Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 45.087/13

Autos n. 7.204/12 - MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Suscitante: 3.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Suscitada: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal do Foro Regional de Itaquera

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos (ameaça ou coação no curso do processo)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORES DE JUSTIÇA OFICIANTES PERANTE O JUÍZO COMUM E JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344) OU AMEAÇA (CP, ART. 147). FATOS OCORRIDOS POR MAIS DE UMA VEZ, COM ALGUNS COMPORTAMENTOS PERPETRADOS APÓS A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. ATOS POSTERIORES DESVINCULADOS DE FAVORECIMENTO DE INTERESSE PRÓPRIO (OU ALHEIO). AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO RELATIVO AO DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET RESPONSÁVEL PELO EXAME DO CRIME SUBSIDIÁRIO.

1. A divergência reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo. O delito contra a administração da Justiça é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal. Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. A conduta típica consiste em usar violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse próprio ou de terceiro, contra autoridade, parte ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte); b) grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto). O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

2. No tocante à ameaça, a sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo. Tal infração não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo. O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

3. No caso em tela, ressalte-se que, muito embora nova ameaça tenha sido feita após a instauração desta investigação penal, não se pode asseverar que ocorreu com o propósito específico de intimidar o sujeito passivo para favorecer interesse próprio (ou alheio). A dinâmica dos fatos subsequentemente verificados sugere se cuidar de mais um desdobramento das sérias divergências familiares entre os sujeitos ativo e passivo. Subsiste, desta feita, apenas o delito subsidiário ou famulativo.

Conclusão: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete à Douta Suscitada.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à suposta prática do crime de ameaça (CP, art. 147) cometido, em tese, por (...) em face de seu irmão (...).

A Douta Promotora de Justiça oficiante perante o Juizado Especial, ao receber o procedimento, vislumbrou a prática do delito de coação no curso do processo (CP, art. 344), motivo pelo qual pugnou seu encaminhamento ao MM. Juízo Comum (fls. 80/81).

O Ilustre Representante Ministerial neste atuante, contudo, discordando do posicionamento de sua antecessora, suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 114/116).

Eis a síntese do necessário.

 

Preliminarmente

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos autos.

Pois bem.

 

Dos fatos

Segundo consta do feito, (...), policial militar, lavrou o boletim de ocorrência encartado a fls. 03/04, narrando que o suspeito, seu irmão mais velho, esteve em sua residência no dia 20 de abril de 2012 e, sem motivos, passou a dirigir-lhe palavras ofensivas, ameaçando-o de morte (fls. 05/06).

(...), ao ser ouvido a respeito, negou a conduta imputada, mas alegou que realmente houve uma discussão, originada por problemas familiares decorrentes de partilha de bens (fl. 08).

Depois disso, entretanto, ele continuou seu comportamento, chegando a vigiar os horários do ofendido (fl. 69).

O investigado, novamente auscultado, aduziu que ocorrera outro desentendimento, pelas razões já declinadas, denotando sua intenção em se mudar para o Estado da Bahia (fl. 75).

(...), contudo, compareceu perante a autoridade policial e aditou seu depoimento, atribuindo ao increpado os atos já descritos, os quais não teriam cessado (fl. 76).

(...), esposa da vítima, confirmou sua versão (fl. 77).

 

Do enquadramento legal

A divergência surgida neste procedimento, consoante se antecipou, reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo.

O delito contra a administração da Justiça consiste em:

 

“Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.”

 

O fato é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal.

Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral.

A conduta típica consiste em usar (utilizar-se de) violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse (moral ou material) próprio ou de terceiro, contra autoridade (magistrado, membro do Ministério Público, delegado de polícia etc.), parte (p. ex., autor, réu, reclamante, reclamado, querelante, querelado, assistente de acusação) ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir (p. ex., jurado, perito, testemunha, vítima etc.) em processo judicial (de qualquer natureza: civil, trabalhista ou penal), policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Pode-se citar como exemplo o ato do acusado que profere ameaças e promessas de vingança contra juiz durante audiência ou, ainda, o parente do réu que intimida as testemunhas convocadas a depor pela acusação, com o fim de se retratarem.

São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte); b) grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto).

O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

No tocante à ameaça, dá-se tal crimen quando o agente:

 

“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”

 

A sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo.

A ameaça não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo.

O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

No caso em tela, ressalte-se que, muito embora nova ameaça tenha sido feita após a instauração desta investigação penal, não se pode asseverar que ocorreu com o propósito específico de intimidar o sujeito passivo para favorecer interesse próprio (ou alheio).

A dinâmica dos fatos subsequentemente verificados sugere se cuidar de mais um desdobramento das sérias divergências familiares entre os sujeitos ativo e passivo.

Subsiste, desta feita, apenas o delito subsidiário ou famulativo.

 

Conclusão

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição compete à Douta Suscitada.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para atuar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 1.º de abril de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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