Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 184.708/12

Autos n. 0830859-87.2012.8.26.0052 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Suscitante: 4.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Suscitado: 3.º Promotor de Justiça do V Tribunal do Júri da Capital

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO OU LESÃO CORPORAL DOLOSA. AGRESSÃO MOTIVADA POR INTOLERÂNCIA DECORRENTE DA OPÇÃO SEXUAL DA VÍTIMA. VIOLÊNCIA EXERCIDA GRATUITAMENTE PELOS INDICIADOS QUE, COVARDEMENTE, DESFERIRAM SOCOS E CHUTES NO OFENDIDO, POR TEMPO RAZOÁVEL, EM REGIÕES VITAIS DO CORPO, SOMENTE CESSANDO SUAS CONDUTAS PORQUE CONTIDOS POR POLICIAIS MILITARES. “ANIMUS NECANDI” SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADO PARA EFEITO DE IMPUTAÇÃO PREAMBULAR. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

1.      Os agentes ofenderam a honra subjetiva da vítima, imputando-lhe adjetivos de cunho pejorativo em decorrência de se tratar de homossexual.

2.      Não satisfeitos, a agrediram fisicamente de modo brutal, intenso, duradouro e em regiões vitais do corpo (região encefálica), até que foram contidos por Policiais Militares, os quais necessitaram empregar força física para contê-los, utilizando-se de cassetete.

3.      Frise-se que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, impondo que eventuais dúvidas sejam dirimidas em favor da propositura da ação penal. A esse respeito, assim se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do in dubio pro societate. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio in dubio pro societate que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos. (...)”. (STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta perpetrada por (...) e (...), os quais, agindo em conluio e unidade de propósitos, agrediram severamente (...), motivados pelo inconformismo decorrente da opção sexual do sujeito passivo.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o feito aportou no MM. V Tribunal do Júri da Capital e o Douto Promotor de Justiça oficiante, ponderando ausente o exame de corpo de delito, concluiu que as lesões produzidas não foram graves o bastante para indicar a intenção dos agentes em ceifar a vida da vítima; em consequência, postulou o envio do caso ao Juízo Comum (fl. 55).

A Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, em contrapartida, discordando de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 67/70).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a remessa do procedimento a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Ilustre Suscitante, com a máxima vênia do Douto Suscitado.

Nota-se dos autos que, no dia 03 de dezembro de 2012, o ofendido atravessava a Rua Henrique Schaumann, na esquina com a Rua Teodoro Sampaio, Bairro Pinheiros, nesta Capital, percebendo que o ocupante de um veículo lhe dirigia palavras ofensivas, relacionadas à sua condição de homossexual.

Ao escutá-las, (...) perguntou o que estaria acontecendo, sendo em seguida agredido por tal indivíduo, o qual possui compleição física avantajada.

Temeroso, (...) tentou pegar uma pedra para se defender, mas os passageiros do carro, ao visualizarem sua atitude, realizaram uma manobra brusca, ingressando na contramão da Rua Teodoro Sampaio e, após estacionar o automóvel em um posto de gasolina, passaram a golpear a vítima violentamente.

A Polícia Militar foi acionada e encontrou o sujeito passivo sendo atingido pelos indiciados, fazendo-se necessário empregar força física, com o uso do cassetete, para conseguir separá-los do ofendido.

Os agentes admitiram informalmente que “...haviam agredido a vítima em decorrência de uma discussão que deu-se (sic), seguindo a vítima por ser homossexual e segundo os agressores, em virtude da vítima ter reclamado e os ofendido”.

Os fatos foram presenciados pelas testemunhas (...), (...) e (...), cujos depoimentos corroboram a versão apresentada por (...)

O primeiro aduziu ter ouvido o teor dos xingamentos dirigidos ao ofendido, chamado de “seu viado”, e narrou: “eu vi tudo desde o início e não vi a vítima em momento algum chutar o retrovisor do veículo, que a vítima nem chegou perto do carro dos agressores”.

As depoentes, por sua vez, na esteira da oitiva de (...), quanto aos vocábulos direcionados a (...), também asseveraram: “eu vi os dois indo para cima da vítima, os dois batendo, mas não sei qual dos dois agressores bateu primeiro”.

As declarações foram acostadas a fls. 04/05 e 07/16.

(...), em seu interrogatório, alegou que o sujeito passivo, depois de atravessar a rua com o sinal desfavorável, fez sinal obsceno com o dedo para ele e (...), o qual discutiu com o pedestre, mas não o agrediu. Este, entretanto, atirou uma pedra no veículo, chutou o espelho retrovisor e retirou os óculos de sol que usava, quebrando-os. Tentando falar com ele, foi golpeado no tórax, mas revidou, acertando-lhe a cabeça. Negou, outrossim, ter proferido palavras ofensivas com relação à sua opção sexual (fls. 17/18).

(...), de sua parte, confirmou a narrativa do amigo, aduzindo ter visto os policiais militares desferirem golpes com cassetetes em (...), além de afirmar que não discrimina homossexuais (fls. 19/20).

Desta síntese, pode-se dessumir, ao menos para efeito de imputação preambular, que houve crime doloso contra a vida.

Importa acentuar que se cuida de uma agressão gratuita, motivada por razões torpes, decorrentes da intolerância quanto à opção sexual da vítima.

De outra parte, o fato de os indiciados não empregarem armas não afasta o animus necandi, pois o ofendido e as testemunhas confirmaram terem sido inúmeros os golpes. Esclareceram que o sujeito passivo foi atingido enquanto caído e indefeso e obtemperaram, ademais, que as lesões somente não foram em maior número graças à intervenção da Polícia, a qual se viu obrigada a empregar força física para conter os investigados. Disseram, por fim, que a vítima foi atingida em regiões vitais do corpo, notadamente em sua região encefálica.

Há, destarte, elementos indiciários que corroboram a conclusão exarada em sede policial, abraçada pela Douta Suscitante e pela MM. Juíza do DIPO 3 (fls. 72/74).

Frise-se que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, consoante entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. A presença de dolo, direto ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do in dubio pro societate.

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio in dubio pro societate que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

3. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos.

(...)”

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Conhece-se, portanto, do presente conflito e dirime-se-o para declarar que a atribuição para oficiar no feito incumbe ao Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando-se o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 19 de dezembro de 2012.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

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