Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.
60.347/13
Autos n. 1.071/13
- MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)
Suscitante: 2.ª
Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital
Suscitada: Promotoria
de Justiça Criminal do Foro Regional de Santo Amaro
Assunto: divergência
acerca do enquadramento legal do fato com reflexo na atribuição funcional
EMENTA:
CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSA IDENTIDADE (CP, ART. 307) OU FALSIDADE
IDEOLÓGICA (CP, ART. 299). INDICIADO QUE APRESENTA QUALIFICAÇÃO FALSA PERANTE A
AUTORIDADE POLICIAL COM VISTAS A OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS. INFRAÇÃO
PUNIDA COM DETENÇÃO, FIXANDO A RESPONSABILIDADE DO REPRESENTANTE MINISTERIAL
OFICIANTE PERANTE O FORO REGIONAL PARA ATUAR NO FEITO.
1. Na hipótese vertente, o indiciado atribuiu a si,
mentirosamente, dados qualificativos diversos, com o escopo de esconder
passagens criminais que ostenta. Sua conduta, destarte, se subsume ao crime previsto
no art. 307 do CP, tipo especial em relação àqueles descritos nos arts. 299 e
304 do mesmo Estatuto.
2.
Deve-se assentar, de outro lado, que referida ação se mostra típica e
antijurídica, pois não amparada pelo direito de defesa. Nesse sentido, o atual
posicionamento dos Tribunais Superiores. Confira-se: "EMENTA
CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL.
ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE
AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO
GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE.
TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa
(art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa
identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus
antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307
do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites
subjetivos das partes” (STF, R.E. n. 640139, Relator: Min. DIAS TOFFOLI,
julgado em 22/09/2011, publicado no DJe 198, de 13-10-2011); “HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR
ANTECEDENTES CRIMINAIS E EVITAR PRISÃO. AUTODEFESA QUE ABRANGE SOMENTE O
DIREITO A MENTIR E OMITIR SOBRE OS FATOS E NÃO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO. CONDUTA
TÍPICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça
consolidou-se o entendimento no sentido de que não configura o crime disposto
no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado
que apresenta falso documento de identidade perante a autoridade policial com
intuito de ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de
autodefesa, já que amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXIII,
da Constituição Federal. 2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o
RE 640.139/DF, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo
diverso, assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança
aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo
de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo
agente. 3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão
geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de
posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, órgão que
detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em
última instância quais situações são conformes ou não com as disposições
colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado
por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a
incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte.
(...)”. (STJ, HC n. 151.866, Rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em
1.º/12/2011).
Solução:
conflito conhecido e dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos
autos compete à Douta Suscitada.
Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração da conduta de (...), perpetrada no dia 07 de fevereiro de 2013, quando, conduzindo veículo automotor em estado de embriaguez e sem habilitação legal para fazê-lo, colidiu com um ônibus escolar; posteriormente, perante o Delegado de Polícia, atribuiu a si falsa identidade, declarando chamar-se (...).
A Douta Promotora de Justiça de Santo Amaro, ao receber a comunicação da prisão, vislumbrando cometido, além das infrações de trânsito, o crime de falsidade ideológica (CP, art. 299), punido com reclusão, postulou o encaminhamento do caso ao Foro Central da Capital (fls. 43/45 do apenso).
O Ilustre Representante Ministerial nele oficiante, contudo, entendendo configurado o delito descrito no art. 307 do CP, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 52/53).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, não lhe cumprindo determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.
Pois bem.
Assiste razão ao Ilustre Suscitante, com a devida vênia da Douta Suscitada.
Isto
porque o comportamento imputado ao sujeito configura, de fato, o delito de
falsa identidade (CP, art. 307).
Destaque-se
que o increpado se limitou a atribuir a si, mentirosamente, dados qualificativos
diversos, sem apresentar cédula de identidade com informações de outrem.
Na
hipótese vertente, portanto, sua conduta se subsume ao tipo especial acima
citado.
Deve-se
assentar que referida ação se mostra típica e antijurídica, pois não amparada pelo
direito de defesa. Nesse sentido, o atual posicionamento dos Tribunais
Superiores. Confira-se:
"EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes”
(STF, R.E. n. 640139, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, publicado no DJe 198, de 13/10/2011).
“HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS E EVITAR PRISÃO. AUTODEFESA QUE ABRANGE SOMENTE O DIREITO A MENTIR E OMITIR SOBRE OS FATOS E NÃO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO. CONDUTA TÍPICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento no sentido de que não configura o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade perante a autoridade policial com intuito de ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. 2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 640.139/DF, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso, assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente. 3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte. (...)”.
(STJ, HC n. 151.866, Rel. Min.
Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em 1.º/12/2011).
Cuida-se,
destarte, de infração punida com detenção, devendo, portanto, permanecer toda a
causa – inclusive no que alude às infrações de trânsito – sob os cuidados da
Promotora de Justiça oficiante perante o Foro Regional de Santo Amaro.
Por todo o exposto, conhece-se deste incidente para
dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar no feito incumbe à Douta Suscitada.
Com o fim de não haver menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro representante ministerial para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.
São Paulo, 30 de abril de
2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal