Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 39.204/13

Autos n. 7.339/12 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Indiciada: (...)

Suscitante: 3.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Suscitada: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal do Foro Regional do Jabaquara

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSIFICAÇÃO DE ATESTADOS MÉDICOS. ENQUADRAMENTO TÍPICO QUANDO O DOCUMENTO NÃO FOI ELABORADO POR MENCIONADO PROFISSIONAL DE SAÚDE. INTELIGÊNCIA DO ART. 301, §1.º, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA DO §2.º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL PELO INTUITO DE LUCRO. CONDUTA PERPETRADA POR DUAS VEZES. PENAS MÁXIMAS COMINADAS ÀS INFRAÇÕES CONSIDERADAS GLOBALMENTE EXTRAVASAM O LIMITE DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. ATRIBUIÇÃO AFETA À PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO JUÍZO COMUM.

1. Cuida-se de conflito negativo de atribuição, em que os Doutos Promotores de Justiça divergem a respeito do juízo competente para apuração de falsificação de atestados médicos por quem não ostenta mencionada condição.

2. A conduta da agente encontra perfeita subsunção: art. 301, §1.º, do CP. Consoante já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “A falsidade material de atestado ou certidão, na moldura típica do §1.º do artigo 301 do Código Penal, é crime comum quanto ao sujeito ativo,  podendo ser praticado por qualquer pessoa” (STJ, R.Esp. 281.812, rel. Min. VICENTE LEAL, DJU de 02.09.2002, pág. 251). Possuindo o intuito de obter vantagem patrimonial, outrossim, incide a circunstância do §2.º do citado dispositivo legal.

3. A autora do fato cometeu o delito por duas vezes, pois forneceu atestados médicos em datas distintas, para abanar diferentes dias em que se ausentou do emprego. Em consequência, as penas máximas cominadas às infrações, consideradas globalmente, extravasam o estreito limite de competência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais.

Solução: conhece-se do conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição de oficiar nos autos compete à Ilustre Suscitante.

 

Cuida-se de procedimento instaurado visando à apuração da conduta perpetrada por (...), a qual apresentou dois atestados médicos falsificados à pessoa jurídica onde laborava, “(...).”, buscando, assim, justificar suas faltas ao emprego.

Ao término das investigações, o Douto Promotor de Justiça Criminal, vislumbrando praticado o delito descrito no art. 301, §1.º, c.c. art. 304 do CP, de menor potencial ofensivo, portanto, postulou o encaminhamento do caso ao Juizado Especial (fls. 46/47).

A Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, por sua vez, asseverou cometido o crime previsto no art. 304 do CP, apenado com reclusão (sic), pugnou seu reenvio à origem (fl. 113), onde foi suscitado conflito negativo de atribuição (fls. 117/118).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Nota-se pela narrativa constante do procedimento que a autora apresentou à pessoa jurídica onde laborava dois atestados médicos falsificados (fls. 19 e 21), visando justificar suas faltas ao trabalho.

A Secretaria Municipal de Saúde da Estância Turística de Embu, outrossim, confirmou a inveracidade dos mencionados documentos (fls. 17 e 20), circunstância corroborada por (...), o qual supostamente teria assinado um deles (fl. 69).

(...), em seu interrogatório, negou a conduta atribuída, dizendo-se perseguida pelos sócios da empresa (fl. 31).

Infere-se da breve síntese exposta que a confecção dos documentos foi praticada por quem não ostenta a condição de médico, consubstanciando tal conduta a infração capitulada no art. 301, § 1.º, do CP, que consiste na falsificação de outras espécies de atestado (dentre os quais se inclui aqueles utilizados pela investigada) com o intuito de obter vantagem patrimonial (incidindo a circunstância do §2.º do citado dispositivo legal).

Deve-se ponderar, ademais, que o crime acima mencionado pode ter qualquer pessoa como sujeito ativo, ou seja, cuida-se de delito comum, em que pese respeitáveis opiniões em sentido contrário.

GUILHERME SOUZA NUCCI é categórico nessa acepção, como se nota em seu Código Penal Comentado, 9ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009, pág. 1.038.

No mesmo sentido o escólio de JOSÉ SILVA JÚNIOR e GUILHERME MADEIRA DEZEM:

 

“A matéria contida no §1º que ora se examina, deveria constituir artigo autônomo, assim como a que trata o §2º, o que recomendam MAGALHÃES DRUMMOND e NORONHA. O sujeito ativo pode ser, aqui, qualquer pessoa...” (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 8ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 1.408).

 

É copiosa a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça com semelhante entendimento:

 

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. FALSIDADE MATERIAL DE ATESTADO OU CERTIDÃO – ART. 301, §1º DO CP. CRIME COMUM.

- A falsidade material de atestado ou certidão, na moldura típica do §1º do artigo 301 do Código Penal, é crime comum quanto ao sujeito ativo, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

- Recurso especial conhecido e provido”.

(STJ, REsp. 281.812, rel. Min. VICENTE LEAL, DJU de 02.09.2002, p. 251; grifo nosso).

