Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 41.495/13

Autos n. 3.908/11 - MM. Juízo do Juizado Especial Criminal do Foro Regional de Santo Amaro (Comarca da Capital)

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal do Foro Regional de Santo Amaro

Suscitada: 5.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. ESTELIONATO MEDIANTE FRAUDE CONTRA SEGURO (CP, ART. 171, §2.º, V) OU FALSA COMUNICAÇÃO DE CRIME (CP, ART. 340). SUJEITO QUE, EM CONLUIO COM TERCEIRO, OCULTA VEÍCULO E LAVRA BOLETIM DE OCORRÊNCIA NOTICIANDO ROUBO INEXISTENTE, BUSCANDO OBTER INDEVIDAMENTE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE SEGURO. OCORRÊNCIA DE CRIME PATRIMONIAL NA FORMA CONSUMADA. ATRIBUIÇÃO AFETA AO PROMOTOR DE JUSTIÇA OFICIANTE NO JUÍZO COMUM.

1.      A controvérsia diz respeito à capitulação jurídica dos fatos, a fim de determinar se se cuida de estelionato na modalidade fraude contra seguros ou falsa comunicação de crime.

2.      Na hipótese em testilha, o sujeito, atuando em conluio com o coinvestigado, ocultou veículo automotor de sua propriedade e fez lavrar boletim de ocorrência como se fora roubado, requerendo, a partir daí, o recebimento de indenização a ser paga pela companhia seguradora.

3.      Situação que configura delito contra o patrimônio, de natureza formal, de modo que sua consumação independe do resultado naturalístico (i.e., o recebimento do montante). Ele atinge seu summatum opus com a ocultação do bem visando a haver indenização ou valor do seguro.

4.      A falsa comunicação de crime, de outra parte, fica absorvida pelo delito-fim, pois se constitui em meio executório incapaz de produzir outro malefício senão aquele inerente ao ato objetivado, no qual exaure sua potencialidade lesiva.

Solução: conhece-se do presente conflito, para dirimi-lo e declarar que a atribuição para atuar no caso incumbe ao Douto Suscitado.

 

Cuida-se de procedimento instaurado visando inicialmente à apuração da conduta perpetrada por (...) quando, no dia 09 de abril de 2010, conduzindo veículo automotor, colidiu primeiramente com uma cerca de arame e depois com as telhas de um dos cômodos da residência de (...).

Os policiais militares que atenderam à ocorrência, então, constataram ser o carro produto de roubo, obtendo do suspeito a informação de tê-lo adquirido aproximadamente cinco meses antes, desconhecendo sua origem espúria.

Em seu interrogatório, contudo, o increpado apresentou versão diversa, asseverando que o automóvel pertenceria a seu colega de trabalho (...), o qual lhe solicitara para escondê-lo, pois tencionava “dar um golpe” na seguradora (fls. 09 e 88).

Este, por sua vez, negou o comportamento imputado por ARNALDO, aduzindo ter este pedido emprestado o veículo e, no dia seguinte, noticiou-lhe o roubo, pretensamente praticado por dois indivíduos em uma motocicleta.

Como o conhecido recusou-se a lavrar boletim de ocorrência, ele o fez; posteriormente, ao saber que o bem fora localizado, cancelou o pedido de recebimento de indenização (fls. 41, 65 e 92).

O Ilustre Promotor de Justiça Criminal, vislumbrando perpetrado apenas o delito previsto no art. 340 do CP, cometido, em tese, por ALDSON, infração de menor potencial ofensivo, pugnou pelo encaminhamento da causa ao Juizado Especial (fls. 109/110).

O Douto Representante Ministerial que o recebeu discordou de seu antecessor, entendendo configurado o crime de tentativa de estelionato, na modalidade fraude para recebimento de indenização ou valor do seguro (CP, art. 171, §2.º, V), supostamente praticado por ALDSON e ARNALDO, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 116/117).

 Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), cumprindo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A controvérsia diz respeito à capitulação jurídica dos fatos e, da síntese acima exposta infere-se que, na verdade, o comportamento dos agentes, com a devida vênia do Ilustre Suscitado (e, em parte, do Douto Suscitante), amolda-se ao tipo penal incriminador contido no art. 171, §2.º, inc. V, do CP.

Isto porque de sua conduta infere-se o crime de estelionato consumado, na modalidade fraude para o recebimento de indenização de seguro.

Registre-se que o delito em apreço é formal, de modo que independe do resultado naturalístico (i.e., o recebimento do montante), para fins de consumação. Ele atinge seu summatum opus com a ocultação do bem visando a haver indenização ou valor do seguro.

A falsa comunicação de crime, de outra parte, fica absorvida pelo delito-fim, pois se constitui em meio executório incapaz de produzir outro malefício senão aquele inerente ao ato objetivado, no qual exaure sua potencialidade lesiva.

Não há se falar, portanto, em mera infração de menor potencial ofensivo.

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando incumbir a atribuição para atuar nos autos ao Ilustre Representante Ministerial oficiante no MM. Juízo Comum.

Para que não haja qualquer menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para intervir no feito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 21 de março de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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