Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 70.605/13

Autos n. 391/13 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Jacareí

Indiciado: (...)

Suscitante: 6.º Promotor de Justiça de Jacareí

Suscitado: 8.º Promotor de Justiça de Jacareí

Assunto: subsunção do fato ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DE LESÃO CORPORAL PRATICADO, EM TESE, PELO AGENTE EM FACE DE SUA CUNHADA, APÓS UMA DISCUSSÃO. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (LEI N. 9.099/95, ART. 61). INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06)

1. O objeto central da discussão reside em saber se a conduta do averiguado, que agrediu sua cunhada depois de um desentendimento, se subsume ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher, conforme dispõe a Lei n. 11.340/06 e, via de consequência, se a atribuição para atuar na causa deve ficar sob a responsabilidade do Órgão do Parquet oficiante na esfera dos Juizados Especiais Criminais ou no âmbito da Vara Criminal Comum.

2. Na hipótese concreta, não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero. Acentue-se que o Diploma acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

3. Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção à mulher atingida no contexto doméstico ou familiar. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir em diversos julgados (por exemplo, HC 176.196/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, 5.ª TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe de 20/06/2012)

 Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Promotor de Justiça em exercício no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

 

 

Cuida-se de termo circunstanciado instaurado para apurar o crime de lesão corporal (CP, art. 129) cometido, em tese, por (...) em face de sua cunhada (...).

O Douto Promotor de Justiça oficiante perante o Juizado Especial Criminal de Jacareí, recebendo o expediente, requereu seu envio ao MM. Juízo Comum, pautando-se nos termos do art. 41 da Lei n. 11.340/06 (fl. 14).

O Ilustre Representante Ministerial nele atuante, discordando do posicionamento de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 19/21).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do feito a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Com a devida vênia do Ilustre Suscitado, não lhe assiste razão.

Isto porque não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero.

A hipótese em testilha versa sobre a suposta prática do delito de lesão corporal (CP, art. 129) cometido, em tese, por (...) em face de (...) quando, no dia 28 de dezembro de 2012, depois de discutirem pelo telefone em decorrência de um problema envolvendo seus filhos, ele se dirigiu até a loja da vítima e desferiu um soco em seu rosto.

O situação retratada, ademais, não se subsume à figura qualificada prevista no §9.º do art. 129 do CP, o que, se presente, poderia igualmente justificar a competência do Juízo Comum para o exame do caso.

Acentue-se, quanto à incidência da Lei n. 11.340/06, que o Texto Legal citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção ao sujeito passivo. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir nos seguintes julgados:

 

“CRIMINAL. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 41 DA LEI Nº 11.340/06. NÃO VERIFICAÇÃO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RELAÇÃO FAMILIAR. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. INTERPRETAÇÃO LITERAL DA NORMA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA.

I. O pedido de trancamento da ação penal não foi submetido ao crivo do órgão colegiado do Tribunal a quo, de modo que não pode ser conhecido por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.

II. A Constituição Federal, ao definir a competência dos juizados especiais, não definiu a expressão "infrações penais de menor potencial ofensivo", cabendo ao legislador ordinário tal delimitação. Precedentes.

III. Hipótese cujo mérito é afastar a aplicação da Lei Maria da Penha em suposta lesão corporal praticada por tia contra sobrinha que não residia no mesmo domicílio.

IV. Para a aplicação da Lei Maria da Penha, é necessária a demonstração da motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima. Precedentes.

V. Embora o inciso II, do art. 5º, da Lei nº 11.340/06 disponha que a violência praticada no âmbito da família atrai a incidência da Lei Maria da Penha, tal vínculo não é suficiente, por si só, a ensejar a aplicação do referido diploma, devendo-se demonstrar a adequação com a finalidade da norma, de proteção de mulheres na especial condição de vítimas de violência e opressão, no âmbito de suas relações domésticas, íntimas ou do núcleo familiar, decorrente de sua situação vulnerável.

VI. A previsão de aplicação da Lei nº 11.340/06 à violência praticada no âmbito da unidade doméstica, do mesmo modo, não almeja a proteção do mero espaço físico contra agentes externos que nele adentrem para cometer o delito, mas sim ao próprio âmago sentimental que se estabelece entre indivíduos que compartilham a mesma moradia, com fim de proteção dos mais vulneráveis dentro desse grupo de pessoas.

VII. Ademais, o art. 129, § 9º, do Código Penal, não se aplica a situação dos autos, não sendo a paciente ascendente, descendente, irmã, cônjuge ou companheira da vítima, inexistindo convivência, ou prevalecimento das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

VIII. Ordem parcialmente conhecida e concedida.

(HC 176.196/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, 5.ª TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe de 20/06/2012; grifos nossos)

 

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando competir ao Douto Suscitado a atribuição para intervir nos autos.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designa-se outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

 

São Paulo, 16 de maio de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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