Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.
66.333/13
Autos n. 795/13-
MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo
Suscitante:
Promotoria de Justiça Criminal de São Bernardo do Campo
Suscitada:
Promotoria de Justiça Criminal de Santo André
Assunto: foro competente para
apuração de crime de receptação (CP, art. 180)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE
ATRIBUIÇÃO. DELITO DE RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180, CAPUT). DIVERGÊNCIA ENTRE PROMOTORES DE JUSTIÇA ACERCA DA
COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. AGENTE QUE
ADQUIRIU O VEÍCULO NUM TERRITÓRIO E O CONDUZIU A OUTRO, ONDE FOI APREENDIDO.
MODALIDADE DE CRIME PERMANENTE, CUJA CONSUMAÇÃO ATINGIU MAIS DE UM FORO. CPP,
ART. 71. CRITÉRIO DA PREVENÇÃO. ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL VINCULADA AO LOCAL
1. Na hipótese vertente, o indiciado foi surpreendido em Santo André por policiais civis ao volante de automóvel produto de roubo, além de o chassi apresentar sinais de adulteração. Inquirindo o suspeito, alegou que adquirira o bem em São Bernardo do Campo.
2. Os elementos até agora coligidos
indicam o cometimento, pelo menos, do crime de receptação, realizado
integralmente em Santo André, persistindo sua fase consumativa durante todo o
período em que o agente conduziu o objeto (atingindo, então, o foro de São
Bernardo do Campo). Significa dizer que se trata de delito permanente, motivo pelo
qual tem aplicação à espécie o disposto no art. 71 do CPP: “Tratando-se de
infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais
jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”. Precedentes
jurisprudenciais (STJ, CC 88617, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU
de
3. O juízo prevento é aquele que se antecipou aos demais na prática de algum ato ou medida relativa ao processo, ou seja, o de Santo André (CPP, art. 71).
Solução: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição de oficiar nos autos incumbe à Ilustre Suscitada.
Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta perpetrada por (...) quando, no dia 10 de abril de 2012, por volta de 13 horas, foi surpreendido, na Av. Prestes Maia, Bairro Campestre, Santo André, por policiais civis na posse de veículo objeto de roubo ocorrido em 08 de outubro de 2011, constatando os agentes públicos que o chassi apresentava sinais de adulteração.
O agente, inquirido a respeito, afirmou ter adquirido o automóvel aproximadamente duas semanas antes, em São Bernardo do Campo, de um indivíduo denominado “(...)”, pelo valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
A Douta Promotora de Justiça inicialmente oficiante postulou o envio do feito a tal Comarca, eis que o local onde realizada a tradição do bem (fls. 53/54).
O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordou de sua antecessora, vislumbrando perpetrado o crime de receptação (CP, art. 180), de natureza permanente, devendo a competência para conduzir o feito, portanto, ser firmada pela prevenção. Em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 58/60).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do procedimento a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.
Pois bem.
A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a
devida vênia do Ilustre Suscitado.
Os elementos de prova até agora coligidos indicam a ocorrência, pelo menos, do delito de receptação dolosa simples, cuja realização integral perpassou os territórios de São Bernardo do Campo (suposto lugar da aquisição da res) e de Santo André (local da condução do objeto).
De aplicar-se à espécie, portanto, o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.
De acordo com o dispositivo legal indicado, em matéria de infrações permanentes, cuja consumação atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.
In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, o de Santo André. Nesse sentido, conforme, inclusive, colacionado pelo Ilustre Suscitante:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO,
NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA.
CRIMES PERMANENTES COMETIDOS
1. Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.
2. Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.
(STJ, CC 88617, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de
De ver, ainda, o seguinte julgado, sufragando a
mesma tese:
“CONFLITO NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de
carga - Crimes ocorridos
(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO
DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. Maria
Olivia Alves, j. em
Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça Criminal de Santo André.
A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.
Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN,
examinando conflitos de atribuição:
“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155); parêntese nosso.
Publique-se a ementa. Cumpra-se.
São Paulo, 09 de maio de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal