Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 21.168/13

Autos n. 1.198/12 - MM. Juízo da Vara Criminal da Comarca de São Sebastião  

Suscitante: Promotoria de Justiça de São Sebastião

Suscitada: Promotoria de Justiça Militar

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal dos fatos, com reflexos na atribuição funcional

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA DO FATO. CRIME MILITAR OU ABUSO DE AUTORIDADE. SUSPEITOS QUE ALGEMARAM A VÍTIMA E A CONDUZIRAM À DELEGACIA SEM QUE HOUVESSE, EM TESE, ESTADO FLAGRANCIAL. POSSÍVEL VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE N. 11 DO STF. INEXISTÊNCIA DE DELITO ESPECIAL. ATRIBUIÇÃO DEFINIDA COM BASE NA SÚMULA 172 DO STF.

1. Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta de policiais militares, os quais supostamente cometeram abuso de autoridade ao algemar indevidamente um civil durante ocorrência policial, conduzindo-o ao Distrito Policial sem que houvesse, in thesi, estado flagrancial.

2. Versa a causa, assim, sobre a prática de infração descrita na Lei n. 4.898/65, decorrente do emprego ilícito de algemas, violando o disposto na Súmula Vinculante n. 11 do STF: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

3. O serviço reservado da Polícia Militar foi acionado para intervir na ocorrência por ser considerada, num primeiro momento, irregular a ação dos servidores ao não efetuarem o registro do caso como tentativa de furto. Durante a apuração, todavia, não se reuniram elementos indiciários seguros nesse sentido, mas apenas em torno do fato de que o ofendido jamais resistiu à abordagem policial, colaborou o tempo todo com as diligências efetivadas in loco e, ainda assim, foi algemado e conduzido à Delegacia.

4. Pondere-se que na conclusão do IPM foi descartado o cometimento de delito militar, embora vislumbrados crime de abuso de autoridade e transgressão disciplinar. Portanto, se realmente perpetrada tal infração penal – porque efetivamente de outra não se cogita – é algo que cabe à Digna Suscitante decidir, nos termos do entendimento já consagrado na Súmula n. 172 do STJ: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”.

Solução: conhece-se do incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição para intervir no feito incumbe à Ilustre Representante Ministerial oficiante perante o MM. Juízo Comum.

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta dos Policiais Militares (...) e (...), os quais supostamente cometeram abuso de autoridade ao algemar indevidamente um civil durante ocorrência policial, conduzindo-o ao Distrito Policial sem que houvesse estado flagrancial.

Concluídas as providências de polícia judiciária, a Douta Promotora de Justiça Militar, verificando a ausência de delito especial, postulou a remessa do feito ao MM. Juízo Comum (fls. 79/80).

O competente Órgão do Parquet que o recebeu, discordando do posicionamento de sua antecessora, asseverou genericamente existir crime militar e, por conseguinte, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 85/86).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a remessa do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Douta Suscitada, com a máxima vênia da Ilustre Suscitante.

Isto porque versa a causa sobre suposto abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65), decorrente do emprego ilícito de algemas, violando o disposto na Súmula Vinculante n. 11 do STF:

 

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

 

Em breve síntese, infere-se dos elementos de informação coligidos que a Polícia Militar foi acionada para atender a uma pretensa ocorrência de furto tentado.

Os milicianos, aproximando-se do local, se depararam com o suspeito detido pelo sedizente ofendido, o qual alegava tê-lo encontrado se ocultando no interior de seu imóvel.

Todos estavam pacificamente aguardando a chegada da viatura.

Os agentes públicos não encontraram res furtivae e, então, decidiram algemar (...) e o conduziram à Delegacia, onde, depois de verificarem a ausência de antecedentes ou mandado de prisão, o liberaram.

O serviço reservado da Polícia Militar foi acionado para intervir na ocorrência por ser considerada, num primeiro momento, irregular a ação dos colegas ao não efetuarem o registro do caso como tentativa de furto.

Durante a apuração, todavia, não se reuniram elementos indiciários seguros nesse sentido, mas apenas em torno do fato de que (...) jamais resistiu à abordagem policial, colaborou o tempo todo com as diligências efetivadas in loco e, ainda assim, foi algemado e conduzido à Delegacia.

Pondere-se que na conclusão do IPM foi descartado o cometimento de delito militar, embora vislumbrados crime de abuso de autoridade e transgressão disciplinar (fls. 72/74).

Portanto, se realmente perpetrada tal infração penal – porque efetivamente de outra não se cogita – é algo que cabe à Promotoria de Justiça de São Sebastião decidir, nos termos do entendimento já consagrado na Súmula n. 172 do STJ:

 

“Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”.

 

Diante do exposto, conhece-se do incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição para intervir no feito incumbe à Ilustre Suscitante.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 08 de fevereiro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

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