Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 24.167/14

Autos n. 11.108/13 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal do Foro Central da Capital

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal Central da Capital

Suscitada: 5.ª Promotoria de Justiça Criminal Central da Capital

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL DA CONDUTA, COM REFLEXO NA ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL. VENDA DE PRODUTOS COM EMBALAGENS EM DESACORDO COM AS PRESCRIÇÕES LEGAIS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA (LEI N. 8.137/90, ART. 7º, INC. II) EM VEZ DE DELITO CONTRA O CONSUMIDOR (LEI N. 8.078/90, ART. 66). CONFRONTO ENTRE OS TIPOS PENAIS QUE REVELA, IN CASU, A PREVALÊNCIA DO PRIMEIRO, SEJA PELO CRITÉRIO DA TEMPORARIEDADE, SEJA EM FACE DE SUA ESPECIALIDADE. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1.     O conflito de atribuição se dá, nos dizeres de HUGO NIGRO MAZZILLI, quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

2.     Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

3.     No caso em apreço, encontra-se devidamente configurado o incidente acima nominado.

4.     Com relação à controvérsia havida, esta reside em determinar se a conduta perpetrada se subsume ao crime previsto no art. 66 do Código de Defesa do Consumidor, cuja competência pertence aos Juizados Especiais Criminais, ou se constitui delito atentatório às relações de consumo, previsto na Lei n. 8.137/90.

5.     O primeiro se cuida do ato de “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”. O outro, mais severamente punido, consubstancia-se em “vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial”.

6.     A confrontação dos dispositivos legais revela que, em parte, coincidem em seu campo de abrangência. O princípio do non bis in idem, entretanto, obsta a dupla incidência das normas incriminadoras para regular fato único. Há, destarte, conflito aparente de normas penais.

7.     Dois critérios podem ser utilizados para dirimi-lo, pois a infração prevista na Lei n. 8.137/90, além de posterior, se revela especial em comparação com a do Código Consumerista. Significa, em outras palavras, que, se o comportamento sub examen diz respeito a informações indevidas, inexatas, imprecisas, omissas ou em língua estrangeira contidas em embalagens de produtos, prevalece a lex specialis.

8.     O laudo pericial encartado à investigação assenta com clareza meridiana que as peças examinadas se referiam a objetos desprovidos de embalagens ou com embalagens em franco desacordo com as prescrições legais, pois redigidas em idioma alienígena, ausentes, ainda, os dados do fabricante ou importador.

9.     O art. 7.º da Lei n. 8.137/90 é apenado com detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Não há falar-se, portanto, em infração de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, a tranquila jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “(...) 1. O advento da Lei n.º 11.313/2006 veio consolidar entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que se considera crime de menor potencial ofensivo aquele cuja pena máxima não exceda o limite de 2 (dois) anos. 2. No caso, a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de detenção. E, apesar da previsão de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para definir se a infração reveste-se de menor gravidade e, portanto, se ao Indiciado podem ser oferecidos os benefícios da Lei n.º 9.099/95, é exatamente o quantum máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada. (...)” (STJ, R.Esp. n. 968.766/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 10/09/2009, DJe de 28/09/2009; grifo nosso).

Solução: conhece-se deste incidente visando dirimi-lo, declarando competente para atuar no feito o Membro do Ministério Público oficiante junto ao MM. Juízo Comum.

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a suposta prática de delito contra as relações de consumo cometido, em tese, por (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o expediente foi remetido ao Douto Promotor de Justiça Criminal, o qual, ponderando subsumir-se a conduta ao art. 66 do Código de Defesa do Consumidor, que consubstancia infração de pequeno potencial ofensivo, requereu seu envio ao Juizado Especial (fls. 50/51).

A Ilustre Representante do Ministério Público destinatária, contudo, discordou do ponto de vista de seu antecessor e, entendendo configurado delito contra as relações de consumo, tipificado no art. 7.º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 55/58).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Parece-nos que assiste razão à Ilustre Suscitante, com a devida vênia do Douto Suscitado.

O ponto central da controvérsia reside em determinar se a conduta perpetrada se subsume ao crime previsto no Código de Defesa do Consumidor, de competência dos Juizados Especiais Criminais, ou se constitui delito atentatório às relações de consumo, previsto na Lei n. 8.137/90.

O primeiro se cuida do ato de “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”.

O outro, mais severamente punido, consubstancia-se em “vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial”.

A confrontação dos dispositivos legais revela que, em parte, coincidem em seu campo de abrangência. O princípio do non bis in idem, entretanto, obsta a dupla incidência das normas incriminadoras para regular fato único.

Há, destarte, conflito aparente de normas penais.

Dois critérios podem ser utilizados para dirimi-lo, pois a infração prevista na Lei n. 8.137/90, além de posterior, se revela especial em comparação com a do Código Consumerista.

Significa, em outras palavras, que, se o comportamento sub examen diz respeito a informações indevidas, inexatas, imprecisas, omissas ou em língua estrangeira contidas em embalagens de produtos, prevalece a lex specialis.

O laudo pericial encartado à investigação, nesta ordem de ideias, assenta com clareza meridiana que as peças examinadas se referiam a objetos desprovidos de embalagens ou com embalagens em franco desacordo com as prescrições legais, pois redigidas em idioma alienígena, ausentes, ainda, os dados do fabricante ou importador (fl. 45).

O art. 7.º da Lei n. 8.137/90 é apenado com detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Não há falar-se, portanto, em infração de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, a tranquila jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“RECURSO ESPECIAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS. PENA ALTERNATIVA DE MULTA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO PRETÓRIO EXCELSO. RECURSO PROVIDO.

1. O advento da Lei n.º 11.313/2006 veio consolidar entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que se considera crime de menor potencial ofensivo aquele cuja pena máxima não exceda o limite de 2 (dois) anos.

2. No caso, a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de detenção. E, apesar da previsão de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para definir se a infração reveste-se de menor gravidade e, portanto, se ao Indiciado podem ser oferecidos os benefícios da Lei n.º 9.099/95, é exatamente o quantum máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada.

3. Recurso provido”.

(STJ, R.Esp. n. 968.766/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 10/09/2009, DJe de 28/09/2009; grifo nosso).

 

Diante disso, conhece-se deste incidente visando dirimi-lo, declarando competente para atuar no feito o Membro do Ministério Público oficiante junto ao MM. Juízo Comum.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para intervir nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 13 de fevereiro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

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