 

 

Qualquer pessoa pode ser responsabilizada pela feitura de documento ou atestado que contenha falsidade material, e não apenas o exercente da função pública; que o teria expedido ou deveria expedir, porquanto, intencionalmente não incluído pelo legislador o requisito, em razão da função pública, no § 1.º do art. 301 do CP, faz com que se tenha, na espécie, crime classificado como comum, quanto ao agente e não crime próprio. Assim, se o agente, ao utilizar o documento público falsificado visa obter vantagem no serviço público, tem-se que sua ação se amolda no art. 304 com remissão ao art. 301, § 1.º, do CP e não ao art. 297 do mesmo Estatuto” (STJ – 6.ª T. – REsp. 210.379 – Rel. Fernando Gonçalves – j. 12.09.2000 – RT 786/601 e RSTJ 140/599; grifo nosso).

O sujeito ativo do crime de falsificação material de atestado ou certidão previsto no art. 301, § 1.º, do CP pode ser qualquer pessoa, não exigindo o tipo penal a qualidade de funcionário público” (STJ – 5.ª T. – REsp. 96.853 – Rel. Edson Vidigal – j. 06.05.1997 – RT 745/534; grifo nosso).

O crime de falsidade material de atestado ou certidão, previsto no art. 301, § 1.º, do CP, não é próprio, ou seja aquele que somente pode ser praticado por funcionário público responsável pela expedição do documento forjado; qualquer pessoa que altere total ou parcialmente atestado ou certidão pode ser o sujeito ativo do delito” (STJ – 5.ª T. – REsp. 188.184 – Rel. Félix Fischer – j. 18.02.1999 – RT 767/555; grifo nosso).

 

Não discrepam, ainda, os tribunais estaduais e regionais:

 

“Se o preceito contido no § 1.º do art. 301 constitui crime autônomo, “perfeitamente distinto daquele tipificado no caput daquela disposição legal”, não poderia vir como parágrafo. O parágrafo é uma fração do artigo. Os romanos já ensinavam que “o sentido e as palavras da lei devem afeiçoar-se ao título sob o qual se acham colocados” (TRF 1.ª Reg. – Rec. 97.01.038055-3 – Rel. Tourinho Neto – j. 23.09.1997 – RTJE 164/304).

 

 “A falsificação de atestado médico e o uso dele por quem o adquiriu, para iludir seu empregador, são condutas puníveis nos termos dos arts. 301, § 1.º, e 304 do CP” (TFR – AC – Rel. Carlos Madeira – DJU 3.6.83, p. 7.916). No mesmo sentido: RT 668/271.

 

 “Se o agente preenche e assina atestado que já estava carimbado com o nome do médico e o vende para terceira pessoa, para que esta obtenha vantagem perante o seu empregador, tipificado resta o crime de falsidade material de atestado médico ou certidão previsto no art. 301, §§ 1.º e 2.º, do CP, e não o de falsificação de documento particular previsto no art. 298 do mesmo diploma legal” (TJSP – AC 127.060-3/0 – Rel. Gentil Leite – RT 708/294).

 

O sujeito ativo, por conseguinte, deve ser tido como incurso no art. 301, §§1.º e 2.º, do CP.

Contudo, (...) cometeu o delito por duas vezes, pois forneceu atestados médicos em datas distintas, para abonar períodos diversos de ausência ao emprego. Em consequência, as penas máximas cominadas às infrações, consideradas globalmente, extravasam o estreito limite de competência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais.

Confira-se, a respeito do tema, os venerandos acórdãos das Colendas 5.ª e 6.ª Turmas do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS”. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. PENA MÁXIMA EM ABSTRATO, MAJORADA PELA CONTINUIDADE DELITIVA, ACIMA DE DOIS ANOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM.

1. A Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, traz em seu art. 2º, parágrafo único, que devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei nº 9.099/95, aqueles a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa, sem exceção. Entretanto, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, se em virtude da exasperação a pena máxima for superior a 2 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial Criminal.

2. No caso, o delito previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, tem como pena máxima dois anos de detenção, devendo ser considerada, ainda, a majoração pela continuidade delitiva, conforme o art. 71 do CP. Assim, de acordo com o entendimento desta Corte Superior, compete ao Juízo Comum processar e julgar os crimes apurados nestes autos, pois somadas as penas, estas ultrapassam o limite estabelecido como parâmetro para fins de fixação da competência para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo cometidas em concurso de crimes.

1.      Recurso a que se nega provimento”.

(STJ, RHC n. 27.068/SP, 6ª Turma, rel. Min. Og Fernandes, DJe de 27/09/2010, j. em 31.08.2010).

 

HABEAS CORPUS PREVENTINO. INJÚRIA, CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. CONCURSO DE CRIMES. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELA SOMA DAS PENAS MÁXIMAS COMINADAS AOS DELITOS. JURISPRUDÊNCIA DESTE STJ. PENAS SUPERIORES A 2 ANOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA CAUSA.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos; destarte, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial.

2. No caso dos autos imputa-se ao paciente a prática de crimes de calúnia, injúria e difamação cuja soma das penas ultrapassa o limite apto a determinar a competência do Juizado Especial Criminal.

3. Parecer do MPF pela concessão da ordem.

4. Ordem concedida.”

(STJ, HC n. 143.500/PE, 5ª Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 27/06/2011, j. em 31/05/2011).

 

Diante disso, conhece-se deste incidente com o fim de dirimi-lo, declarando competente para intervir no feito a Douta Promotora de Justiça oficiante junto ao MM. Juízo Comum.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, tendo em vista sua opinio delicti exarada, designa-se outro Representante Ministerial para atuar na causa, caso a Ilustre subscritora da manifestação de fls. 117/118 ainda se encontre no exercício do cargo.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático, se necessário.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 18 de março de 2013.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

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