seu arquivamento indireto (fls. 316/317), motivando o envio da questão para análise desta Chefia Institucional (fl. 318).
Eis a síntese do necessário.
Registre-se, inicialmente, que o expediente foi endereçado a este Órgão por aplicação analógica do art. 28 do CPP.
Muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo envio do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere.
Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional, mas, sobretudo, o princípio da demanda.
A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.
Nestes termos, a lição de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM:
“A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).
No que tange ao mérito, parece-nos que a razão se encontra com a Digníssima Magistrada.
O elemento identificador da violência doméstica ou familiar contra a mulher, suficiente para justificar a incidência da Lei Maria da Penha, reside na possível relação do fato com a convivência amorosa mantida entre a ofendida e o suposto agressor.
Nessa medida, torna-se inafastável a aplicação do mencionado Diploma Legal, pouco importando a idade da vítima.
Ressalte-se que o expediente em apreço não se identifica com os precedentes desta Procuradoria-Geral de Justiça, os quais afastaram sua subsunção à Lei Protetiva das Mulheres, pois o dado gerador da vulnerabilidade residia na faixa etária avançada e não no gênero do sujeito passivo.
Este caso é diferente, pois o delito guarda conexão com o relacionamento afetivo mantido entre o pretenso autor e (...).
Frise-se, não obstante, que a definição de violência doméstica encontra-se no art. 5.º da citada Lei:
“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Os incisos do dispositivo deixam claro que o fato pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III; grifo nosso).
As características da hipótese em testilha sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06. A circunstância de não terem os envolvidos mantido união estável ou constituído matrimônio não afasta, de per si, a aplicação de tal diploma legal, uma vez que não se exige convivência por parte do casal.
Repise-se que, no caso sob análise, ficou incontroversa a relação amorosa do agente com a vítima.
O Superior Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, já decidiu que:
“CONFLITO
NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. VIOLÊNCIA COMETIDA
1.
Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº
11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim
de relação de namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a
conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima.
(...)”.
(CC
n. 103.813/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
24/06/2009, DJe de 03/08/2009).
Cumpre
registrar, derradeiramente, que o expediente permaneceu nesta Chefia
Institucional por alongado período em razão da demora no encaminhamento do 1º
volume dos autos.
Por
todo o exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando-se
competir a atribuição de intervir no feito ao Douto Representante Ministerial
oficiante perante a MM. Vara Especializada.
Em
respeito à sua opinio delicti,
designa-se outro promotor de justiça para atuar na causa em seus ulteriores
termos, caso o ilustre subscritor da manifestação de fls. 316/317 ainda se
encontre no exercício do cargo.
Faculta-se-lhe
observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de
Expeça-se portaria designando o substituto automático, se necessário.
Publique-se a ementa.
São Paulo, 21 de março
de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal