Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 30.324/14

Autos n.º 0009894-58.2013.8.26.0191– MM. Juízo da 3.ª Vara Judicial do Foro Distrital de Ferraz de Vasconcelos (Comarca de Poá)

Suscitante: Promotoria de Justiça de Ferraz de Vasconcelos

Suscitado: Promotoria de Justiça Militar

Assunto: divergência a respeito do enquadramento legal dos fatos com reflexo na atribuição funcional

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ÓRGÃO COMPETENTE PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DO FATO E, CONSEGUINTEMENTE, SOBRE A ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL. POLICIAL MILITAR QUE, VENDO A ORDEM DE PARADA DESOBEDECIDA E DEPOIS DE OUVIR RUÍDOS SEMELHANTES A DISPAROS DE ARMA DE FOGO, REVIDA A IMAGINÁRIA AGRESSÃO INJUSTA E PROVOCA A MORTE DO OFENDIDO. DESCRIMINANTE PUTATIVA POR ERRO DE TIPO VENCÍVEL. HIPÓTESE DE RESPONSABILIDADE PENAL A TÍTULO DE CULPA (CP, ART. 20, §1.º E CPM, ART. 36, §1.º). CULPA IMPRÓPRIA, POR EQUIPARAÇÃO OU ASSIMILAÇÃO. EMBORA SE APENE COMO DELITO CULPOSO ATO VERDADEIRAMENTE DOLOSO, NÃO SE PODE AFIRMAR QUE SE TRATA DE CRIME DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. INTERPRETAÇÃO DO ART. 5º, INC. XXXVIII, “D”, DA CF. ATRIBUIÇÃO AFETA À PROMOTORIA DE JUSTIÇA MILITAR PARA A FORMAÇÃO DA OPINIÃO DELITIVA A RESPEITO DO POSSÍVEL HOMICÍDIO CULPOSO PERPETRADO.

1.     Consoante se depreende dos elementos de informação coligidos, policial militar, depois de ver a ordem de parada desobedecida pelo ofendido, ao ouvir o soar de ruídos deste emanados, semelhantes a disparos de arma de fogo (tratando-se, na verdade, de estouros do escapamento do biciclo), supondo que se cuidava de tiros de armamento, revidou a imaginária agressão injusta e atingiu o sujeito passivo na perna, o qual veio a falecer depois de encaminhado pela guarnição ao nosocômio.

2.     A discussão não se refere, destarte, à dinâmica do fato, mas à sua definição legal e consequente competência.

3.     Houve, como se pode deduzir, hipótese de legítima defesa putativa, figura disciplinada de maneira uniforme tanto pelo Código Penal (art. 20, §1.º) como pelo Código Penal Militar (art. 36, §1.º). Em ambos os casos, se o erro gerado pela reação do ofendido se mostrar escusável fica o agente isento de pena; responde, entretanto, por delito culposo quando o equívoco deriva de culpa, ou seja, quando se revelar condizente com erro inescusável (ou vencível).

4.     O erro evitável vinculado à descriminante putativa em apreço, como bem anotou o Digníssimo Julgador, conduz à figura da culpa imprópria, em que, na verdade, o sujeito comete um ato doloso, punido a título culposo por questão de política criminal e em decorrência do equívoco em que a ação se fundou.

5.     De qualquer modo, ainda que se cuide da culpa por equiparação ou assimilação, não se pode dizer que a conduta constituiu crime doloso contra a vida. Tanto é assim que, quando no Tribunal do Júri se reconhece referida situação, opera-se a desclassificação, e a competência, nos termos dos arts. 419 e 492 do CPP, é transferida ao juiz togado, o qual recebe a matéria de direito e de fato, figurando então como o responsável por prolatar a decisão final.

6.     Isto porque o homicídio culposo, seja proveniente de culpa própria ou imprópria, não se insere na competência constitucionalmente atribuída ao Tribunal Popular, nos termos do art. 5º, inc. XXXVIII, “d”, da CF.

Solução: conhece-se do conflito, dirimindo-o e declarando que a atribuição para formar a opinio delicti incumbe ao Douto Promotor de Justiça Militar.

 

 

Cuida-se de conflito negativo de atribuição encaminhado a esta Chefia Institucional por iniciativa do MM. Juízo de Ferraz de Vasconcelos.

Verifica-se nos autos que o Douto Representante do Ministério Público oficiante na esfera da Justiça Castrense requereu o envio do inquérito policial ao Juízo Popular, porquanto considerou praticado, em tese, crime doloso contra a vida por parte de militar em face de civil (fl. 154).

O Nobre Membro do Parquet que o recebeu, porém, não vislumbrou ânimo homicida na conduta dos agentes públicos, mas a presença de ação motivada por descriminante putativa por erro de tipo vencível, resultando, portanto em eventual responsabilidade por delito culposo (fls. 164/167).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o encaminhamento do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado.

Consoante se depreende dos elementos de informação coligidos, o policial militar (...),depois de ver a ordem de parada desobedecida pelo ofendido, ao ouvir o soar de ruídos deste emanados, semelhantes a disparos de arma de fogo (tratando-se, na verdade, de estouros do escapamento do biciclo), supondo que se cuidava de tiros de armamento, revidou a imaginária agressão injusta e atingiu na perna (...), o qual veio a falecer depois de encaminhado pela guarnição ao nosocômio.

A discussão não se refere, destarte, à dinâmica do fato, mas à sua definição legal e consequente competência.

Houve, como se pode deduzir, hipótese de legítima defesa putativa, figura disciplinada de maneira uniforme tanto pelo Código Penal (art. 20, §1.º) como pelo Código Penal Militar (art. 36, §1.º).

Em ambos os casos, se o erro gerado pela reação do ofendido se mostrar escusável fica o agente isento de pena; responde, entretanto, por delito culposo quando o equívoco deriva de culpa, ou seja, quando se revelar condizente com erro inescusável (ou vencível).

É esta a hipótese dos autos.

O erro evitável vinculado à descriminante putativa em apreço, como bem anotou o Digníssimo Julgador, conduz à figura da culpa imprópria, em que, na verdade, o sujeito comete um ato doloso, punido a título culposo por questão de política criminal e em decorrência do equívoco em que a ação se fundou.

De qualquer modo, ainda que se cuide da culpa por equiparação ou assimilação, não se pode dizer que a conduta constituiu crime doloso contra a vida.

Tanto é assim que, quando no Tribunal do Júri se reconhece referida situação, opera-se a desclassificação, e a competência, nos termos dos arts. 419 e 492 do CPP, é transferida ao juiz togado, o qual recebe a matéria de direito e de fato, figurando então como o responsável por prolatar a decisão final.

Isto porque o homicídio culposo, seja proveniente de culpa própria ou imprópria, não se insere na competência constitucionalmente atribuída ao Tribunal Popular, nos termos do art. 5º, inc. XXXVIII, “d”, da CF.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para intervir nos autos recai sobre o Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designa-se outro representante ministerial para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 26 de fevereiro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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