Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 53.018/13

Autos n. 257/13 - MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal do Foro Regional de São Miguel Paulista

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal do Foro Regional de São Miguel Paulista

Suscitada: Promotoria de Justiça da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Região Leste II (São Miguel Paulista)

Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. PROMOTORES DE JUSTIÇA EM EXERCÍCIO NO JUÍZO COMUM E NA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. SUPOSTA AMEAÇA DE MORTE PERPETRADA PELO INDICIADO EM FACE DE SUA IRMÃ. POSTURA APARENTEMENTE REITERADA E, PORTANTO, REVELADORA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. HIPÓTESE AMPARADA PELA LEI MARIA DA PENHA. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO MINISTERIAL ATUANTE NA VARA ESPECIALIZADA PARA INTERVIR NO FEITO.

1. O crime citado nos autos, em nosso sentir, se enquadra no conceito de violência doméstica e familiar previsto na Lei n. 11.340/06. Isto porque apresenta traços indicativos de violência de gênero.

2. Trata-se o caso de suposta ameaça de morte (e ofensas à honra subjetiva) cometida pelo sujeito ativo, quando se dirigiu à residência de sua irmã, sob o pretexto de ir buscar sua sobrinha, cuja guarda ficou com a mãe de ambos.

3. Os fatos registrados no procedimento investigatório, confirmados pela vítima e amparados por declarações de testemunhas presenciais, por seu caráter aparentemente não-isolado, apresentam indícios da situação fundamentadora da Lei Maria da Penha.

4. Com efeito, a postura do investigado revela assumir ele, nesta relação familiar, posição de dominação ao pretender subjugar a ofendida, notadamente em face de sua condição feminina.

5. A causa em testilha está a merecer a incidência da Lei n. 11.340/06 e de todas as medidas protetivas ao sujeito passivo nela contidas. Não se pode olvidar, ainda, que se dúvidas houver a respeito da subsunção do ato perpetrado ao citado Diploma Normativo, é recomendável que, nesta fase da persecução penal, sejam elas resolvidas em favor da sociedade.

6. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido ora exposto, como se pode conferir no R.Esp. n. 1239850/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 05/03/2012.

Solução: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, com o fim de declarar competir ao Douto Representante Ministerial atuante perante a Vara Especializada a atribuição para intervir nos autos.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do crime de ameaça (CP, art. 147) cometido, em tese, por (...) em face de sua irmã (...).

O Ilustre Promotor de Justiça oficiante na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, não vislumbrando hipótese a ser amparada pela Lei n. 11.340/06, requereu o encaminhamento da causa ao MM. Juízo Comum (fls. 27/29).

O Douto Representante Ministerial que recebeu o feito, por sua vez, discordando do posicionamento de seu antecessor, suscitou, em judiciosa manifestação, conflito negativo de atribuição (fls. 33/34).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, não lhe cumprindo determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos autos.

Pois bem.

O crime de ação pública citado nos autos, em nosso sentir, se enquadra no conceito de violência doméstica e familiar previsto na Lei n. 11.340/06, por apresentar traços indicativos de violência de gênero.

Trata-se o caso de suposta ameaça de morte (e ofensas à honra subjetiva) cometida, em tese, no dia 19 de maio de 2012, por volta de 21 horas, quando (...) se dirigiu à residência de (...), sob o pretexto de ir buscar sua sobrinha, cuja guarda ficou com a mãe de ambos.

Os fatos registrados no procedimento investigatório, confirmados pela vítima e amparados por declarações de testemunhas presenciais, em face de seu caráter não-isolado, apresentam indícios da situação fundamentadora da Lei Maria da Penha.

Com efeito, a postura do investigado para com sua irmã revela assumir ele, nesta relação familiar, posição de dominação ao pretender subjugá-la, notadamente em face de sua condição feminina.

A causa em testilha está a merecer a incidência da Lei n. 11.340/06 e de todas as medidas protetivas ao sujeito passivo nela contidas.

Não se pode olvidar, ainda, que se dúvidas houver a respeito da subsunção do ato perpetrado ao citado Diploma Normativo, é recomendável que, nesta fase da persecução penal, sejam elas resolvidas em favor da sociedade.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido ora explanado, como se pode conferir no seguinte julgado:

 

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE AMEAÇA PRATICADO CONTRA IRMÃ DO RÉU. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. ART. 5.º, INCISO II, DA LEI N.º 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE BRASÍLIA/DF. RECURSO PROVIDO.

1. A Lei n.º 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, sendo que o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto.

2. Na espécie, apurou-se que o Réu foi à casa da vítima para ameaçá-la, ocasião em que provocou danos em seu carro ao atirar pedras. Após, foi constatado o envio rotineiro de mensagens pelo telefone celular com o claro intuito de intimidá-la e forçá-la a abrir mão "do controle financeiro da pensão recebida pela mãe" de ambos.

3. Nesse contexto, inarredável concluir pela incidência da Lei n.º 11.343/06, tendo em vista o sofrimento psicológico em tese sofrido por mulher em âmbito familiar, nos termos expressos do art. 5.º, inciso II, da mencionada legislação.

4. "Para a configuração de violência doméstica, basta que estejam presentes as hipóteses previstas no artigo 5º da Lei 11.343/2006 (Lei Maria da Penha), dentre as quais não se encontra a necessidade de coabitação entre autor e vítima." (HC 115.857/MG, 6.ª Turma, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), DJe de 02/02/2009.)

5. Recurso provido para determinar que Juiz de Direito da 3.ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Brasília/DF prossiga no julgamento da causa”.

(STJ, R.Esp. n. 1239850/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 05/03/2012)

 

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, com o fim de declarar competir ao Douto Representante Ministerial atuante perante a Vara Especializada a atribuição para intervir nos autos.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designa-se outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito, se o Ilustre subscritor da manifestação de fls. 27/29 ainda se encontrar no exercício do cargo.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático, caso necessário.

 

São Paulo, 15 de abril de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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