Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 177.782/12

Inquérito policial n. 772/12 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Piracicaba

Indiciado: (...)

Suscitante: 13.º Promotor de Justiça de Piracicaba

Suscitado: 4.º Promotor de Justiça de Piracicaba

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS. APROPRIAÇÃO DE COISA ACHADA (CP, ART. 169, PARÁGRAFO ÚNICO) OU FURTO (CP, ART. 155). SUJEITO QUE ENCONTRA FÓLIO DE CHEQUE PREENCHIDO E ASSINADO EM COLETIVO E, TOMANDO-O PARA SI, SE DIRIGE À AGÊNCIA BANCÁRIA E SACA O NUMERÁRIO. AÇÃO QUE CONSTITUI ATO DE SUBTRAÇÃO. PRESENÇA, ADEMAIS, DE “ANIMUS FURANDI”. ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA OFICIANTE JUNTO AO JUÍZO COMUM.

1. Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta do agente, o qual obteve fortuitamente fólio de cheque pertencente a outrem, sacando o numerário nele indicado.

2. A dinâmica dos acontecimentos revela conduta subsumível ao verbo nuclear insculpido no art. 155, “caput”, do CP e a inequívoca presença do animus furandi. Ficou evidente, assim, o dolo de subtração, não havendo se falar em mera infração de pequeno potencial ofensivo, até porque a detenção da cártula não torna quem a tem possuidor da quantia nela representada.

3. A situação se assemelha, como bem ponderou o Douto Suscitante, à daquela pessoa que, encontrando acidentalmente a chave de um imóvel, decide ir até o local e, depois de nele ingressar, subtrai bens de seu interior. Esse comportamento, idêntico em seus traços essenciais ao objeto deste procedimento, constitui furto e não apropriação de coisa achada.

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Representante Ministerial atuante perante o MM. Juízo Comum.

 

 

 

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta de (...), o qual obteve fortuitamente fólio de cheque pertencente a (...), sacando o numerário nele indicado.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça Criminal entendeu que os fatos se subsumiriam ao crime de apropriação de coisa achada (art. 169, parágrafo único, II, do CP), tratando-se, portanto, de infração de menor potencial ofensivo; em função disso, requereu o envio dos autos ao Juizado Especial Criminal (fls. 80/81).

Encaminhado o expediente ao órgão competente, o Ilustre Representante Ministerial nele oficiante, discordando do enquadramento típico efetuado, suscitou conflito negativo de atribuição (fl. 87).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público. 6.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 487).

Pondere-se, não obstante, que em sede de conflito de atribuições não cumpre à Procuradoria-Geral de Justiça efetuar um juízo a respeito da existência de prova da materialidade ou indícios de autoria das infrações penais objeto do expediente. O exame deve se cingir à definição sobre qual é o Membro do Ministério Público a quem incumbe funcionar nos autos.

 

Dos fatos

Pelo que se logrou apurar, o título de crédito, o qual estava devidamente preenchido e assinado em poder do sujeito passivo, foi objeto de furto ou perda.

O suspeito aduziu ter encontrado o documento num coletivo; tomando-o para si, dirigiu-se à agência bancária e sacou o numerário correspondente (R$ 2.953,92 – dois mil, novecentos e cinquenta e três reais e noventa e dois centavos).

 

Da classificação jurídica

A discussão acerca do enquadramento típico do comportamento praticado (apropriação de coisa achada ou furto) deve ser solucionada nos moldes propostos pelo Douto Suscitante.

Isto porque, como bem ponderou, a dinâmica dos acontecimentos revela ter se praticado ação subsumível ao verbo nuclear contido no art. 155, caput, do CP e a inequívoca presença do animus furandi.

Ficou evidente, assim, o dolo de subtração, não havendo se falar em mera infração de pequeno potencial ofensivo, até porque a detenção da cártula não torna quem a detém possuidor da quantia nela representada.

Conforme frisou o Ilustre Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal, a situação se assemelha à daquela pessoa que, encontrando acidentalmente a chave de um imóvel, decide ir até o local e, depois de nele ingressar, subtrai bens de seu interior.

Esse comportamento, idêntico em seus traços essenciais ao objeto deste procedimento, constitui furto e não simples apropriação de coisa achada.

De se afastar, portanto e com a devida vênia do Ilustre Membro do Parquet oficiante perante a Justiça Comum, a imputação por este citada.

 

Conclusão

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Suscitado. 

Para que não haja qualquer menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro representante ministerial para atuar no feito.

 Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 06 de dezembro de 2012.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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